ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): C. Isabela S. Silva, Nestor L. Müller |
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Descritores: Doença pulmonar intersticial, Pulmão, Doenças pulmonares, Tomografia computadorizada de alta resolução |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Nos últimos dez anos, diversos estudos têm demonstrado o valor da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) na avaliação de doenças pulmonares intersticiais crônicas(1,2). Em um número cada vez maior de centros, a TCAR faz parte da rotina de avaliação diagnóstica e acompanhamento desses pacientes. Com o recente advento dos equipamentos multidetectores, tornou-se possível avaliar todo o tórax com cortes finos e menor espaçamento entre os cortes, sem aumentar o tempo do exame. Estes equipamentos permitem realizar reconstruções multiplanares de excelente qualidade que possibilitam uma avaliação ainda mais detalhada da distribuição da doença ao longo dos brônquios, trajetos linfáticos e dentro do lóbulo secundário. As doenças intersticiais crônicas manifestam-se com um de seis principais padrões de anormalidade na TCAR: septal, reticular, cístico, nodular, atenuação em vidro fosco e consolidação parenquimatosa(3,4). O objetivo deste trabalho é descrever um modelo de interpretação simplificado da TCAR no diagnóstico diferencial das principais doenças pulmonares intersticiais crônicas, baseado na avaliação dos padrões de anormalidade e na distribuição da doença no parênquima pulmonar.
PADRÕES DE RECONHECIMENTO A. Padrão septal (= espessamento septal interlobular) O padrão septal reflete a presença de espessamento dos septos interlobulares, que pode ser secundário a edema, infiltração celular ou, menos comumente, a fibrose. Septos espessados são usualmente mais evidentes na periferia pulmonar, onde podem ser visualizados como linhas perpendiculares à pleura. Na região pulmonar mais central, o espessamento septal assume um padrão de arcadas poligonais múltiplas. O espessamento do septo interlobular pode ser liso, nodular ou irregular. Na grande maioria dos casos, o padrão septal é causado por edema intersticial ou por disseminação linfática de carcinoma ou linfoma(3). Edema pulmonar hidrostático é uma causa comum de espessamento septal liso (Figura 1), enquanto a disseminação linfática neoplásica pode causar espessamento liso, nodular ou em "conta de rosário" (Figura 2). Septos interlobulares espessados também podem ser identificados na doença intersticial crônica, embora, nestes casos, raramente representam o padrão principal. Em pacientes com fibrose, o espessamento dos septos interlobulares é irregular e associado a distorção da arquitetura dos lóbulos secundários.
B. Padrão reticular (= opacidades lineares intralobulares) (@ fibrose) Opacidades irregulares intralobulares geralmente refletem a presença de fibrose pulmonar. Fibrose também causa distorção da arquitetura pulmonar, bronquiectasias de tração e bronquiolectasias. As doenças intersticiais crônicas que mais freqüentemente apresentam padrão reticular incluem fibrose pulmonar idiopática, pneumonia intersticial usual associada a doença do colágeno, sarcoidose e pneumonite por hipersensibilidade(1-3). Fibrose pulmonar idiopática é caracterizada por um padrão reticular e faveolamento, que acomete principalmente as regiões pulmonares subpleurais e os lobos pulmonares inferiores (Figura 3). Seja a doença mínima ou grave, esteja na fase inicial ou no estágio final, tanto patologicamente como na TCAR, o processo é mais intenso na periferia pulmonar. Por outro lado, em pacientes com sarcoidose, a fibrose é caracteristicamente mais acentuada nas regiões peri-hilares e peribroncovasculares e nos lobos pulmonares superiores (Figura 4).
Uma outra causa importante de fibrose pulmonar é a pneumonite por hipersensibilidade crônica. A fibrose tem distribuição esparsa e preferencialmente acomete as regiões pulmonares médias e inferiores. Observa-se, no entanto, relativa preservação das bases pulmonares, o que permite distinguir da fibrose pulmonar idiopática, na maioria dos casos. É comum a presença de nódulos centrolobulares devido à superposição da fase subaguda. C. Padrão cístico (= faveolamento, doença cística do espaço aéreo ou bronquiectasias) Um padrão cístico na TCAR está associado à presença de lesões pulmonares circunscritas contendo ar e de paredes bem definidas. Elas podem representar faveolamento, cistos, pneumatoceles, ou bronquiectasias císticas(5). Doenças crônicas comumente associadas com padrão cístico são representadas por fibrose pulmonar idiopática, linfangioliomiomatose e histiocitose de células de Langerhans pulmonar. A fibrose pulmonar idiopática tipicamente progride de um padrão predominantemente reticular para um padrão cístico (faveolamento). É comum o predomínio nas regiões basais e subpleurais e associação com bronquiectasias de tração e distorção arquitetural (Figura 5).
Linfangioliomiomatose é sugerida na TCAR devido à presença de numerosos cistos pulmonares de paredes finas distribuídos igualmente por todo o pulmão e rodeados por parênquima pulmonar relativamente normal (Figura 6). Cistos semelhantes aos visualizados na linfangioliomiomatose também são encontrados na histiocitose de células de Langerhans pulmonar (histiocitose X pulmonar). A grande maioria dos pacientes com histiocitose X pulmonar apresenta componente nodular associado. Caracteristicamente, a histiocitose X acomete os dois terços pulmonares superiores e poupa os seios costofrênicos (Figura 7), enquanto a linfangioliomiomatose costuma afetar o pulmão difusamente.
D. Padrão nodular (= nódulos, reação granulomatosa, bronquiolite) Nódulos com 1-10 mm de diâmetro são comumente observados em pacientes com sarcoidose, pneumonite por hipersensibilidade, silicose e pneumoconiose dos mineiros de carvão. Em pacientes com sarcoidose, os nódulos representam conglomerado de granulomas sarcóides e usualmente estão distribuídos principalmente ao longo dos linfáticos no espaço intersticial peribroncovascular(6). Na TCAR, granulomas sarcóides resultam em espessamento nodular do interstício peribroncovascular e, em menor extensão, ao longo dos septos interlobulares e regiões pulmonares subpleurais. Os nódulos acometem principalmente as regiões peri-hilares das regiões pulmonares média e superiores (Figura 8).
Nódulos pequenos estão presentes em aproximadamente 60% dos pacientes com pneumonite por hipersensibilidade. Geralmente estão distribuídos difusamente por todo o pulmão, apresentam margens mal definidas e tipicamente têm distribuição centrolobular (Figura 9). A localização centrolobular na TCAR reflete, na histologia, a presença de processo bronquiolocêntrico(4,6). Na pneumonite por hipersensibilidade os nódulos centrolobulares representam bronquiolite e alveolite bronquiolocêntrica. Uma distribuição centrolobular pode ser identificada na TCAR através do reconhecimento da localização dos nódulos situados a poucos milímetros dos septos interlobulares, pleura, brônquios e grandes vasos.
Os nódulos encontrados na silicose e na pneumoconiose dos mineiros de carvão são bem definidos e pequenos (2 a 5 mm de diâmetro). Na grande maioria dos pacientes observa-se uma distribuição simétrica centrolobular e subpleural, com maior acometimento das regiões posteriores dos lobos superiores(1,2). Os nódulos na silicose podem eventualmente apresentar calcificação. E. Padrão em vidro fosco (= doença intersticial mínima ou do espaço aéreo) Atenuação em vidro fosco é definida como aumento da opacidade pulmonar sem obscurecimento dos vasos pulmonares adjacentes. Não representa um padrão específico e reflete alterações morfológicas pulmonares abaixo da resolução da TCAR(3,5). Pode resultar de anormalidades intersticiais mínimas, de doença do espaço aéreo ou aumento do fluxo sanguíneo(4). Das doenças intersticiais crônicas mais comumente associadas com opacidades em vidro fosco destacam-se a pneumonite por hipersensibilidade e diversas pneumonias intersticiais idiopáticas(3). Na pneumonite por hipersensibilidade as áreas de vidro fosco podem ser difusas ou predominar nas regiões pulmonares inferiores. Freqüentemente as áreas de vidro fosco estão associadas com regiões lobulares de atenuação diminuída e aprisionamento aéreo (Figura 10) secundárias a obstrução bronquiolar. A maioria dos pacientes com pneumonite por hipersensibilidade também exibe opacidades nodulares centrolobulares pouco definidas, que num contexto clínico apropriado são altamente sugestivas do diagnóstico de pneumonite por hipersensibilidade subaguda.
Atenuação em vidro fosco pode ser predominante ou a única anormalidade encontrada em pacientes com pneumonia intersticial não-específica e pneumonia intersticial descamativa(7). A pneumonia intersticial não-específica é uma doença caracterizada pela presença de inflamação e fibrose intersticial com aparência histológica uniforme. Ela pode ser idiopática, todavia é geralmente encontrada em associação com doenças do colágeno, principalmente esclerodermia, e apresenta melhor prognóstico que a pneumonia intersticial usual. Um grande número de pacientes com pneumonia intersticial não-específica apresenta, na TCAR, opacidades em vidro fosco bilaterais e simétricas, com maior predomínio subpleural e basal. É comum encontrar opacidades reticulares finas superpostas ao padrão em vidro fosco e bronquiectasia de tração (Figura 11). Faveolamento ocorre somente em uma pequena porcentagem de casos e tende a ser leve.
A pneumonia intersticial descamativa é uma entidade rara, quase sempre associada ao tabagismo, e de bom prognóstico. Na pneumonia intersticial descamativa opacidades em vidro fosco são encontradas em quase todos os exames de TCAR e geralmente predominam na periferia pulmonar e nas regiões pulmonares inferiores. Cerca de metade dos pacientes também exibe um padrão reticular com extensão limitada e usualmente restrito à base pulmonar(7). F. Consolidação (= consolidação do espaço aéreo) Consolidação é caracterizada na TCAR pela presença de aumento da atenuação pulmonar com obscurecimento dos vasos pulmonares adjacentes. Na grande maioria dos casos reflete um processo dos espaços aéreos. A doença que tradicionalmente é classificada como intersticial crônica e que tipicamente se apresenta com um padrão de consolidação é a bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, também chamada pneumonia criptogênica em organização(3,7). As áreas de consolidação na bronquiolite obliterante com pneumonia em organização costumam ser bilaterais e ter distribuição que predomina nas regiões peribrônquicas ou subpleurais, com maior acometimento das regiões pulmonares inferiores (Figura 12). Em alguns pacientes, no entanto, as áreas de consolidação podem ter distribuição randômica.
CONCLUSÕES As doenças pulmonares intersticiais crônicas freqüentemente apresentam uma aparência típica na TCAR. Em muitos casos, um diagnóstico específico pode ser sugerido baseado na combinação da história clínica e interpretação dos padrões de anormalidade e distribuição da doença no parênquima pulmonar na TCAR.
REFERÊNCIAS 1. Müller NL, Miller RR. Computed tomography of chronic diffuse infiltrative lung disease. Part 1. Am Rev Respir Dis 1990;142:1206-15. [ ] 2. Müller NL, Miller RR. Computed tomography of chronic diffuse infiltrative lung disease. Part 2. Am Rev Respir Dis 1990;142:1440-8. [ ] 3. Webb WR, Müller NL, Naidich D. High-resolution CT of the lung. 3rd ed. New York, NY: Lippincott-Raven Press, 2000. [ ] 4. Colby TV, Swensen SJ. Anatomic distribution and histopathologic patterns in diffuse lung disease: correlation with HRCT. J Thorac Imaging 1996; 11:1-26. [ ] 5. Müller NL, Fraser RS, Colman N, Paré PD. Radiologic diagnosis of diseases of the chest. Philadelphia, PA: WB Saunders, 2001. [ ] 6. Müller NL, Fraser RS, Lee KS, Johkoh T. Diseases of the lung: radiologic and pathologic correlations. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2003. [ ] 7. American Thoracic Society/European Respiratory Society International Multidisciplinary Consensus Classification of the Idiopathic Pneumonias. Am J Respir Crit Care Med 2002;165:277-304. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 18/12/2003. Aceito, após revisão, em 9/1/2004.
*Trabalho realizado no Department of Radiology, Vancouver General Hospital, Vancouver, BC, Canada. |