ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Fabrizio Ney-Oliveira, Annibal Muniz Silvany Neto, Marcelo Benício dos Santos, José Tavares-Neto |
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Descritores: Radiografia do tórax, Exame clínico, Acurácia, Eficiência |
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Resumo: IIIProfessor Titular de Radiologia do Departamento de Apoio Diagnóstico e Terapêutico da Faculdade de Medicina da UFBA, Chefe do Serviço de Radiologia do HUPES
INTRODUÇÃO A radiografia do tórax, por ser um exame útil, pouco invasivo e de baixo custo, continua sendo um dos mais solicitados (30% a 50% das radiografias)(1), mesmo após o grande avanço tecnológico que se verificou na área de diagnóstico por imagem. Também por sua versatilidade, a radiografia de tórax tende a ser requisitada em excesso e, muitas vezes, as solicitações são provenientes de atendimentos médicos de qualidade insatisfatória, nos quais os médicos não valorizam a relação médico-paciente e/ou a história clínica adequada(2). Em estudo realizado num hospital universitário(3), foi encontrada freqüência relativamente baixa (30,2%) de radiografias de tórax com anormalidades clinicamente significantes, achado este que, comparado com a qualidade da história clínica colhida pelo requisitante e a boa condução clínica, estava associado ao aumento da freqüência de radiografias com achados anormais. Também em estudo realizado na Inglaterra(4) evidenciou-se apenas 23% das radiografias torácicas com achados anormais. Em outro estudo(5), os resultados enfatizaram a importância da obtenção da história clínica e exame físico antes da execução do procedimento radiológico; da mesma forma o conhecimento da história clínica melhora a acurácia do diagnóstico radiológico quando realizado por radiologistas de diversos níveis de conhecimento e experiência(6). Em outros trabalhos tem-se avaliado o uso rotineiro da radiografia de tórax como exame na avaliação pré-operatória(7,8) , pós-operatório de cirurgia cardíaca(9), diagnóstico de tuberculose(1012) e detecção precoce de câncer de pulmão(13,14), mas muitos destes têm mostrado o uso sem critérios e/ou excessivo da radiografia torácica(3,4,7,8,10,12,15) , particularmente em pacientes jovens e aparentemente sadios, nos quais a radiografia pré-operatória foi tida como desnecessária(15). Diante do exposto, é necessário rever alguns critérios que o médico ou estudante de medicina considera no momento de solicitar a radiografia de tórax. O objetivo deste estudo foi avaliar se a qualidade do exame clínico está associada à correta indicação da radiografia do tórax, considerando-se o exame físico como um dos instrumentos diagnósticos mais importantes à disposição do médico como critério para definir a necessidade da solicitação da radiografia do tórax.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo de corte transversal foi realizado no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no período de março a junho de 2002. Foram incluídos neste estudo somente pacientes que iriam realizar radiografia torácica, requisitada após atendimento médico nos ambulatórios do HUPES, sendo excluídos aqueles procedentes de outras unidades de saúde ou de unidades de internação do HUPES. Os pacientes incluídos foram entrevistados, antes ou logo após o procedimento radiológico, com a aplicação de questionário dirigido (e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo paciente ou responsável legal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HUPES). Os resultados dos laudos radiológicos (incidência póstero-anterior, com ou sem incidências laterais), fornecidos por médicos radiologistas do Serviço de Radiologia do HUPES, foram posteriormente registrados na ficha de coleta. Esses radiologistas desconheciam os dados registrados na ficha clínico-epidemiológica, e os laudos radiológicos só foram conhecidos e registrados na ficha de pesquisa em agosto de 2002, ou seja, após efetuada a coleta da amostra, para evitar-se que o conhecimento prévio dos laudos radiológicos pudesse influenciar o estudo. Um escore clínico foi construído com base em dados de exame físico, por ocasião do atendimento médico, e conforme informações do paciente. Para construção do escore clínico, foram perguntados ao paciente os procedimentos do médico, sobre: 1) a aferição da tensão arterial; 2) ausculta cardíaca; 3) ausculta pulmonar; 4) palpação do abdome; 5) após mostrar o estetoscópio e o tensiômetro, se tais aparelhos foram usados durante o exame físico. Desse modo, o escore clínico poderia variar de 0 a 5 pontos, sendo o escore zero atribuído à consulta médica sem aparente investigação clínica e o 5 àquela na qual o exame físico foi supostamente mais adequado. Os resultados da radiografia de tórax foram classificadas em: a) normal; b) anormal por alterações residuais (presença de alterações sem grande significado clínico, não relacionadas ao quadro clínico apresentado pelo paciente ou que não ofereciam risco imediato para este; por exemplo: nódulos calcificados, lesões residuais, espondilartrose dorsal, etc.); c) anormal (presença de alteração clinicamente significante, relacionada com o quadro clínico do paciente ou em atividade e trazendo risco imediato para este; por exemplo: infecção respiratória baixa, cardiomegalia, etc.). Além dessas variáveis foram coletadas informações sobre o ambulatório de origem; se o paciente sabia o nome do médico (ou do estudante de medicina); se o paciente apresentava algum tipo de queixa ou sintoma; finalidade da consulta ambulatorial; e se estava sendo submetido a algum tipo de tratamento. Os resultados foram analisados por testes paramétricos e não-paramétricos, segundo indicação e/ou tipo de variável. No primeiro momento da análise estatística, foram realizadas análises univariadas, nas quais as variáveis contínuas foram descritas pela média (± desvio-padrão) e comparadas pelo teste de Mann-Whitney ou pelo teste t. As variáveis categóricas, expressas como proporção, foram avaliadas pelo teste do qui-quadrado (com ou sem correção de Yates) ou teste exato de Fisher. Na análise de regressão logística múltipla, realizada no segundo momento, seguiram-se os procedimentos recomendados por Rosmer e Lemeshow(16). Os dados foram analisados usando o programa estatístico SPSS (versão 9.0 "for Windows") e os resultados considerados significantes tinham probabilidade (p) do erro a (I) menor que ou igual a 5% (p < 0,05). Para transformar as razões de chances ("odds ratio") em razões de prevalências (RP) com seus respectivos intervalos de confiança, utilizou-se o método delta(17) (programa utilizando-se o módulo matricial "Interactive Matrix Language IML" do SAS(18)).
RESULTADOS Foram estudados 153 pacientes, mas com a perda de 7,2% (n = 11) da amostra devido a dados incompletos (n = 2) ou extravio (n = 9) das películas radiográficas pelos pacientes, o que impossibilitou a expedição dos laudos. Na amostra estudada (n = 142), a proporção foi de 42,3% (n = 60) do sexo masculino e 57,7% (n = 82) do sexo feminino, sendo as médias de idade, respectivamente, de 49,2 (± 18,8) e 49,7 (± 15,2) anos. O escore clínico registrou média de 3,1 (± 2,1) e sua distribuição consta na Tabela 1, sendo 23,9% (34/142) com o escore zero. Dos 142 pacientes incluídos neste estudo, 50 (35,2%) referiram que a tensão arterial não foi aferida, também 50 (35,2%) não tiveram o tórax auscultado e de quase a metade (47,2%; n = 67) o abdome não foi examinado. As pessoas incluídas no estudo não identificaram 45,8% (n = 65) os médicos ou estudantes de medicina responsáveis por sua consulta. Também na Tabela 1, os escores clínicos foram distribuídos conforme o grupo de origem do ambulatório, a finalidade da solicitação do exame radiológico, a queixa apresentada pelo paciente no momento da consulta e o resultado do laudo radiológico. Os ambulatórios das clínicas cárdio-pneumológica e médica tiveram as pessoas com maiores freqüências de escores mais elevados, em comparação àqueles procedentes dos ambulatórios de clínica cirúrgica (c² = 61,82; p < 0,0001). Enquanto os pacientes da clínica cárdio-pneumológica (65,4%; n = 34) e da clínica médica (54,8%; n = 23) apresentaram a maior freqüência do escore clínico 5, o mesmo escore só foi observado em 10,4% (n = 5) dos pacientes da clínica cirúrgica. Quanto à finalidade do exame radiológico, as solicitações de exames pré-operatórios tiveram os piores escores, se comparados aos das demais finalidades (c² = 42,7; p < 0,0001). Por sua vez, se a finalidade do exame radiológico foi a "avaliação" ou "acompanhamento clínico de alguma afecção", as freqüências do escore 5 foram, respectivamente, de 56,6% (47/83) e 66,7% (8/12), contrastando com a finalidade pré-operatória, na qual foi observada a freqüência de apenas 14,9% (n = 7). Quando a queixa clínica apresentada pelo paciente era associada ao sistema cardiorrespiratório, os escores clínicos foram significativamente maiores (c² = 4,86; p < 0,03). Os resultados dos laudos radiológicos tiveram a seguinte classificação: 69 (48,6%) normais; sete (4,9%) apresentando alterações residuais e 66 (46,5%) com alterações em atividade (anormais). Para efeito de análise, as radiografias normais e com alterações residuais foram incluídas no mesmo grupo, sendo a freqüência (n/total) de 53,5% (76/142). Ao se analisar (Tabela 2) quais as queixas que os pacientes referiam ser a causa da procura de atendimento médico, em relação ao resultado do laudo das radiografias torácicas, foram obtidas as seguintes freqüências: pacientes com queixas cardiorrespiratórias tiveram mais (c² = 10,18; p < 0,007) radiografias anormais (61,3%) em comparação aos do grupo com "outros tipos de queixas" (37,3%) ou entre os pacientes assintomáticos (28,6%). Ainda na Tabela 2, quando avaliada a influência da idade no grupo de pacientes com queixas cardiorrespiratórias sobre a presença de alterações no laudo radiológico, observou-se maior (c² = 7,31; p < 0,007) freqüência de achados anormais no grupo de pacientes com idade igual ou acima de 50 anos (76,5%), contra 42,9% naqueles com idade inferior a 50 anos.
Os pacientes com alguma alteração em atividade na radiografia tiveram média das idades (56,3 ± 15,7 anos) significantemente maior (t = 4,82; p < 0,0001) que os do grupo normal/residual (43,7 ± 15,5 anos). Como também mostra a Tabela 3, enquanto os pacientes da faixa etária de 16 a 25 anos apresentaram 26,7% (4/15) de radiografias com achados anormais, os de 61 ou mais anos apresentaram 70,5% (31/44). Os dois grupos de pacientes radiografia normal/residual versus alteração em atividade tiveram médias do escore clínico, respectivamente, de 2,76 (± 2,21) e 3,45 (± 1,98), sendo a diferença significante (U = 2007,5; p < 0,04). O aumento do escore clínico foi proporcional ao aumento da freqüência de anormalidades na radiografia de tórax (c² = 8,91; g.l. = 3; p < 0,04), conforme as classes intervalares mostradas na Tabela 1. Ainda na Tabela 3, não houve diferença significativa ao analisar a associação de anormalidades radiográficas com o sexo do paciente (c² = 0,14; p > 0,70). Na mesma Tabela 3, os pacientes, conforme o grupo de ambulatório, diferiram (c² = 14,23; p < 0,0001) em relação à presença de achados anormais nos laudos radiográficos; os pacientes dos ambulatórios da clínica médica ou da clínica cardio-pneumológica tiveram maiores freqüências de achados anormais que os da clínica cirúrgica, de 52,4% (22/42), 61,5% (32/52) e 25,0% (12/48), respectivamente. Diferiram, também, em relação ao motivo da solicitação da radiografia de tórax (Tabela 4); os médicos dos ambulatórios da clínica cárdio-pneumológica e da clínica médica solicitaram mais (c² = 92,4; p < 0,0001) radiografias com o objetivo de "avaliação clínica" (83,0%) do que os dos ambulatórios da clínica cirúrgica (10,4%), entre os quais as solicitações foram mais concentradas na finalidade "pré-operatória" (89,6%). Na Tabela 5 é mostrada a associação entre esses grupos de ambulatórios e a idade dos pacientes em relação à presença de anormalidades nas radiografias torácicas. Pacientes atendidos nos ambulatórios de clínica cárdio-pneumológica e clínica médica e que tinham idade igual ou superior a 50 anos apresentaram maiores freqüências (c² = 12,9; p < 0,0001) de anormalidades (73,6%) em suas radiografias, resultado não encontrado naqueles atendidos no grupo de clínica cirúrgica (38,1%).
Houve associação (c² = 12,04; p < 0,003) entre a presença de alterações significantes na radiografia com a finalidade da sua solicitação (Tabela 3). A finalidade de "acompanhamento de alguma doença" teve freqüência de 75,0% (9/12) de radiografias anormais, a de "avaliação clínica" foi de 53,0% (44/83), e pré-operatório de 27,7% (13/47). Cinqüenta por cento (n = 71) dos pacientes mencionaram estar no curso de algum tipo de tratamento referente à sua doença atual, e o fato de estarem em tratamento mostrou-se associado (c² = 13,70; p < 0,0001) à presença de alterações em atividade nas radiografias de tórax, porque apresentaram maiores (62,0%; 44/71) freqüências de anormalidades em suas radiografias em comparação àqueles (31,0%; 22/71) que não vinham em uso de nenhum tratamento. Ao comparar os grupos de ambulatórios de origem dos pacientes, o de clínica cárdio-pneumológica apresentou maior (c² = 19,8; p < 0,0001) freqüência de pacientes no curso de algum tratamento, de 53,5% (38/71) e os de clínica médica e clínica cirúrgica, respectivamente, 26,8% (19/71) e 19,7% (14/71). Dentre os atendidos no grupo de clínica cárdio-pneumológica, 73,1% (38/52) dos pacientes se encontravam em tratamento. Após essas análises, foi realizada análise de regressão logística múltipla, sendo a variável dependente o tipo do laudo radiológico (0 = normal/residual; 1 = alteração em atividade). Foram dicotomizadas as variáveis independentes, como segue: escore clínico (0 de 0 até 2; 1 de 3 até 5); idade (0 se < 50 anos; 1 se > 50 anos); ambulatório (0 clínica cirúrgica; 1 clínica cárdio-pneumológica/clínica médica); motivo ou finalidade do exame radiológico (0 pré-operatório; 1 acompanhamento/avaliação clínica) e queixa do paciente (0 assintomático; 1 cardiorrespiratórias/outos tipos). Na primeira etapa, aquelas variáveis independentes (Tabelas 1 e 2) que tiveram associação (p < 0,15) com a variável dependente na análise univariada foram, uma por uma, testadas através da análise de regressão logística univariada, sendo todas pré-selecionadas. Após isso, na segunda etapa da regressão, ajustou-se o modelo com todas as variáveis previamente selecionadas, e aquelas sem significância estatística (p > 0,05) foram excluídas do modelo final (escore clínico; motivo do exame e queixa do paciente). Um termo de interação (ambulatório versus tratamento) foi pré-selecionado na terceira etapa, porém, mesmo sendo considerado clínico e epidemiologicamente plausível, não obteve associação significante na modelagem final da regressão logística (quarta etapa). Segundo o teste de qualidade do ajuste de Hosmer e Lemeshow(16), o modelo apresentou bom ajuste (c² = 3,53; g.l. = 6; p = 0,74). A análise dos resíduos e das medidas de influência encontradas revelou a existência de três casos anômalos (que não se ajustaram bem ao modelo) que foram previamente excluídos das análises acima, restando assim um total de 139 casos. A Tabela 6 mostra as variáveis com significância estatística (p < 0,05) no modelo final de regressão: pacientes com idade maior ou igual a 50 anos tiveram prevalência (P) 2,8 vezes maior de apresentar anormalidades em suas radiografias torácicas; de 2,7 (P) vezes maior em pacientes atendidos em ambulatórios especializados em afecções clínicas e/ou cardio-pneumológicas; e de 2,0 (P) vezes maior se o paciente estava no curso de algum tratamento referente à sua doença atual.
DISCUSSÃO O alto custo da assistência médica e a consciência dos riscos de exposição à radiação ionizante têm suscitado o interesse à restrição ao uso equivocado e/ou desnecessário de exames radiográficos. Vários estudos(315) têm avaliado as indicações de radiografias do tórax em diversas situações, entre as quais destacam-se os exames pré-operatórios, exames de rotina para pacientes assintomáticos, idosos, gestantes ou para detecção de imagens sugestivas de tuberculose ou de câncer de pulmão. Em geral estes estudos não revelam justificativa para a continuidade da prática (ainda bastante usual e largamente difundida) de solicitar a radiografia de tórax como exame de rotina. Este trabalho avaliou a contribuição da qualidade do exame clínico, assim como o ambulatório de origem do paciente, sua idade, a queixa principal, a finalidade da solicitação ou se o paciente estava no curso de algum tratamento da sua doença atual, sobre a requisição acertada da radiografia de tórax. Só foram encontradas associações entre a presença de anormalidades clinicamente significantes nas radiografias torácicas e a idade, o ambulatório de origem a utilização de algum tratamento. A freqüência de anormalidades clinicamente significantes nas radiografias torácicas foi relativamente baixa (46,5%), mesmo ao comparar com estudo semelhante, realizado também no Serviço de Radiologia do HUPES(3), no qual se encontraram apenas 30,2% de radiografias com achados anormais. Em outro trabalho, realizado na Inglaterra(6), essa porcentagem foi ainda menor (23%). Ainda que estes resultados revelem diferenças entre eficiências das requisições das radiografias torácicas e/ou características das pessoas estudadas, estes não se relacionam à adequação das solicitações de um ou de outro serviço, mas evidenciam que muitas solicitações desnecessárias precisam ser reduzidas e que algum(ns) critério(s) deve(m) ser priorizado(s) para a redução do número de exames desnecessários e/ou inadequados. Outro dado interessante refere-se à idade dos pacientes. Como parece plausível e à semelhança de outros estudos(3,4), a média das idades foi significantemente maior no grupo de pacientes com alterações radiográficas em atividade, como também a freqüência de anormalidades aumentaram proporcionalmente à idade do paciente. Em um dos estudos(4) a presença de sintomas cardiorrespiratórios e a idade acima de 40 anos foram consideradas indicadores para o pedido da radiografia torácica. O nosso estudo encontrou resultados semelhantes; pacientes com 50 ou mais anos de idade apresentaram maior prevalência de anormalidades nas suas radiografias de tórax, sugerindo que a idade pode ser considerada como um dos critérios relevantes no momento da requisição da radiografia torácica. Em relação ao grupo de ambulatórios de origem dos pacientes, aqueles provenientes dos ambulatórios das clínicas cárdio-pneumológica e médica tiveram maior prevalência em apresentar anormalidades nas radiografias de tórax quando comparados ao grupo das clínicas cirúrgicas. Este fato pode ser explicado como decorrência da qualidade insatisfatória dos atendimentos médicos no grupo de ambulatórios das clínicas cirúrgicas, uma vez que nestes foram verificados os piores escores clínicos. Outra explicação poderia ser a maior falta de experiência dos requisitantes daquele grupo de ambulatórios, repercutindo sobre os critérios do pedido do exame radiológico. Outra hipótese seria a elevada freqüência de solicitações de exames pré-operatórios pelas clínicas cirúrgicas e, conseqüentemente, aumento do número de exames normais ou desnecessários. Ainda uma outra possibilidade para justificar a razão daqueles achados seria a melhor formação básica em clínica médica dos requisitantes dos grupos de ambulatórios das clínicas cardio-pneumológica e médica ou o suposto maior conhecimento em afecções intratorácicas. Uma quinta hipótese poderia ser a melhor qualidade do atendimento médico, refletido em melhores escores clínicos dos grupos das clínicas cárdio-pneumológica e médica, possibilitando o uso mais criterioso da radiografia de tórax. Não obstante, esses dados também revelam a necessidade de mais estudos para avaliar quais os motivos ou as principais causas das solicitações desnecessárias de exames radiológicos, mesmo após diversos trabalhos(79,15) desencorajarem a utilização de radiografia como exame pré-operatório ou como exame de rotina. Apesar da validade dessas recomendações, as pessoas com idade igual ou superior a 40(4) ou 50 anos, como o limite no presente trabalho, devem ser examinadas com maior cuidado e, se houver indicação baseada em critérios clínicos e/ou epidemiológicos, cabe ao médico requisitar a radiografia de tórax (uma vez que nessas faixas etárias são mais freqüentes as doenças cardíacas, respiratórias e neoplásicas). Pacientes que estavam no curso de algum tipo de tratamento também tiveram maior prevalência de anormalidades clinicamente significantes nos laudos radiológicos, sugerindo que o médico (principalmente de ambulatórios das clínicas cárdio-pneumológicas), ao instituir o tratamento tinha maior convicção sobre a solicitação da radiografia torácica e, ao mesmo tempo, suspeitou tratar-se de afecção intratorácica. Essa especulação é limitada porque os pacientes são provenientes de ambulatórios especializados de unidade de saúde terciária, e muitos, provavelmente, requerendo algum tratamento que justificava a solicitação de radiografia de tórax para o acompanhamento clínico. Talvez também por essas características dos pacientes incluídos no estudo, a variável que avaliou a realização do exame físico (escore clínico), como esperado, não predisse as alterações nas radiografias de tórax. Ainda que possíveis falhas metodológicas possam explicar a exclusão do escore clínico do modelo construído na regressão logística, outras explicações também podem ser plausíveis. A primeira delas seria a falta de associação entre a realização do exame (o que foi pesquisado) e a qualidade (não investigada) do exame. Benacerraf et al.(5) demonstraram a importância da realização do exame físico e do conhecimento da história clínica antes de solicitar a radiografia de tórax, ou mostraram que pacientes com achados anormais no exame físico, juntamente em sua história clínica, apresentaram maiores freqüências de alterações nas radiografias. Como já referido, no presente estudo não foi avaliado se o exame físico fora normal ou anormal ou de qualidade satisfatória, mas se realizado ou não, ainda assim baseado na informação do paciente. Neste contexto, uma questão é relevante para explicar aquele resultado: qual seria a freqüência de anormalidades detectadas na radiografia de tórax, no grupo de pacientes adequada e comprovadamente examinados caso fosse solicitada a radiografia torácica? Obviamente, o exame físico é um forte instrumento que, juntamente com a história clínica, auxilia o médico na formulação das hipóteses diagnósticas, e quando é bem feito, a solicitação de radiografia torácica pode não ser prioridade ou ser dispensável naquele momento, mesmo porque informações de imagens anteriores podem dispensar nova requisição do exame. Dessa forma, estudos futuros precisam melhor avaliar quais os critérios usados no momento de se solicitar uma radiografia de tórax, mas tendo como grupo de comparação os pacientes igualmente avaliados e sem necessidade de pedido do mesmo exame. Além disso, exames radiológicos normais podem ser relevantes na avaliação clínica, sejam de pacientes procedentes de ambulatórios clínicos ou cirúrgicos, e, portanto, não necessariamente significando exames desnecessários. Todavia, é até provável que muitas solicitações de radiografia de tórax tenham sido meramente aleatórias ou sem critérios objetivos, e isto é de algum modo reforçado pelos resultados observados porque também não houve associação entre a finalidade da solicitação e a presença de alterações nos laudos radiológicos (ainda que a finalidade de acompanhamento de alguma doença deva pressupor o conhecimento do diagnóstico do paciente, assim como do quadro clínico e da sua evolução). Contudo, não só houve concordância com a literatura(3,15), como pareceu coerente (talvez por existir critério mais objetivo ou específico), entre a finalidade pré-operatória e a baixa freqüência de casos com anormalidades nas radiografias. A suposta aleatoriedade nos pedidos das radiografias de tórax, na amostra estudada, é também reforçada pelo não achado de associação entre o tipo de queixa do paciente e o resultado do exame radiológico, o que contraria Benacerraf et al.(5), pois esses autores mostraram que alguns sintomas (hemoptise, tosse, dispnéia e dor torácica) estão muito associados à presença de anormalidades nas radiografias de tórax, enquanto outras queixas (escarro purulento, palpitações ou história recente de trauma torácico) não tinham a mesma associação. No estudo de Ramos et al.(3), também realizado no HUPES, foi encontrada somente associação de radiografias com achados anormais e os sintomas associados ao sistema cardiovascular, sendo os demais sintomas (respiratórios, sistêmicos, abdominais e/ou infecciosos) sem a mesma associação. Em conclusão, mesmo com alguns resultados concordantes com a literatura, há fortes evidências que na amostra estudada, proveniente de hospital universitário, as solicitações de radiografia torácica não têm critérios definidos ou são influenciadas por parâmetros aleatórios. Neste contexto, além dos prejuízos econômicos e coletivos, podem vir a ser demonstrados conflitos deontológicos e bioéticos, os quais serão muito maiores se não houver medidas de intervenção nas práticas de ensino-aprendizado e do modelo de ensino médico praticado.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 8/12/2003. Aceito, após revisão, em 9/12/2004.
* Trabalho desenvolvido no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb); PET-Medicina. |