ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Ana Beatriz Cordeiro de Azevedo, Silvana Mangeon Meirelles Guimarães, Wilson Campos Tavares Júnior, Débora Calderaro, Hilton Muniz Leão Filho, Cid Sergio Ferreira, José Nelson Mendes Vieira, Diego Correa de Andrade, Caio Moreira |
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Descritores: Tomografia de alta resolução de tórax, Doenças pulmonares, Esclerose sistêmica |
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Resumo: IIIMédicos Residentes do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do HC-UFMG
INTRODUÇÃO A esclerose sistêmica (ES) é uma doença inflamatória crônica do tecido conjuntivo, caracterizada por alterações vasculares, inflamatórias e fibróticas da pele e de órgãos viscerais(1). Dentre as manifestações viscerais, o comprometimento pulmonar é, atualmente, a principal causa de morbimortalidade A prevalência da doença intersticial pulmonar varia de 25% a 90% nos diferentes estudos, dependendo dos métodos utilizados na sua investigação(1). Estudos de necropsia têm mostrado alta prevalência de envolvimento pulmonar, ocorrendo em quase 100% dos casos(2). Cerca de 75% dos pacientes com ES têm alterações em provas de função pulmonar. Destes, cerca de 27% apresentam distúrbio restritivo moderado (capacidade vital forçada (CVF) entre 50% e 75% do previsto) e 13% têm distúrbio restritivo grave (CVF < 50% do previsto)(3). Estudos que utilizaram a radiografia simples (RX) de tórax para a avaliação de fibrose pulmonar relacionada à ES revelaram alterações em somente 25% a 44% dos casos(4), enquanto os trabalhos que analisaram a prevalência de acometimento pulmonar na ES utilizando a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax observaram alterações intersticiais em até 94% dos pacientes(5). Até o momento, o único fator preditivo de boa resposta terapêutica conhecido para as manifestações intersticiais da ES é o início precoce do tratamento(6). Daí a importância do diagnóstico nas suas fases iniciais de desenvolvimento, mesmo antes do surgimento de sintomas. A avaliação da queixa de dispnéia em pacientes com ES deve incluir a realização de testes de função pulmonar, RX de tórax, ecodopplercardiograma e TCAR(1). Dentre os exames de imagem utilizados nesta avaliação, a TCAR tem-se tornado o método de escolha para a investigação do acometimento intersticial, devido à baixa sensibilidade do RX de tórax(1). Além disto, a TCAR permite melhor visualização do parênquima pulmonar e pode auxiliar na diferenciação entre doença ativa (inflamação) e fibrose(2). O objetivo deste trabalho é comparar a acurácia do RX de tórax com a da TCAR para o diagnóstico do acometimento intersticial pulmonar relacionado à ES.
MATERIAIS E MÉTODOS Pacientes: Entre janeiro de 2002 e julho de 2003, foram avaliados 34 pacientes com diagnóstico de ES, segundo critérios diagnósticos do Colégio Americano de Reumatologia (ACR)(7), sendo 29 (85%) mulheres e cinco (15%) homens, com idade média de 42 anos, variando de 21 a 70 anos (± 14 anos) e tempo médio de doença de oito anos (± 9,7 anos). Dezenove (56%) pacientes apresentavam a forma cutânea difusa, enquanto 15 (44%) apresentavam a forma cutânea limitada. Vinte e oito (82%) pacientes apresentavam queixas sugestivas de comprometimento esofágico, como disfagia e pirose, e 29 (85%) apresentavam fenômeno de Raynaud. Vinte (59%) pacientes apresentavam queixa de dispnéia ao esforço, 23 eram não fumantes e 11 eram fumantes ou ex-fumantes. Radiografias de tórax: Os RX de tórax foram realizados em póstero-anterior (PA) e perfil (voltagem de 90 kV, distância foco-filme de 1,80 m, filme de baixo contraste e "écran" de intensificação regular), com um intervalo máximo de três meses da TCAR. Tomografias de tórax: As TCAR foram realizadas em aparelhos Somaton AR-T (Siemens, Erlangen, Alemanha) e Auklet (Toshiba). Todas as imagens foram obtidas com inspiração máxima, utilizando 1,5 a 2 mm de colimação, com 125 kV e 160 mAs. Os intervalos entre as imagens foram de 15 a 20 mm, com o paciente em posição supina e prona. As imagens foram reconstruídas utilizando-se algoritmo de alta resolução, com matriz de 512 × 512. As anormalidades do parênquima foram codificadas de acordo com critérios descritos na literatura(8-10). Todas as radiografias de tórax e TCAR foram analisadas por dois radiologistas experientes, independentemente. Nos casos de discordância entre os dois, por análise de consenso.
RESULTADOS Foram observadas alterações ao RX de tórax de 16 (47%) pacientes; a principal alteração encontrada foi infiltrado reticular nas bases em 11 (32%) dos pacientes (Gráfico 1).
Trinta e dois (94%) pacientes apresentaram sinais de doença intersticial ao exame de TCAR do tórax, sendo o achado mais freqüente o espessamento de linhas septais, constatado em 25 (73,5%) das tomografias. Outros achados observados nas TCAR foram: linhas subpleurais em 13 (38%) exames, bandas parenquimatosas em nove (26%), faveolamento em 19 (56%) e vidro fosco em 19 (56%). Não foram observadas alterações à TCAR em apenas dois (6%) pacientes (Gráfico 2). Os achados à TCAR se localizavam predominantemente nos lobos inferiores, principalmente nas regiões periféricas dos segmentos posteriores (Figura 1).
Entre os 18 (53%) pacientes com RX de tórax normal, 12 (66%) apresentavam alterações à TCAR. Neste grupo, as principais alterações observadas foram de espessamento intersticial, como espessamento septal em dez (55%), vidro fosco e/ou bronquiolectasias em oito (44%), faveolamento em sete (38,5%) e cistos em seis (33%) (Gráfico 3) (Figuras 2 e 3).
DISCUSSÃO O pulmão é o segundo órgão visceral mais acometido na ES. Atualmente, as manifestações pulmonares são a principal causa de morte nessa doença(1,3). Na série de Medsger et al.(11), a mortalidade dos pacientes com acometimento pulmonar (definido pela presença de fibrose intersticial basal bilateral, hipertensão pulmonar ou diminuição da capacidade de difusão do monóxido de carbono) foi de aproximadamente 50% a 60% em cinco anos. Uma análise das causas de óbito dos 2.000 pacientes com ES acompanhados na Universidade de Pittsburgh revelou que 211 haviam falecido de causas pulmonares (113 por hipertensão pulmonar isolada e 98 por fibrose pulmonar) nos últimos 20 anos. Estes óbitos correspondem a 21,5% de 981 mortes por ES e 44% das mortes relacionadas a esta doença(12). Estudos de necropsia revelaram prevalência de acometimento pulmonar intersticial na ES entre 74% e 100%(1) e cerca de 70% dos pacientes apresentam algum grau de distúrbio restritivo em provas de função pulmonar(3). No nosso estudo foram observadas alterações ao RX de tórax em 53% dos pacientes. Outros estudos também mostraram baixa prevalência do envolvimento pulmonar na ES (entre 25% e 44%) através da avaliação pelo RX de tórax(2,13,14) em comparação aos que utilizaram a TCAR. Observamos alterações nas TCAR do tórax em 94% dos pacientes estudados, sendo o seu valor na avaliação da doença pulmonar já demonstrado por vários autores nos últimos anos(15,16). A freqüência de alterações à TCAR encontrada neste trabalho foi semelhante à de outras séries(8). Em nosso estudo observamos a presença de fibrose pulmonar definitiva em 50% dos pacientes (faveolamento, cistos) com radiografia de tórax normal. O vidro fosco é um achado considerado por muitos autores como correspondente a um estágio pré-fibrótico, de média gravidade, potencialmente reversível quando instituído tratamento(10,15). Esta alteração foi observada em 56% de todas as TCAR e em 44,5% dos pacientes com RX de tórax normal. A presença de vidro fosco na TCAR justifica a instituição de tratamento mais agressivo com terapia imunossupressora, como preconizado por alguns autores(5,17). Portanto, na investigação do acometimento intersticial pulmonar, mesmo em pacientes com radiografia de tórax normal, é importante a realização da TCAR, devido à baixa sensibilidade daquele método para alterações iniciais.
CONCLUSÃO Os achados de prevalência de doença intersticial pulmonar relacionada à ES avaliados pelo RX de tórax e TCAR deste estudo são comparáveis aos de outros trabalhos na literatura. A TCAR é mais sensível do que o RX de tórax para o diagnóstico precoce de estágios pré-fibróticos e potencialmente tratáveis. Atualmente, a TCAR do tórax é considerada método de escolha na investigação do acometimento intersticial da ES.
REFERÊNCIAS 1. White B. Interstitial lung disease in scleroderma. Rheum Dis Clin North Am 2003;29:371-90. [ ] 2. Kelley WN, Harris ED, Ruddy S, Sledge CB. Text book of rheumatology. 5th ed. Philadelphia: WB Saunders, 1997:1133-62. [ ] 3. Steen VD, Conte C, Owens GR, Medsger TA Jr. Severe restrictive lung disease in systemic sclerosis. Arthritis Rheum 1994;37:1283-9. [ ] 4. Schurawitzki H, Stiglbauer R, Graninger W, et al. Interstitial lung disease in progressive systemic sclerosis: high-resolution CT versus radiography. Radiology 1990;176:755-9. [ ] 5. Cheema GS, Quismorio FP Jr. Interstitial lung disease in systemic sclerosis. Curr Opin Pulm Med 2001;7:283-90. [ ] 6. Steen VD, Lanz JK Jr, Conte C, Owens GR, Medsger TA Jr. Therapy for severe interstitial lung disease in systemic sclerosis. A retrospective study. Arthritis Rheum 1994;37:1290-6. [ ] 7. Preliminary criteria for the classification of systemic sclerosis (scleroderma). Subcommittee for the Scleroderma Criteria of the American Rheumatism Association Diagnostic and Therapeutic Criteria Committee. Arthritis Rheum 1980;23:581-90. [ ] 8. Webb WR, Stein MG, Finkbeiner WE, Im JG, Lynch D, Gamsu G. Normal and diseased isolated lungs: high-resolution CT. Radiology 1988;166:81-7. [ ] 9. Webb WR, Müller NL, Naidich DP. High resolution CT of the lung. 1st ed. New York: Raven Press, 1992. [ ] 10. Remy-Jardin M, Remy J, Wallaert B, Bataille D, Hatron PY. Pulmonary involvement in progressive systemic sclerosis: sequential evaluation with CT, pulmonary function tests, and bronchoalveolar lavage. Radiology 1993;188:499-506. [ ] 11. Medsger TA Jr, Masi AT, Rodnan GP, Benedek TG, Robinson H. Survival with systemic sclerosis (scleroderma). A life-table analysis of clinical and demographic factors in 309 patients. Ann Intern Med 1971;75:369-76. [ ] 12. Steen V. Predictors of end stage lung disease in systemic sclerosis. Ann Rheum Dis 2003;62:97-9. [ ] 13. Blom-Bulow B, Jonson B, Brauer K. Lung function in progressive systemic sclerosis is dominated by poorly compliant lungs and stiff airways. Eur J Respir Dis 1985;66:1-8. [ ] 14. Pistelli R, Maini CL, Fuso L, et al. Pulmonary involvement in progressive systemic sclerosis: a multidisciplinary approach. Respiration 1987;51: 296-306. [ ] 15. Warrick JH, Bhalla M, Schabel SI, Silver RM. High resolution computed tomography in early scleroderma lung disease. J Rheumatol 1991;18:1520-8. [ ] 16. Wells AU, Hansell DM, Rubens MB, et al. Fibrosing alveolitis in systemic sclerosis. Bronchoalveolar lavage findings in relation to computed tomographic appearance. Am J Respir Crit Care Med 1994;150:462-8. [ ] 17. Seely JM, Jones LT, Wallace C, Sherry D, Effmann EL. Systemic sclerosis: using high-resolution CT to detect lung disease in children. AJR 1998;170: 691-7. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 18/12/2003. Aceito, após revisão, em 22/6/2004.
*Trabalho realizado no Serviço de Reumatologia e no Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), Belo Horizonte, MG. |