RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Gustavo Federico Jauregui, Ricardo Andrade Fernandes de Mello, Márcia Heizer, Carolina Benvegnu Nahime, Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos |
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Descritores: Linfoma adrenal, Metástases no sistema nervoso central, Tomografia computadorizada, Ressonância magnética |
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Resumo: IIIMembro Titular do CBR, Pós-graduado pelo IPGMCC, Mestre em Radiologia pela UFRJ
INTRODUÇÃO O linfoma adrenal primário (LAP) é uma doença extremamente rara que, com freqüência, apresenta envolvimento de outra região, geralmente um sítio extranodal, podendo ser este o sistema nervoso central (SNC)(1). É bilateral em cerca de um terço dos casos e acredita-se que derive das células hematopoiéticas da adrenal. O tipo mais comum é o não-Hodgkin de células B(2,3). O envolvimento do SNC é mais comumente visto com os subtipos mais malignos. O acometimento leptomeníngeo, a forma mais freqüente, é de aproximadamente 30%. As lesões parenquimatosas cerebrais são raramente encontradas quando do início dos sintomas neurológicos(4). Neste trabalho é apresentado um caso de LAP bilateral com envolvimento do SNC, em que se discutem os principais achados da tomografia computadorizada (TC) e da ressonância magnética (RM) e se faz uma revisão da literatura.
RELATO DO CASO Paciente de 72 anos de idade, sexo masculino, branco, natural de Niterói, RJ, internado no Hospital Santa Cruz Beneficência Portuguesa de Niterói, com quadro de progressiva deterioração do estado mental, evoluindo, num período de dois meses, com perda da memória recente, obnubilação, desorientação e, finalmente, franco quadro demencial. Paciente diabético tipo 2, sem tratamento regular. Etilista social. História pregressa negativa para tabagismo e uso de drogas ilícitas. Ao exame físico apresentava-se alerta, desorientado e não cooperativo. Rigidez de nuca terminal, pupilas isocóricas e reagentes. Nistagmo grosseiro em todas as direções. Fundo de olho sem papiledema. O paciente realizou TC do crânio sem contraste venoso (Figura 1) em 31/5/2002, em que se evidenciaram tênues áreas levemente hiperdensas adjacentes aos ventrículos laterais, sendo uma de configuração nodular (1,0 cm), na topografia do corno anterior do ventrículo lateral direito. Aventou-se a hipótese de implantes ependimários secundários. A pesquisa do provável sítio primário incluiu realização de TC de tórax e abdome (11/6/2002) com contraste venoso. A TC do tórax foi normal e a do abdome demonstrou massas adrenais lobuladas bilaterais com densidade de 43 UH nos cortes sem contraste venoso e 81 UH na fase contrastada (Figura 2).
Também foi realizada RM do crânio (15/6/2002), que apresentou, após administração de contraste venoso, impregnação difusa e nodular do epêndima do III e IV ventrículos, cornos anteriores, cornos temporais, átrios e corpo dos ventrículos laterais (Figuras 3, 4 e 5).
Uma primeira avaliação do líquido cefalorraquiano (LCR), feita em 20/6/2002, apresentou, nas pesquisas bacterioscópica, imunológica e cultura, resultados negativos para patógenos específicos. Ao exame do sedimento não foram observadas células neoplásicas. O paciente foi submetido a biópsia da adrenal (2/7/2002), cujo resultado do estudo imuno-histoquímico revelou o diagnóstico de linfoma não-Hodgkin de grandes células B difuso. Posterior exame do LCR (5/7/2002) mostrou células atípicas sugestivas de malignidade, corroborando a hipótese de envolvimento secundário do SNC. A partir deste momento firmou-se o diagnóstico de LAP bilateral com envolvimento secundário do SNC, optando-se pelo tratamento quimioterápico.
DISCUSSÃO O linfoma da glândula adrenal é geralmente secundário e assintomático, sendo encontrado em cerca de 1% a 4% dos pacientes com linfoma. O acometimento primário da adrenal por linfoma é incomum. Geralmente, o envolvimento adrenal é acompanhado de doença em um sítio extra-adrenal(3,5,6). Na TC, linfomas adrenais são vistos como grandes massas com densidade de partes moles (4060 UH), que podem ou não alterar a forma da glândula. Impregnação leve a moderada pode ser observada após administração intravenosa do meio de contraste. As lesões podem apresentar-se homogêneas, porém são freqüentemente heterogêneas, com áreas de baixa atenuação(1). Às vezes, o padrão de crescimento pode sugerir linfoma, já que neste caso é mais provável haver infiltração do pólo superior do rim do que deslocamento do mesmo, o que seria típico do carcinoma. Hemorragia e calcificação também podem ser encontradas, especialmente após quimioterapia(6,7). Na RM, os linfomas adrenais são indistinguíveis de outras doenças malignas. Apresentam-se como massas heterogêneas, com baixo sinal nas imagens ponderadas em T1 (menos intenso que o fígado normal, porém mais intenso que o músculo) e mais intenso do que a gordura nas imagens ponderadas em T2(2,8,9). O envolvimento do SNC ocorre em cerca de 10% a 15% dos pacientes com linfoma não-Hodgkin em algum momento no curso da doença(7). O linfoma secundário pode ser distinguido da forma primária pela sua propensão em acometer os espaços extracerebrais (epidural, subdural e subaracnóide) e os espaços subaracnóide e epidural espinhais. Seu diagnóstico representa menor desafio porque estamos investigando pacientes com linfoma sistêmico que passam a apresentar sintomas neurológicos, pressupondo a existência de doença no SNC. O exame citológico do LCR é geralmente diagnóstico, podendo-se, em alguns casos, realizar biópsia da meninge ou da massa propriamente dita. A infiltração das leptomeninges é a forma mais comum de acometimento do SNC, preferencialmente na periferia do encéfalo ou adjacente aos ventrículos. O envolvimento do encéfalo ou do parênquima é menos freqüente. As lesões parenquimatosas são raramente encontradas no início dos sintomas neurológicos. Com a progressão das doenças sistêmica e do SNC as lesões parenquimatosas se desenvolvem por disseminação hematogênica ou por crescimento contínuo dos depósitos leptomeníngeos(2,3,5,8,9). A RM é ideal para a detecção dos depósitos tumorais extracerebrais "em placas" nos espaços subdural ou epidural. Tipicamente, estas placas são hipo a isointensas em todas as seqüências de pulso, mas tornam-se mais evidentes nas imagens ponderadas em T1 com administração venosa de contraste paramagnético(4,10). A TC é menos sensível, não só na detecção destas lesões extracerebrais, mas também na demonstração de depósitos leptomeníngeos envolvendo os nervos cranianos, particularmente quando resultam em paralisias destes(3,8,11). Através deste caso estamos ressaltando que o linfoma adrenal primário é raro, com apenas 24 casos relatados na literatura (a maioria linfoma não-Hodgkin), e destes, 17 apresentaram acometimento bilateral das adrenais(12). Portanto, este é o 18º caso relatado na literatura, de LAP bilateral.
CONCLUSÃO A TC e a RM são métodos essenciais e por vezes complementares, entre si, na detecção e melhor avaliação de LAP com envolvimento do SNC. A RM mostra-se mais sensível, tanto para a detecção das lesões extracerebrais nos espaços epidural e subdural quanto para as lesões parenquimatosas, principalmente após a administração venosa de gadolínio.
REFERÊNCIAS 1.Hahn JS, Choi HS, Suh CO, Lee WJ. A case of primary bilateral adrenal lymphoma (PAL) with central nervous system (CNS) involvement. Yonsei Med J 2002;43:38590. [ ] 2.Haaga JR, Lanzieri CF, Sartoris DJ, Zerhouni EA. Computed tomography and magnetic resonance imaging of the whole body. 3rd ed. St. Louis: Mosby-Year Book, 1994:2024. [ ] 3.Lopez Hernandez E, Piedrola Maroto G, Gonzalez Albarran O, Palacios Garcia N, Canizares Macias A, Lopez Velasco R. Primary adrenal lymphoma: review and report of a case. An Med Interna 1997; 14:768. [ ] 4.Levaltier X, Troussard X, Fournier L, et al. Primary adrenal lymphoma. Report of a case. Presse Med 1994;23:3724, 379. [ ] 5.Kenney PJ, Lee JKT. Adrenais. In: Lee JKT, Sagel SS, Stanley RJ, Heiken JP, eds. Tomografia computadorizada do corpo em correlação com ressonância magnética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001:104579. [ ] 6.Berman CG, Brodsky NJ, Clark RA. Oncologic imaging: a clinical perspective. 1st ed. New York: McGraw-Hill, 1998:478. [ ] 7.Husband JES, Reznek RH. Imaging in oncology. 2nd ed. London: Taylor & Francis, 2004. [ ] 8.Atlas SW, Lavi E. Intra-axial brain tumors. In: Atlas SW, ed. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1996:40715. [ ] 9.Dhote R, Tudoret L, Legmann P, Bachmeyer C, Christoforov B. Primary bilateral adrenal lymphoma as viewed by MRI. Apropos of a case. J Radiol 1997;78:299302. [ ] 10.Tazi K, Achour A, Koutani A, Ibn Attya A, Hachimi M, Lakrissa A. Primary non-Hodgkin's malignant lymphoma of the adrenal gland. Case report and review of the literature. Prog Urol 1999;9:11025. [ ] 11.Baert AL, Heuck FHW, Youker JE. Interventional procedures. In: Terrier F, Grossholz M, Becker CD, eds. Spiral CT of the abdomen. 1st ed. Berlin: Springer-Verlag, 2000:5024. [ ] 12.Baroni RH, Angare CG, Szejnfeld J. Retroperitônio e adrenais. In: Cerri GG, Oliveira IRS. Ultra-sonografia abdominal. Rio de Janeiro: Revinter, 2002:45489. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 27/5/2003. Aceito, após revisão, em 13/8/2004.
* Trabalho realizado no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC) e no Hospital Santa Cruz/Beneficência Portuguesa de Niterói, Niterói, RJ. |