ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Pedro Weslley Souza do Rosário, Ludmilla David Cardoso, Tales Alvarenga Fagundes, Álvaro Luís Barroso, Leonardo Lamego Rezende, Eduardo Lanza Padrão, Saulo Purisch |
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Descritores: Câncer de tireóide, Varredura, Terapia ablativa |
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Resumo: IIIChefe do Serviço de Medicina Nuclear da Santa Casa de Belo Horizonte
INTRODUÇÃO Após tireoidectomia total e antes da radioiodoterapia, pacientes com carcinoma diferenciado de tireóide (CDT) devem ser avaliados quanto à presença de metástases, que, se forem linfonodais ou macrometástases devem ser abordadas cirurgicamente(1) e se forem não ressecáveis exigem doses maiores de 131I do que as prescritas para ablação de remanescentes apenas(2). Além disso, alguns pacientes podem ser dispensados da terapia ablativa por não apresentarem remanescentes tireoidianos detectáveis na varredura e nem tireoglobulina (Tg) elevada, mesmo em hipotireoidismo(1,35). Para identificar esses casos, a varredura pré-terapia combinada à Tg estimulada são os métodos recomendados(14). A varredura com 131I apresenta ainda a vantagem de permitir o cálculo da dose a ser administrada(6) e a medida da captação pelo tecido tireoidiano remanescente ou pelas metástases, o que pode influenciar na dose terapêutica(1,2). No entanto, a necessidade da varredura antes da terapia ablativa não é consensual na literatura(1,7), sendo a sensibilidade deste exame, a eficácia de protocolos com altas doses fixas sem varredura pré-dose(7), a possibilidade de comprometimento da captação da dose terapêutica (efeito "stunning")(1,2), o fato de não resultar em mudança na conduta na maioria dos pacientes e a tentativa de reduzir custos(8), argumentos contrários à sua realização rotineira. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da varredura pré-terapia ablativa na decisão clínica em pacientes com carcinoma papilífero de tireóide submetidos à tireoidectomia total.
MATERIAIS E MÉTODOS Analisamos, retrospectivamente, os resultados da varredura de corpo inteiro com 131I e Tg sérica em hipotireoidismo após a tireoidectomia total (com ressecção de linfonodos aparentemente metastáticos) e antes da terapia ablativa em 100 pacientes (74 mulheres e 26 homens; idade variando de 13 a 76 anos, média de 41,6 anos) com carcinoma papilífero de tireóide (tumor > 1,5 cm em todos(3), 45 com metástases linfonodais e 23 com extensão além da cápsula tireoidiana no anatomopatológico) atendidos em nossa instituição até o ano de 2002, quando a varredura pré-dose era rotineira em nosso serviço. Selecionamos apenas pacientes sem anticorpos anti-Tg. Consideramos que a varredura pré-dose foi clinicamente importante quando revelou metástases que podiam ser abordadas cirurgicamente antes da ablação ou que foram tratadas com doses maiores que 3,7 GBq de 131I (dose fixa mais comumente recomendada em nosso meio(9)). Também foram relevantes os casos em que a varredura foi limpa e com Tg estimulada < 5 ng/ml, que não receberam radioiodoterapia(1,35). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da instituição. Métodos de imagem Varredura diagnóstica foi realizada com dose traçadora de 5 mCi de 131I durante hipotireoidismo após suspensão de L-T4 por cinco semanas e administração de dieta pobre em iodo durante duas semanas precedendo o exame. Imagens anteriores e posteriores de corpo inteiro foram obtidas 72 horas após administração do iodo. Todos o pacientes foram mapeados ultilizando câmera gama de dupla cabeça. A sensibilidade de ambas as cabeças foi semelhante e em conformidade com as especificações da National Electrical Manufacturers Association (NEMA). Varreduras foram analisadas por três profissionais especializados em medicina nuclear. Outros métodos de imagem foram usados para confirmar as metástases aparentes na varredura: radiografia, ultra-som e tomografia computadorizada, além de confirmação histológica em casos selecionados e em todos os que foram operados. Dosagens laboratoriais Tg foi mensurada por ensaio radioimunométrico, com sensibilidade funcional de 0,8 ng/ml, precisão do intra-ensaio de 2,46,6% e interensaio de 5,18%, com valores de referência pelo fabricante de 342 ng/ml. Todos os pacientes mostraram níveis de TSH > 30 mIU/l após suspensão de L-T4 depois de quatro semanas. TgAc foi determinado por ensaio quimioluminescente, com limites de 1 IU/ml e precisão intra-ensaio e interensaio de 8,7 e 5,9%, respectivamente, com valores de 240 IU/ml.
RESULTADOS A varredura pré-terapia revelou captação cervical ectópica e/ou mediastinal sem lesões a distância em dez pacientes (10%), metástases distantes com ou sem acometimento de linfonodos em cinco (5%), captação apenas em leito tireoidiano em 76 (76%), e foi negativa em nove (9%). Dos pacientes com metástases cervicais e/ou mediastinais, sete puderam ser abordados cirurgicamente; dos casos com varredura limpa, seis apresentavam Tg em hipotireoidismo < 5 ng/ml, não necessitando da terapia ablativa; e todos com metástases distantes receberam a dose de 200 mCi e dois deles tiveram linfonodos metastáticos ressecados. Portanto, a varredura pré-dose influenciou a conduta terapêutica (cirurgia, aumento da dose ablativa ou não indicação da radioiodoterapia) em 18% dos pacientes. A captação em leito tireoidiano foi < 5% em 92% dos 76 casos. Os resultados e a conduta nos pacientes com metástases estão apresentados na Tabela 1.
Dos pacientes com metástases aparentes na varredura, 73,3% tinham Tg estimulada > 10 ng/ml, e naqueles com varredura sem metástases a Tg foi < 10 ng/ml em 83%. Separando os pacientes baseados na Tg, verificamos que naqueles com Tg > 10 ng/ml, que representaram apenas 22%, o resultado da varredura antes da terapia ablativa influenciou a conduta em 41% dos casos pela presença de metástases, e naqueles com Tg < 10 ng/ml em apenas 10%, na maioria por não receberem radioiodo.
DISCUSSÃO Este estudo confirma que, mesmo após a tireoidectomia total, a permanência de remanescentes tireoidianos é muito comum, com apenas 6% dos pacientes não apresentando restos aparentes na varredura e corroborado pela Tg estimulada baixa. Estima-se que de 5% a 10% dos pacientes com CDT submetidos à tireoidectomia total se enquandrem nesta situação(5) e poderiam ser dispensados da radioiodoterapia(1,35). Verificamos, ainda, que metástases linfonodais em pacientes com carcinoma papilífero podem não ser completamente retiradas na cirurgia inicial, sendo a investigação pós-operatória necessária(10), considerando que a reabordagem cirúrgica é o recomendado para estes casos(1). Apesar da varredura pré-dose ser recomendada por muitos autores(14), algumas críticas são feitas quanto à sua realização rotineira(1,7,8). A possibilidade de comprometer a captação da dose ablativa (efeito "stunning") é considerada uma limitação(1). Mas, considerando que a real ocorrência e impacto clínico deste fenômeno não está definido(11) e que pode ser evitado com uma dose traçadora de 2 mCi(12) ou administrando-se a terapia em até 72 horas(13,14), não acreditamos que esta seja uma razão convincente para a não realização da varredura pré-dose. Por metástases serem incomuns após a tireoidectomia total e ressecção de linfonodos acometidos, o alvo principal da terapia ablativa são os pacientes com remanescentes tireoidianos, para os quais doses de 131I > 75 mCi são eficazes(2). Assim, é previsível que protocolos com altas doses fixas de radioiodo sem varredura pré-terapia resultem em elevada eficácia(7). No entanto, se a varredura é realizada, um pequeno grupo de pacientes pode ser dispensando do radioiodo por apresentar varredura limpa e Tg estimulada baixa(1,35), 6% nesta série. Em nosso serviço adotamos o uso de altas doses de 131I para ablação de remanescentes, uma tendência na maioria dos centros em nosso país(9), mas se aceitarmos que a dose de 30 mCi pode ser administrada em pacientes com baixa captação em leito tireoidiano, uma vez que a eficácia nestes casos é bem estabelecida em diversas séries(6,1523), a maioria dos pacientes sem metástases poderia ser tratada com baixas doses, em regime ambulatorial. Em nosso estudo, 92% dos pacientes com remanescentes tireoidianos apenas tinham captação < 5%. Assim, em serviços que consideram o uso da dose de 30 mCi para pacientes com baixa captação cervical, a varredura pré-dose poderia dispensar a maioria dos pacientes da internação e do uso de doses maiores de 131I, sendo, portanto, indicada de rotina. A contribuição mais relevante da varredura em centros que empregam altas doses de 131I, independente da captação em leito tireoidiano, é detectar pacientes com metástases, que poderiam ser ressecadas antes da ablação ou serem tratados já na primeira terapia com doses maiores de 131I(1,2). Pela baixa frequência destas após a tireoidectomia total, concluímos que esta contribuição é incomum em pacientes não selecionados, 12% nesta publicação. Mas quando analisamos um grupo com maior probabilidade de doença metastática (Tg > 10 ng/ml)(1,3,4), ela passa a ser relevante (41% neste estudo). Concluímos que a varredura pré-terapia ainda tenha um papel importante, sendo recomendada em pacientes com maior probabilidade de apresentar metastáses (Tg > 10 ng/ml), em centros que empregam altas doses para ablação de remanescentes, independente da captação cervical. Nos serviços que admitem o uso da dose de 30 mCi para pacientes com baixa captação, a varredura pode dispensar a imensa maioria dos casos da internação e deve ser realizada rotineiramente.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 30/7/2004. Aceito, após revisão, em 9/12/2004.
* Trabalho realizado na Clínica de Endocrinologia e no Serviço de Medicina Nuclear da Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG. |