Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 38 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2005

ARTIGO DE REVISÃO
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Page(s) 141 to 150



Atresia do trato gastrintestinal: avaliação por métodos de imagem

Autho(rs): Sizenildo da Silva Figueirêdo, Luiza Helena Vilela Ribeiro, Bruno Barcelos da Nóbrega, Marlos Augusto Bittencourt Costa, Galba Leite Oliveira, Edward Esteves, Soraya Silveira Monteiro, Henrique Manoel Lederman

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Texto em Português English Text

Descritores: Atresia, Crianças, Pediatria, Imagem

Keywords: Atresia, Children, Pediatrics, Imaging

Resumo:
Um amplo espectro de anomalias congênitas pode afetar qualquer nível do trato gastrintestinal, do esôfago ao ânus. A atresia é uma importante causa de obstrução gastrintestinal, com alta taxa de morbidade em recém-natos. Há diversos mecanismos patológicos possíveis para explicar esta malformação e duas explicações clássicas de sua gênese são um defeito de recanalização do tubo intestinal ou uma interrupção no suprimento sanguíneo durante a vida intra-uterina. Os autores fazem uma revisão da literatura com ensaio iconográfico dos achados de imagem em crianças com atresia do trato gastrintestinal.

Abstract:
A wide spectrum of congenital anomalies may affect the gastrointestinal tract at any level from the esophagus to the anus. Atresia is an important cause of gastrointestinal obstruction with high morbidity rate in neonates. Different pathogenetic mechanisms could cause this malformation and the two classical explanations are: a defect of recanalization of the intestinal tube or an interruption of blood supply during intrauterine life. The authors present a literature review with an iconographic essay of imaging findings in children with gastrointestinal atresia.

IIIMédico Especializando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM
IVMédica Especializanda do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
VProfessor Assistente do Departamento de Cirurgia e Urologia Pediátrica da Universidade Federal de Goiás (UFG)
VIMédica Radiologista da Disciplina de Diagnóstico por Imagem em Pediatria do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM
VIIChefe da Disciplina de Diagnóstico por Imagem em Pediatria do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

O tubo digestivo primitivo consiste em duas partes: o intestino anterior, dentro da flexura cefálica e dorsal ao coração, e o intestino posterior, dentro da flexura caudal. Entre ambos encontra-se a larga abertura do saco vitelino, gradualmente estreitada e reduzida a um pequeno forame que conduz ao ducto vitelino. A princípio os intestinos anterior e posterior terminam em fundo cego. A extremidade cranial do intestino anterior está separada do estomódio pela membrana bucofaríngea e o intestino posterior termina na cloaca, fechada pela membrana cloacal(1).

Um trato alimentar completamente funcional em recém-natos corresponde a um complexo sistema orgânico que se desenvolve do tubo digestivo primitivo a partir de uma complicada, porém ordenada seqüência de eventos que se estende desde o período embrionário até o nascimento. Um completo entendimento sobre o desenvolvimento normal do trato gastrintestinal é útil na compreensão das suas anomalias congênitas(2).

Um amplo espectro de anomalias congênitas do trato gastrintestinal é causa significativa de morbidade no grupo pediátrico. Estas anormalidades incluem distúrbios obstrutivos completos ou parciais (atresia/estenose), anomalias de rotação e fixação, bem como duplicações e compressões extrínsecas. Entre as causas obstrutivas destacamos as atresias, cuja apresentação clínica é variável com a topografia acometida, a qual deve ser determinada principalmente em estudos por métodos de imagem.

Em neonatos saudáveis, o ar geralmente pode ser observado no estômago poucos minutos após o nascimento, e com três horas o intestino delgado comumente está repleto de gás. Após oito a nove horas, neonatos saudáveis apresentam gás no sigmóide. O diagnóstico de obstrução é baseado em interrupções desta disposição de gases(3). Deve-se enfatizar que retardo na passagem de gás pelo interior do intestino neonatal pode ser decorrente de parto traumático, septicemia, hipoglicemia ou dano encefálico(3).

As indicações para aplicação de cada modalidade de imagem e a ordem na qual serão realizadas devem ser cuidadosamente analisadas para evitar exames desnecessários(2). A radiografia é o mais valioso meio de determinar se obstruções estão presentes. Este método é freqüentemente diagnóstico e, caso não seja, poderá ser útil na determinação do próximo procedimento diagnóstico a ser utilizado(3).

Este artigo tem por finalidade descrever e ilustrar os achados de imagem presentes nos casos de atresias em vários níveis do trato gastrintestinal e discutir os principais aspectos referentes à sua embriogênese, quadro clínico e anomalias associadas.

 

ATRESIA ESOFÁGICA

Atresia esofágica com ou sem fístula traqueoesofágica é um complexo de anomalias congênitas caracterizadas pela formação incompleta do esôfago com ou sem comunicação anormal entre este e a traquéia(2). Ocorre com uma incidência de um caso entre 3.000 nascidos vivos(4) e é mais comum em brancos e no sexo masculino. Apresenta maior incidência em gêmeos e esta eleva-se com o aumento da idade materna e com a primiparidade. Também está freqüentemente associada a anomalias cromossômicas(5).

Acredita-se que seja uma anomalia da formação e da separação do intestino anterior primitivo em traquéia e esôfago(2). Durante a quarta ou quinta semana de desenvolvimento embriológico, estes órgãos constituem um tubo único que posteriormente divide-se em duas estruturas, devido à formação de um septo na parede do intestino primitivo(2,6). Uma falha na formação do esôfago tubular (vacuolização do estágio sólido) e/ou uma separação incompleta das porções do intestino anterior, neste período, resultam em atresia e/ou fístula traqueoesofágica(6,7).

Os sintomas estão relacionados ao tipo de atresia, que pode estar ou não associado a fístulas. Geralmente é suspeitada quando há poliidrâmnio, dificuldade em deglutir saliva e leite, aspiração durante as primeiras alimentações e falha na tentativa de passar a sonda gástrica(2). Nestes pacientes, a sonda pára tipicamente após a introdução de 10 a 12 cm, sendo que a distância normal até a região cárdica de uma criança normal é de aproximadamente 17 cm(6). Tosse e cianose (que se acentuam com a alimentação) podem estar presentes(6), bem como pneumonia por aspiração, especialmente nos lobos superiores(7).

Classicamente, o neonato com atresia esofagiana apresenta copiosa quantidade de bolhas de muco, esbranquiçadas e regulares na boca e às vezes nas narinas(6).

Se há fístula traqueoesofágica distal, ocorrerá distensão gasosa do abdome e este será escavado, se não houver fístula(6). A ausência de gás no abdome de um recém-nato com atresia esofagiana nem sempre descarta uma fístula distal e também pode decorrer de uma ou mais atresias no segmento distal ou um alto grau de estenose neste segmento(8,9). Nas fístulas em H, se o segmento comunicante é longo ou oblíquo, os sintomas respiratórios podem ser mínimos e esta condição pode não ser descoberta por muitos anos(6).

Existem inúmeras variações anatômicas da atresia de esôfago, sendo que até 1976 cerca de 96 subtipos já tinham sido descritos, e outros foram descritos desde então. Os principais tipos de atresia e suas freqüências são(2,6) (Figura 1):

Tipo A: atresia pura do esôfago, sem fístulas (8% a 10%);

Tipo B: atresia do esôfago com fístula entre o segmento esofágico proximal e a traquéia (0,9% a 1%);

Tipo C: atresia do esôfago com fístula entre a traquéia ou brônquio principal e o segmento distal do esôfago (53% a 84%);

Tipo D: atresia de esôfago com fístula entre a traquéia e tanto com o segmento proximal quanto com o distal do esôfago (2,1% a 3%);

Tipo E: fístula em "H" traqueoesofágica sem atresia do esôfago (4% a 10%).

 

 

Conforme citado, o tipo C é expressivamente mais freqüente(2,6) (Figura 2). O segmento proximal em fundo cego geralmente é hipertrofiado e dilatado, secundário aos esforços fetais para deglutir o líquido amniótico(6) e a fístula freqüentemente ocorre próximo à traquéia(6). A segunda mais comum é a atresia pura sem fístula traqueoesofágica (tipo A), cujo segmento distal remanescente é usualmente subdesenvolvido(6) (Figuras 3 e 4).

 

 

 

 

 

 

À ecografia pré-natal, a atresia esofagiana pode ser sugerida pela presença de uma combinação de poliidrâmnio, reduzida quantidade de líquido intraluminal no intestino fetal e não visualização do estômago(2,6,10,11). Uma bolsa proximal distendida do esôfago atrésico pode ser visível(7).

O diagnóstico radiológico é baseado nos achados de radiografias de tórax em incidências frontais e em perfil, que revelam a extremidade proximal do esôfago em fundo cego distendida com ar(2). A avaliação radiográfica deve sempre incluir o abdome para comprovar a presença ou não de ar no trato gastrintestinal (indício de fístula distal)(2,6).

Nos tipos A e B há completa ausência de gás no estômago e no restante do trato gastrintestinal; entretanto, nos tipos C e D, estes comumente aparecem distendidos com ar. Podem ser confirmados pela introdução de um cateter com contraste radiopaco até o nível da atresia. A sonda vai se curvar ao chegar no fundo cego(2).

Estudos contrastados raramente são necessários para confirmar o diagnóstico(6), porém, quando se suspeita do tipo E (fístula na forma H, sem atresia), a investigação radiológica é direcionada para a demonstração da fístula, que tipicamente se orienta superiormente a partir do esôfago à traquéia. Contraste não-iônico hidrossolúvel é preferível nestes casos, mas uma pequena quantidade de bário diluído pode ser usada, se necessário(2) (Figura 5).

 

 

Deve ser feita a injeção do contraste por meio de uma fina sonda com o paciente em decúbito lateral. Depois de três ou quatro injeções neste nível, traciona-se a sonda em 1 cm e repetem-se as injeções (deve ser feito este procedimento até o nível da faringe). As fístulas traqueoesofágicas nem sempre estão abertas, sendo necessários, às vezes, a deglutição ou movimentos respiratórios para a sua melhor identificação(12).

Os exames de imagem também são úteis para o diagnóstico de lesões associadas que são comuns em crianças com atresia de esôfago. Defeitos da linha mediana são os mais freqüentes. As anomalias cardíacas são observadas em cerca de um quarto dessas crianças, sendo as mais comuns o defeito de septo interventricular, um ducto arterioso patente e a tetralogia de Fallot(6,7).

As anomalias do trato gastrintestinal estão associadas em 16% dos casos de atresia de esôfago, consistindo em ânus imperfurado, atresia de duodeno, má-rotação e estenose congênita do esôfago distal (este último ocorre em 8% dos casos)(6). Defeitos no sistema músculo-esquelético também são comuns e incluem anomalias de corpo vertebral e defeitos de costelas e extremidades(6).

Malformações do trato geniturinário, como anormalidades ureterais, hipospádia, rim em ferradura e agenesia renal também podem ocorrer(6). Aproximadamente 10% das crianças com atresia de esôfago têm a síndrome VACTERL (acrônimo correspondente a defeitos nas Vértebras, malformações Anorretais, defeitos Cardíacos, fístula Traqueo-Esofágica, anomalias Renais e dos membros - Limbs)(2,6,7).

 

ATRESIA GÁSTRICA

Atresia gástrica corresponde à completa obstrução da saída do estômago. É condição bastante rara e representa menos de 1% de todas as obstruções intestinais congênitas, estando limitada à região antro-pilórica(2,13-15). A sua incidência é estimada em um caso para 100.000 nascidos vivos(2,13,16) e acredita-se que seja decorrente de uma interrupção no desenvolvimento do órgão entre a quinta e a 12ª semana de vida intra-uterina, por falha no processo de recanalização(14).

Pode ocorrer como uma condição isolada ou associada a outras anormalidades. A mais comum é a epidermólise bolhosa (uma rara doença autossômica recessiva afetando pele e mucosas)(13,15). Também pode estar associada à síndrome de atresias intestinais múltiplas. Esta associação é rara e de origem familial, sendo de transmissão autossômica recessiva(13).

Regurgitação e vômitos não biliosos são observados nas primeiros horas pós-nascimento(2,13,17), configurando sinais de obstrução.

A atresia gástrica pode ser classificada em três variações anatômicas(13,15,16):

Tipo A: correspondente a um diafragma (membrana) pré-pilórico (57%);

Tipo B: atresia sem intervalo entre os segmentos. Corresponde a um cordão fibroso sólido na região do canal pilórico (34%);

Tipo C: atresia com intervalo. Constitui num piloro atrésico com um intervalo entre estômago e duodeno (9%).

Em cinco casos descritos por Al-Salem et al.(15), quatro apresentavam atresia pilórica sem intervalo (tipo B) e apenas um possuía um diafragma pilórico duplo (tipo A), distintamente dos dados da literatura.

À ecografia pré-natal, freqüentemente observam-se poliidrâmnio e estômago fetal distendido(13). A ultra-sonografia do recém-nato confirma a distensão gástrica e demonstra piloro anormal obliterado, com paredes finas, e duodeno normal. Pode demonstrar diretamente a anormalidade pilórica, avalia a anatomia regional e revela lesões associadas(13).

A radiografia simples do abdome revela expressiva distensão do estômago (proximal à obstrução) e ausência de gás no intestino delgado e no cólon, resultando na imagem de uma "única bolha gasosa"(2,3,13,16). Em ortostatismo, nível hidroaéreo pode ser evidente e seu principal diagnóstico diferencial dever ser feito com estenose hipertrófica do piloro (Figura 6).

 

 

O estudo contrastado é geralmente desnecessário para o diagnóstico(2,13). Quando realizado, envidencia-se ausência da passagem do contraste pelo local de atresia, não contrastando o duodeno(13). Devemos enfatizar que este estudo também pode causar aspiração do meio de contraste e não exclui outras causas de obstrução.

Em um caso publicado por Bass(16) havia atresia pilórica associada a atresia duodenal, dilatação cística do duodeno, múltiplas atresias jejunoileais (tipos I e II) e cólon quase inexistente. As alças delgadas distais estavam preenchidas por material calcificado que se assemelha a "massa de vidraceiro". À radiografia aparecem como alças intestinais preenchidas por tênue e uniforme calcificação, semelhante a um "estudo contrastado". Este é um achado patognomônico de atresias intestinais múltiplas(16) e está presente na maioria destes casos(15).

 

ATRESIA DUODENAL

Atresia é a causa mais importante de obstrução duodenal e provavelmente seja decorrente de falência na recanalização duodenal, aproximadamente entre a nona e a 11ª semanas de gestação(2,18,19). Tem incidência estimada de um caso entre 7.500 a 10.000 nascidos vivos(4,7).

Diferentemente dos casos de atresia de jejuno e do íleo, a atresia duodenal parece não estar relacionada a acidentes vasculares intra-uterinos(2,3). Uma das principais diferenças entre atresia duodenal e outras atresias mais distais é a óbvia complexidade da má formação duodenal, sua alta incidência na síndrome de Down (trissomia do 21) e múltiplas anomalias sistêmicas associadas(20).

Estas anomalias associadas incluem má-rotação do intestino delgado, cardiopatia congênita, ânus imperfurado, atresia do intestino delgado, atresia biliar, pâncreas anular e anomalias renais(2). Malformação cardíaca congênita é a mais importante, sendo encontrada em aproximadamente 20% dos bebês com atresia duodenal(3,19). Defeitos do coxim endocárdico e do canal atrioventricular são vistas em 80% das crianças com síndrome de Down(20).

Vecchia et al.(18), ao estudarem 138 casos de atresia duodenal, evidenciaram as seguintes associações: prematuridade (46%), poliidrâmnio (33%), síndrome de Down (24%), pâncreas anular (33%), má-rotação intestinal (28%) e veia porta pré-duodenal (7%). Outras anomalias foram menos freqüentes.

A apresentação clínica é caracterizada por vômitos após a primeira alimentação, aumentando progressivamente. Os vômitos são geralmente biliosos, pois a obstrução, em dois terços dos casos, localiza-se abaixo da ampola hepatopancreática(2,3,7). Devido a este nível da obstrução, comumente não se observa distensão abdominal(19), porém ocasionalmente o epigástrio aparece distendido, resultante da dilatação gástrica(19).

A mais útil classificação de atresia duodenal a divide em três tipos(19):

Tipo I: diafragma (membrana) mucoso. A camada muscular está intacta nestes casos. A porção do duodeno proximal à atresia está dilatada e a porção distal está estreitada;

Tipo II: há um cordão fibroso interposto às extremidades do doudeno atrésico;

Tipo III: há completa separação das extremidades do duodeno atrésico. Comumente associada a anomalias ductais biliares incomuns.

A maioria dos casos de atresia é diagnosticada durante os sete e oito meses de vida intra-uterina(19).O diagnóstico pré-natal deve ser suspeitado quando for evidenciado poliidrâmnio em conjunção a uma "dupla bolha", preenchida por líquido no abdome fetal(2,4,19). O poliidrâmnio é observado em cerca se 100% dos casos no terceiro trimestre(7).

O achado radiográfico clássico é o "sinal da dupla bolha" (Figura 7), estando a maior bolha no lado esquerdo (estômago) e a outra, menor, à direita (duodeno proximal)(2,3,19). Este sinal é diagnóstico de obstrução, mas não necessariamente de atresia(20). Ausência de ar além da segunda bolha é geralmente diagnóstico de atresia e neonatos, mostrando forte evidência de completa obstrução duodenal; raramente necessitam de outras avaliações radiográficas(18).

 

 

O estudo contrastado não fornece informação adicional alguma e há risco potencial de aspiração de bário. Tal estudo mostra opacificação apenas do estômago e do duodeno(2,19) (Figura 8). Vômitos freqüentes podem resultar em ausência de ar no segmento obstruído(2). Nesses casos, pequena quantidade de ar pode ser injetada pela sonda nasogástrica para confirmar o diagnóstico(2).

 

 

À ecografia abdominal do recém-nato podemos observar duodeno finalizando em fundo cego e peristalse gástrica aumentada (peristaltismo de luta) (Figura 9).

 

 

O diagnóstico diferencial deve ser feito com pâncreas anular, bandas peritoneais, duplicação intestinal, cisto de colédoco e incisura angular proeminente causando bidissecção do estômago(7).

A sobrevivência de bebês com atresia de duodeno tem gradualmente aumentado nos últimos anos, sendo que essa taxa está por volta de 95% na série avaliada por Grosfeld e Rescorla(19). Causas comuns de morte em bebês com atresia duodenal são prematuridade com doença pulmonar ou associada a anomalias graves, particularmente lesões cardíacas(20).

 

ATRESIA INTESTINAL (JEJUNOILEAL)

Atresia é a mais comum causa de obstrução intestinal congênita e corresponde a cerca de um terço de todos os casos de obstrução intestinal nos recém-natos(20). Estima-se que seja duas vezes mais comum que atresia esofagiana e hérnia hiatal diafragmática. A distribuição é quase igual entre os sexos(18,20) e a incidência é de um entre 5.000 nascidos vivos(4).

Opostamente à atresia duodenal, pacientes com atresia jejunoileal apresentam poucos defeitos congênitos em outros sistemas(21). Combinações de atresia de alças delgadas e colônicas são raras. Aproximadamente 20% das atresias jejunais são múltiplas(3).

Considera-se que as atresias jejunais e ileais sejam resultantes de falha de recanalização do estágio sólido do tubo intestinal ou de insulto vascular durante o desenvolvimento dessas estruturas(4).

Em estudo realizado por Heij et al.(22), observaram-se algumas diferenças entre as atresias jejunais e ileais. Esses autores encontraram, nos casos de atresia jejunal, uma incidência em ascenção, menor duração de gestação e menor peso ao nascimento, bem como maior incidência em gêmeos bivitelinos. Também houve mais casos de atresias múltiplas e maior mortalidade no grupo jejunal(22,23).

Bebês com atresia jejunal proximal iniciam vômitos biliosos logo após o nascimento, enquanto aqueles com atresia mais distal podem não apresentar vômitos até várias horas ou dias pós-natal(20).

Acentuada distensão abdominal é óbvia em 80% dos bebês com obstrução distal ao jejuno, e peristalse ativa de alças distendidas pode ser visível. Esta distensão grave pode estar associada a desconforto respiratório, por elevação do diafragma(20).

É importante enfatizar que os bebês com abdome escavado ou de aspecto normal com vômitos biliosos após o parto também devem ser considerados como portadores de obstrução duodenal e jejunal proximal até que se prove o contrário(20). O número de alças dilatadas aumenta quanto mais distal for a atresia, porém ocasionalmente o segmento mais dilatado está preenchido por líquido ou há um vólvulo, dificultando a identificação do segmento mais dilatado(3,20).

A classificação sugerida por Grosfeld et al.(24) é uma boa opção para representar os vários tipos de atresia (Figura 10):

Tipo I: diafragma intraluminal em contigüidade com as camadas musculares dos segmentos distal e proximal;

Tipo II: atresia com um segmento em forma de cordão fibroso entre as extremidades em fundo cego do intestino;

Tipo IIIa: atresia com completa separação das extremidades em fundo cego associada a defeito ("gap") mesentérico em forma de V;

Tipo IIIb: atresia com extenso defeito mesentérico. O intestino distal enrola-se em torno dos vasos mesentéricos, dando um aspecto em "casca de maçã". Este segmento distal é curto e de pequeno calibre;

Tipo IV: atresia múltipla do intestino delgado.

 

 

À ecografia pré-natal, a atresia intestinal é caracterizada por alças delgadas dilatadas formando tipicamente um aspecto de "tripla ou quádrupla bolha". Estas aparecem como áreas sonolucentes em tomadas axiais do abdome. As estruturas colônicas estão normais(4).

Poliidrâmnio ocorre em aproximadamente metade dos recém-nascidos com atresia duodenal e jejunal proximal, no entanto, é pouco observado em bebês nascidos com atresia ileal e colônica(20). Além de sua aplicação no diagnóstico de atresias intestinais altas, a ecografia fornece informação sobre anomalias cardíacas e do sistema nervoso central(20,25). A chamada síndrome de má-rotação de múltiplos órgãos, que compreende situs inversus parcial, atresia duodenal e hérnia de Bochdaleck à direita, também pode ser diagnosticada pela ultra-sonografia(20).

Portanto, o diagnóstico pré-natal obtido na maior parte dos casos de atresia jejunoileal tem fornecido uma melhora no acompanhamento clínico da gestante e melhor suporte ao neonato, incluso na resolução de anomalias associadas(20).

À radiografia, estas atresias são caracterizadas pela presença de alças intestinais delgadas dilatadas, freqüentemente associadas a níveis hidroaéreos(25). Não há gás na porção inferior do abdome nas atresias jejunais(3). O aumento do conteúdo abdominal é refletido em flancos distendidos e hemicúpulas diafragmáticas elevadas(3). O "sinal do segmento intestinal bulboso", representado por uma alça dilatada imediatamente proximal ao local da atresia (devido à impactação prolongada do conteúdo intestinal) com terminação curvilínea pode ser evidente em alguns casos(7) (Figuras 11, 12 e 13).

 

 

 

 

 

 

Nas atresias ileais a perfuração pode ocorrer in utero e resultar em peritonite meconial, com ou sem formação de cisto meconial(3). Este tipo de perfuração intestinal pré-natal ocorre mais freqüentemente nas atresias ileais e provavelmente está relacionada à maior complacência e ao melhor suprimento vascular jejunais comparativamente ao íleo(22,23). A presença de calcificações intraperitoneais é indicativa de peritonite meconial(18).

O enema opaco geralmente revela "microcólon" (por desuso durante a vida intra-uterina), mostra que a obstrução está limitada ao intestino delgado e pode mostrar porções de mecônio nos casos de síndrome do tampão meconial. Também revela o posicionamento do ceco, alertando para possíveis anomalias de fixação e rotação intestinais associadas(18) (Figura 14).

 

 

ATRESIA COLÔNICA

Atresia colônica é causa rara de obstrução intestinal neonatal e constitui 1,8% a 15% de todas as atresias intestinais(26-29). Apresenta incidência de um em 66.000 nascidos vivos(4). Há predominância no sexo masculino(17,18,30), e correlação genética tem sido observada(17). Ocasionalmente pode ocorrer em associação com atresia múltipla de alças delgadas(26,27), porém múltiplas atresias de cólon são raras(20).

Insulto vascular no intestino fetal devido a vólvulo, intussuscepção, hérnia interna ou estrangulamento de gastrosquise/onfalocele por defeito abdominal estreito tem sido universalmente aceito como a principal causa de todos os tipos de atresia intestinal e colônica(17,18,27,31).

O tipo de atresia colônica também pode ser indicado pela classificação das atresias intestinais prosposta por Grosfeld et al.(24):

Tipo I: representa atresia mucosa (membranosa) com parede intestinal e mesentério intactos;

Tipo II: possui extremidades em fundo cego separadas por um cordão fibroso;

Tipo IIIa: contém extremidades em fundo cego separadas por um defeito mesocolônico em V;

Tipo IIIb: atresia em casca de maçã;

Tipo IV: com múltiplas atresias.

A atresia tipo IIIa é a mais freqüente (80%), seguida pelos tipos I e II(17,18,30,32). As atresias tipo IIIa são geralmente observadas próximas à flexura esplênica(17,18,30,32), enquanto as atresias tipo I ocorrem em qualquer nível colônico(17). Devido à freqüente associação das atresias tipo I com múltiplas atresias do intestino delgado, torna-se necessária uma cuidadosa avaliação de todo o trato gastrintestinal(17).

Em estudo desenvolvido por Karnak et al.(17), avaliando 14 casos de atresia colônica, os tipos encontrados foram: IIIa em nove casos, I em seis casos e II em três casos(17). As atresias do tipo IIIa localizavam-se proximais à flexura esplênica (ascendente ou transverso) em oito casos e no sigmóide em um caso. As atresias do tipo I foram observadas em várias localizações (do ceco ao sigmóide) e as do tipo II eram proximais à flexura hepática.

Entre as raras anomalias associadas, a gastrosquise e as atresias intestinais múltiplas são as mais comuns e ocorrem em 10% e 22% dos casos, respectivamente(3,17).

Crianças com atresia colônica mostram típicas características clínicas de obstrução intestinal baixa: distensão de alças, vômitos e falha na eliminação meconial(18,26,27). O vômito geralmente é bilioso, porém pode ser inicialmente claro ou também estar presente em pacientes com obstrução proximal associada localizada acima da papila maior do duodeno(26).

Embora o ultra-som pré-natal possa revelar um diagnóstico sugestivo de obstrução intestinal, sua capacidade para excluir má formação colônica é limitada(17,18,33). Alças delgadas dilatadas poderão ser vistas à ecografia; porém, uma notável quantidade de casos desta atresia permanece não dectectada por este método(18).

Radiografias simples mostram múltiplas alças intestinais distendidas com níveis hidroaéreos(17,26-28), e freqüentemente há um segmento grosseiramente ectasiado, correspondente ao cólon proximal dilatado, que pode apresentar um padrão moteado de gás e fezes(17,28). Este segmento dilatado, se mantido por uma valva ileocecal competente, o deixa sujeito a rupturas(3).

Deve-se enfatizar que uma radiografia sugerindo obstrução alta (proximal) não torna o enema desnecessário, bem como um enema demonstrando atresia colônica não exclui a possibilidade de atresias proximais associadas, seja no cólon ou intestino delgado(17). Também a ausência de alças intestinais delgadas dilatadas não descarta obstrução colônica, nos casos de válvula ileocecal competente(27).

O enema baritado demonstra microcólon finalizado em fundo cego(26,27) e, assim, a localização do segmento distal atrésico(3,17). Em casos de diagnóstico tardio, pode haver pneumoperitônio causado pela perfuração de segmento dilatado proximal ao nível atrésico(26,27).

Doença de Hirschsprung, síndrome do tampão meconial e íleo meconial também causam obstrução simulando atresia ileal ou colônica(20). Felizmente, uma distinção pode ser efetuada com enema na maioria dos casos e o diagnóstico diferencial em recém-natos com obstrução intestinal baixa pode ser esclarecida(20).

 

ATRESIA RETAL

Atresia é uma anomalia anorretal extremamente rara, correspondendo a 1,5% a 2% das malformações neste nível(34). A razão masculino:feminino é de 7:3(35,36).

A sua exata patogênese é desconhecida, mas a maioria dos autores postula que seja anomalia adquirida decorrente de trombose intravascular secundária a infecção intra-uterina(34,36,37).

As anomalias anorretais estão associadas a malformações de vértebras, rins, esôfago ou traquéia em quase 40% dos casos. Estas podem fazer parte da síndrome VACTERL(35) e, portanto, também devem ser investigadas.

Na atresia retal o ânus está aberto, porém um segmento variável do reto (proximal ao ânus) é atrésico e não associado a fístulas(35). Apesar do ânus ser bem desenvolvido, também termina em fundo cego 1,5 a 3 cm cranial à margem anal. O saco retal em fundo cego geralmente acaba próximo ou dentro do diafragma pélvico(38).

Geralmente não há comunicação fistulosa com o trato urinário, nem há fixação à uretra ou bexiga(37,38). Usualmente os componentes esfincterianos são anatomicamente desenvolvidos em seus níveis habituais(37,38) e os feixes puborretais circundam o saco retal ou há uma banda fibrosa interposta neste ponto(36).

Dorairajan(36) classificou casos de atresia retal em quatro tipos:

Tipo 1: atresia com curto intervalo (< 2 cm), com ou sem banda fibrosa interposta (mais comum);

Tipo 2: atresia com longo intervalo;

Tipo 3: atresia tipo diafragmático (membranoso);

Tipo 4: estenose retal com comprimento variável do segmento estenótico (não constitui atresia verdadeira).

Radiologicamente, a identificação da chamada linha M é usada para classificar lesões como altas, intermediárias ou baixas, dependendo do posicionamento da bolsa retal proximal. Esta linha passa horizontalmente na junção do terço inferior com os dois terços superiores do ísquio e representa o nível do músculo puborretal(35). Uma aparência normal do ânus e do períneo pode retardar o diagnóstico até que massiva distensão abdominal ocorra(38) (Figuras 15 e 16).

 

 

 

 

A ecografia é útil para delinear a distância do saco retal até o períneo. Distância inferior a 10 mm indica baixa posição, que pode ser seguramente tratada com anoplastia perineal simples. Distância superior a 15 mm indica lesão que requer abordagem com colostomia associada(35), porém esta análise pela ecografia é limitada.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética são modalidades de escolha, nestes casos, porque podem ajudar a determinar a presença dos músculos puborretais e do esfíncter externo, bem como topografar o saco retal e anomalias vertebrais associadas(35,39).

 

CONCLUSÃO

Acreditamos que uma anamnese bem direcionada, associada a diagnósticos precoces ou forte evidência de atresia em ecografias pré-natais, servirá de subsídio valioso na abordagem pós-natal imediata, mantendo baixas taxas de mortalidade e morbidade, conseguidas atualmente.

A maioria dos casos de atresias altas (esofágica, gástrica, duodenal e jejunal proximal) é discernível à radiografia simples, e estudos contrastados geralmente são desnecessários. Nos casos de obstrução distal há muitas alças dilatadas e a distensão abdominal é marcante, tornando os estudos contrastados necessários para diferenciar atresias ileais e colônicas de outras causas de obstrução. Outros métodos de imagem (ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética) têm aplicações muito específicas em alguns casos de atresia do trato gastrintestinal, sendo ocasionalmente utilizados.

 

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Endereço para correspondência
Dr. Bruno Barcelos da Nóbrega
Alameda Ribeirão Preto, 551, ap. 14, Bela Vista
São Paulo, SP, 01331- 001
E-mail: brunoradiol@hotmail.com

Recebido para publicação em 3/3/2004. Aceito, após revisão, em 14/4/2004.

 

 

*Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP.


 
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