ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Luciana Costa Silva, Agnaldo Soares Lima, Wilson Campos Tavares Júnior, Paulo Roberto Savassi Rocha |
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Descritores: Veia porta, Velocidade média, Transplante, Hemodinâmica |
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Resumo: IIIMédico Residente do Departamento de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do HC-UFMG
INTRODUÇÃO O transplante hepático tem-se provado um procedimento efetivo no tratamento de várias doenças hepáticas. Na maioria dos casos, ele é realizado em pacientes hepatopatas com hipertensão portal. Com o implante de um novo fígado, institui-se nova dinâmica do fluxo portal, não existindo mais o estado de hipertensão. Existem, na literatura, relatos de alterações hemodinâmicas após transplante hepático(1). Essas alterações se caracterizam, principalmente, por hiperfluxo portal. A função hepática imediata é muito sensível à congestão do enxerto, sendo dependente não só do afluxo portal, mas também do efluxo venoso hepático. A influência do excessivo fluxo portal tem sido associada à disfunção hepática, principalmente em casos de partições, como "splits" e transplante hepático doador-vivo. Esta disfunção é chamada de "small-for-size syndrome"(2). Conduzimos o estudo com o objetivo de avaliar a velocidade média na veia porta através de eco-Doppler, antes, durante e após transplantes hepáticos.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado estudo prospectivo com 37 pacientes submetidos a transplante hepático em nossa instituição, no período de janeiro de 2002 a julho de 2003. Todos os pacientes foram estudados por meio de eco-Doppler de vasos hepáticos à admissão para o transplante, durante o procedimento cirúrgico (após as anastomoses vasculares) e no primeiro e sétimo dias de pós-operatório. Realizaram-se medidas da velocidade média do tronco da veia porta e em seus ramos direito e esquerdo. Foram utilizados aparelhos das marcas ATL 3500 e Medison Gaia, com transdutores de 2,5 a 5,0 MHz e 3,5 a 5,0 MHz, respectivamente. A análise estatística foi realizada utilizando o teste t pareado, assumindo significância estatística com valor p de 0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%. Foram ainda analisados dados descritivos. A idade média dos pacientes foi de 41,6 anos, com mediana de 44,0 anos (mínima de 1,0 ano, máxima de 69,0 anos, desvio-padrão de 17,5 anos), sendo 37,8% do sexo feminino e 62,2% do sexo masculino. A maioria dos pacientes era portadora de hepatopatia etanólica (Tabela 1).
RESULTADOS As medidas obtidas da velocidade média no tronco, ramos direito e esquerdo da veia porta estão relacionadas nas Tabelas 2, 3 e 4).
Quando comparamos as velocidades médias obtidas no tronco da veia porta no pré-operatório imediato e no peroperatório (logo após reperfusão), notamos diferença com significância estatística (valor p = 0,01, IC de 95%). Valores semelhantes foram observados também quando comparamos as velocidades médias do pré-operatório e dos primeiro e sétimo dias de pós-operatório (valor p < 0,01, IC de 95%). No seguimento, nenhum dos pacientes estudados apresentou complicações relacionadas à veia porta (Figuras 1 a 4).
DISCUSSÃO O transplante hepático ortotópico é a modalidade ideal de tratamento para várias hepatopatias crônicas fibrosantes e em casos de hepatite fulminante. O ultra-som com Doppler é o exame inicial na avaliação desses pacientes, tanto no pré quanto no pós-operatório, e permite a detecção de complicações vasculares variadas, incluindo trombose e estenose da artéria hepática, veia porta e veia cava inferior, além de pseudo-aneurismas da artéria hepática e estenoses do tronco celíaco. Há relatos da importância de se realizar estudo dopplerfluxométrico também no peroperatório(3) . Conduzimos este estudo com a finalidade de avaliar a velocidade média da veia porta no pré-operatório, no peroperatório (logo após a reperfusão hepática) e no pós-operatório. Segundo vários autores, o padrão de onda da veia porta em indivíduos normais é de um fluxo contínuo, hepatopetal, com discretas variações da velocidade induzidas pela respiração. Ao estudo espectral, consideram-se normais velocidades médias variando entre 12 e 30 cm/s(4). Caracteriza-se estenose da veia porta quando existe "aliasing" focal ao Doppler colorido, com fluxo turbulento, e a velocidade média está aumentada em três a quatro vezes em relação ao segmento pré-estenótico(5,6) . Nosso estudo verificou que existe aumento significativo da velocidade média da veia porta, logo após a reperfusão do enxerto e no pós-operatório precoce, em relação aos valores considerados normais para indivíduos sadios. Este aumento situa-se, em média, pelo menos quatro vezes maior que o valor esperado para indivíduos sadios (20,0 cm/s) e pelo menos cinco vezes a velocidade média pré-transplante (16,0 cm/s), com significância estatística (p < 0,01). Pacientes hepatopatas com cirrose avançada apresentam um desarranjo hemodinâmico sistêmico e no leito esplâncnico, que é caracterizado por um estado circulatório hipercinético(7) . Supõe-se que o aumento da velocidade na veia porta está relacionado à manutenção das alterações no leito vascular esplâncnico previamente existentes, com ausência de regulação do fluxo portal para o fígado transplantado. Assim, estabelece-se um estado de hiperfluxo portal. Alguns autores consideram este hiperfluxo causa de injúria hepatocelular(8). Esta condição é melhor observada em transplantes intervivos e partições, os chamados "splits", em que a relação enxerto e peso do paciente é inadequada (enxerto com menos de 0,8% do peso do paciente)(7). "Small-for-size" syndrome, definida como disfunção hepática precoce relacionada a enxertos pequenos em relação ao peso do receptor, possivelmente está relacionada a este estado de hiperfluxo portal(9). Postula-se, também, a teoria da existência de uma compensação arterial ao hiperfluxo portal, representada por redução do fluxo arterial. Esta resposta "tampão" da artéria hepática pode ser fator predisponente à trombose arterial(10).
CONCLUSÃO A velocidade média na veia porta aumenta significativamente em pacientes transplantados hepáticos, quando comparada com a velocidade observada em indivíduos sadios e no pré-operatório de transplantes. Este aumento reflete um estado de hiperfluxo portal e estava presente em todos os pacientes estudados. No presente estudo não houve complicações relacionadas à veia porta. Portanto, supõe-se que o aumento da velocidade portal, ao eco-Doppler, na população estudada, não deve ser considerado indicador de complicação vascular. Não se deve, então, erroneamente, caracterizar a presença de velocidade média aumentada na veia porta como estenose da anastomose, exceto se houver grande diferença em relação ao segmento pré-anastomótico.
REFERÊNCIAS 1. Huang TL, Cheng YF, Chen TY, et al. Portal hemodynamics in living-related liver transplantation: quantitative measurement by Doppler ultrasound. Transplant Proc 1988;30:31867. [ ] 2. Gondolesi GE, Florman S, Matsumoto C, et al. Venous hemodynamics in living donor right lobe liver transplantation. Liver Transpl 2002;8:80913. [ ] 3. Cheng YF, Huang TL, Chen CL, et al. Intraoperative Doppler ultrasound in liver transplantation. Clin Transplant 1998;12:2929. [ ] 4 Shaw A, Sidhu PS. Ultrasound assessment of the liver transplant candidate. In: Sidhu PS, Baxter GM, eds. Ultrasound of abdominal transplantation. Stuttgart, Germany: Thieme, 2002;7689. [ ] 5. Nghiem HV, Tran K, Winter TC III, et al. Imaging of complications in liver transplantation. RadioGraphics 1996;16:82540. [ ] 6. Crossin JD, Muradali D, Wilson SR. US of liver transplants: normal and abnormal. RadioGraphics 2003;23:1093114. [ ] 7. Garcia-Valdecasas JC, Fuster J, Charco R, et al. Changes in portal vein flow after adult living-donor liver transplantation: does it influence postoperative liver function? Liver Transpl 2003;9:5649. [ ] 8. Troisi R, Cammu G, Militerno G, et al. Modulation of portal graft inflow: a necessity in adult living-donor liver transplantation? Ann Surg 2003;237: 42936. [ ] 9. Ott R, Schuppan D, Tannapfel A, et al. Portal vein arterialisation as a technical option in liver transplantation: impact on function, regeneration, and morphology of the liver following hemihepatectomy in pigs. Liver Int 2003;23:5462. [ ] 10. Kiuchi T, Tanaka K, Ito T, et al. Small-for-size graft in living donor liver transplantation: how far should we go? Liver Transpl 2003;9:S2935. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 30/7/2004. Aceito, após revisão, em 9/12/2004.
* Trabalho realizado no Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), Grupo de Transplantes do Instituto Alfa de Gastroenterologia do HC-UFMG, Belo Horizonte, MG. |