ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Frederico Teixeira Brandt, Carla Daisy Costa Albuquerque, Ana Fabíola Arraes, Gláucia Fonseca de Albuquerque, Carolina Duarte Barbosa, Caroline de Morais Araújo |
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Descritores: Junção uretrovesical, Incontinência urinária de esforço, Ultra-sonografia perineal |
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Resumo: IIIMédica Ultra-sonografista da Unidade de Pesquisa em Incontinência Urinária da UFPE
INTRODUÇÃO A incontinência urinária de esforço (IUE) acomete grande número de mulheres em todo o mundo, nas diversas faixas etárias e classes sociais. Esta condição acarreta grande transtorno para as pacientes acometidas, implicando a necessidade de vultosos gastos em sua investigação diagnóstica e tratamento(1). A IUE é definida como toda perda de urina pelo meato externo da uretra quando a pressão intravesical excede a pressão máxima de fechamento uretral, na ausência de contração do músculo detrusor da bexiga (International Continence Society, Committee of Standardization, 1991)(1). A IUE representa um dos principais distúrbios da continência urinária passiva, que é a capacidade de impedir que a urina escoe pela uretra, tanto no repouso quanto em situações de esforço(2). Este mecanismo depende primariamente da junção uretrovesical (JUV) e, secundariamente, da uretra proximal (UP), e sua eficiência está diretamente relacionada com as posições destas estruturas(2). A perda urinária vai ocorrer quando a soma da pressão intra-abdominal (Pab) e da pressão estática vesical (Pev) for superior à soma das pressões estáticas da JUV (PEJUV) e da UP (PEUP), como demonstrado pela fórmula da condição pressórica da IUE(2): Pab + Pev > PEJUV + PEUP O deslocamento excessivo (hipermobilidade) da JUV e da UP, para baixo e para trás, em direção à uretra medial, diminui a PEJUV e a PEUP, sendo portanto fator determinante de IUE. Nesse contexto, a hipermobilidade da JUV tem mais importância que a da UP, pois esta última tem ação apenas secundária na manutenção da continência urinária passiva. Parto, menopausa e envelhecimento são alguns dos principais fatores que contribuem para o deslocamento ou enfraquecimento da JUV, provocando IUE. Independentemente dos fatores determinantes da IUE, o consenso atual recomenda definir se há ou não hipermobilidade da JUV(3-6). Nas últimas décadas, a ultra-sonografia vem sendo utilizada com grande destaque na investigação da JUV e da UP, por ser um método simples, de baixo custo, inócuo e reprodutível com facilidade(3-6). Em 2000, Brandt et al., em estudo ultra-sonográfico realizado em adolescentes sem queixas urinárias, determinaram parâmetros de normalidade para a JUV e UP(7). Defendem a tese hipotética de que o exame deve ser feito com a bexiga quase vazia e sem fatores que facilitem a contração do músculo detrusor, que poderia provocar deslocamento secundário da JUV e da UP(3). Segundo Brandt et al., conforme o método que for realizado o ultra-som da JUV e da UP, o deslocamento da JUV e da UP poderá ser primário ou secundário(3). Porém, não haviam realizado pesquisa sistemática determinando a influência do volume vesical na realização da ultra-sonografia da JUV e da UP em pacientes com IUE. Este trabalho, envolvendo mulheres com IUE, visa a estabelecer se há diferença entre a avaliação ultra-sonográfica da JUV e da UP feita com a bexiga repleta, o que é sugerido de forma sistemática pela maioria dos investigadores, e com a bexiga contendo no máximo 50 ml de urina.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisadas 30 pacientes apresentando sinais e sintomas clínicos de IUE. Essas pacientes foram submetidas à avaliação clínica, em que responderam a um questionário formulado, e ao exame uroginecológico. Após esta avaliação inicial, foram encaminhadas para a realização do ultra-som perineal (ou transvulvar) da JUV, realizado sempre pelo mesmo médico ultra-sonografista. Foi utilizado aparelho GE acoplado a transdutor vaginal convexo de 7 MHz e seletor eletrônico de mensuração de imagem real. Inicialmente o exame foi realizado com a paciente em repleção vesical, e repetido logo após a paciente ter esvaziado a bexiga (máximo de 50 ml de urina). A ultra-sonografia transvulvar da JUV feita com a bexiga praticamente vazia faz parte da metodologia sugerida por Brandt et al.(3,4), em que a paciente fica em posição de litotomia dorsal, com pouca repleção vesical, insuficiente para provocar desejo miccional. Os seguintes parâmetros foram determinados pelo exame, em repouso e em manobra máxima de Valsalva:
Foi considerada hipermobilidade da JUV quando a mobilidade vertical da referida estrutura ultrapassou 9 mm. Caracterização da amostra As pacientes estudadas estavam na faixa etária de 36 a 74 anos, com média de 52 anos; 74,1% delas já eram menopausadas e a distribuição, segundo a intensidade clínica (queixas subjetivas) de IUE, foi a seguinte: pequena (+) - 17,4%; média (++) - 29,3%; grande (+++) - 53,3%. Os dados foram analisados no programa Epi Info 2003, utilizando-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, pois as variáveis não obedeceram a um padrão de distribuição normal. O nível de significância foi de 5% (p < 0,05).
RESULTADOS Os resultados estão apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.
DISCUSSÃO Esta pesquisa procura contribuir para o aprimoramento do exame ultra-sonográfico da JUV e da UP, sem, contudo, tentar desqualificar o exame urodinâmico, considerado padrão ouro no estudo da IUE. Por outro lado, muitos autores consideram o exame ultra-sonográfico da JUV e da UP importante, por ser simples, fisiológico, preciso, sem qualquer dano para o organismo, barato e reprodutível. É presumível que caso as pacientes com IUE pudessem ser avaliadas predominantemente pela ultra-sonografia, haveria significativa diminuição nos gastos monetários, públicos ou privados, envolvidos com as pacientes portadoras dessa doença. Diferentemente da maioria dos autores que publicam sobre ultra-som da JUV e da UP, Brandt et al.(3,4) defendem que o referido exame deve ser feito por método que não provoque contração do músculo detrusor da bexiga. Isto porque a maior crítica ao exame ultra-sonográfico da JUV e da UP, assinalada por vários autores que tentam desvalorizar o referido exame, é o de que o deslocamento pode ser conseqüente à contração do músculo detrusor. Em 1998, Brandt et al.(4) defenderam o conceito de avaliação primária da JUV e UP. Nesse sentido, publicaram, na literatura, que a paciente devia fazer a ultra-sonografia por via transvulvar e ficar em posição de litotomia dorsal e com a bexiga quase vazia, para que não houvesse falsa mobilidade da JUV e da UP. Em 1999, Dietz e Wilson(8) publicaram que o volume vesical influía no deslocamento vertical da JUV, usando transdutor por via vaginal. Em 2000, Brandt et al.(7) publicaram os parâmetros ultra-sonográficos de normalidade da JUV, UP, DHJUV e DPU. Diferentemente do trabalho de Dietz e Wilson, que estudaram as pacientes em posição sentada e com transdutor transvaginal(8), o presente trabalho analisa, além do deslocamento vertical da JUV, os parâmetros referentes à DHJUV e à UP com as pacientes deitadas e com transdutor em posição transvulvar. Se for aceito que a ultra-sonografia da JUV e da UP possa ser realizada de preferência com a bexiga quase vazia, por via transvulvar e em decúbito dorsal, é factível inferir que este exame passa a ser mais fisiológico, mais fácil, mais aceitável e mais barato. Surpreendentemente, e diferentemente do que muitos autores pensam, constatamos que a JUV e a UP se deslocam mais quando a bexiga está quase vazia. Mesmo considerando-se que a urodinâmica é o padrão ouro na investigação da IUE, é preciso ressaltar que este exame não faz o diagnóstico de certeza da IUE, além do que, a urodinâmica também não determina diretamente a mobilidade da JUV e da UP. Logo, há a necessidade de se usar um exame que faça esta análise de forma objetiva. Brandt et al.(2,3) têm sugerido que tanto a urodinâmica quanto a ultra-sonografia não fazem o diagnóstico concreto de IUE. Mas, diferentemente da urodinâmica, a ultra-sonografia demonstra o posicionamento real e visual da JUV e da UP. Brandt et al.(2,3,7) têm defendido que a avaliação primária da JUV e da UP por ultra-sonografia nas pacientes com IUE clínica é mais importante do que visualizar a perda urinária pela uretra ou determinar se há contração do músculo detrusor da bexiga associada. Tanto assim é que, em última análise, todas as condutas cirúrgicas para tratamento da IUE estão fundamentadas no posicionamento da JUV e da UP. Consideram que os dados ultra-sonográficos devem limitar-se a informar os parâmetros encontrados, sem concluir que se trata de um caso de IUE. Considerando-se que o diagnóstico de IUE é basicamente clínico, é prudente admitir que o médico que está acompanhando a paciente deve utilizar o exame complementar, seja urodinâmica e/ou ultra-sonografia, para auxiliar na compreensão do caso. Todavia, deve interpretar e valorizar o exame complementar para um melhor direcionamento da conduta terapêutica. Não sabemos, ainda, o real significado dos outros parâmetros que estamos analisando na ultra-sonografia da JUV e da UP. Contudo, está claro que o mais importante é determinar se há ou não hipermobilidade da JUV e da UP, principalmente contração primária do músculo detrusor. Mesmo no caso de contração associada do detrusor e se tal contração for motivada pela hipermobilidade da JUV e da UP, ela desaparece com o tratamento cirúrgico para a referida hipermobilidade. Caso tenha outra etiologia, o tratamento pode ser instituído independentemente e após o tratamento da hipermobilidade. Por outro lado, se persistir incontinência urinária por contração do músculo detrusor em uma paciente que foi submetida à cirurgia para tratamento de IUE de forma correta, baseada nos parâmetros ultra-sonográficos da JUV e da UP, a paciente poderá ser tratada adequadamente do problema residual da contração do músculo detrusor com outras terapias. Em 1999, Brandt defendeu, em tese de livre-docência, que a avaliação ultra-sonográfica deveria ser realizada com a bexiga contendo no máximo 50 ml, no entanto não utilizou grupo controle com a bexiga cheia(2). Dietz e Wilson, no mesmo ano, publicaram a influência do volume vesical no deslocamento vertical da JUV e concluíram que com a bexiga vazia havia maior deslocamento vertical da JUV(8). O trabalho em pauta corrobora a tese de Brandt(2), de que há diferença entre realizar a ultra-sonografia da JUV e da UP com a bexiga quase vazia e com a bexiga cheia. E o fator mais importante, muda o paradigma que deveria ser com a bexiga cheia porque haveria maior deslocamento vertical da JUV. Por outro lado, realizamos a ultra-sonografia com a paciente deitada, por via transvulvar, e analisamos o comprimento da UP, a DHJUV e a DP, diferentemente de Dietz e Wilson, que usaram a via transvaginal e se limitaram a avaliar a posição vertical da JUV(8). Mesmo aceitando que a posição vertical da JUV é o dado mais importante na ultra-sonografia, estamos com vários estudos relacionados à ultra-sonografia da JUV e da UP sendo desenvolvidos. Mas, é importante citar que na década de 80 Brandt et al. introduziram, em Recife, a uretrocistografia com corrente, na busca de uma imagem real que retratasse a JUV e a UP em pacientes com IUE(9). Dentre os princípios que norteiam nossas indagações atuais sobre a ultra-sonografia em pacientes com IUE, pode-se destacar como prioritário a realização do referido exame respeitando os princípios de avaliação primária da JUV e da UP, entre os quais a bexiga deve conter no máximo 50 ml de urina.
CONCLUSÃO O volume vesical influi na avaliação ultra-sonográfica da IUE somente no esforço e na posição vertical, sendo que com a bexiga vazia as pacientes deslocam mais a JUV e a UP.
REFERÊNCIAS 1. Diokno AC. Epidemiology of female incontinence. In: Raz SW, ed. Female urology. Philadelphia, London, Toronto: WB Saunders, 1966:73-9. [ ] 2. Brandt FT. Estudo dos parâmetros ultra-sonográficos da uretra proximal e da mobilidade da junção uretrovesical em mulheres, visando estabelecer a importância clínica. (Tese de Livre-Docência). São Paulo, SP: Universidade de São Paulo, 1999. [ ] 3. Brandt FT, Albuquerque CDC, Amaral FJ, Lima EM, Costa RF. Importância da junção uretrovesical na continência urinária passiva e na incontinência urinária de esforço. J Bras Ginec 1996;106: 259-62. [ ] 4. Brandt FT, Albuquerque SC, Souza JR. Parâmetros ultra-sonográficos de normalidade da junção uretrovesical. J Bras Ginec 1998;108:329-34. [ ] 5. Koelbl H, Bernaschek G, Deutinger J. Assessment of female urinary incontinence by introital sonography. J Clin Ultrasound 1990;18:370-4. [ ] 6. Weil EH, van Waalwijk van Doorn ES, Heesakkers JP, Meguid T, Janknegt RA. Transvaginal ultrasonography: a study with healthy volunteers and women with genuine stress incontinence. Eur Urol 1993;24:226-30. [ ] 7. Brandt FT, Albuquerque CDC, Lorenzato FR, Amaral FJ. Perineal assessment of urethrovesical junction mobility in young continent females. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2000;11:18-22. [ ] 8. Dietz HP, Wilson PD. The influence of bladder volume on the position and mobility of the urethrovesical junction. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 1999;10:3-6. [ ] 9. Brandt FT, Albuquerque SC, Brandt CDCA. O emprego da uretrocistografia com corrente em Recife. Radiol Bras 1985;18:142-4. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 22/10/2003. Aceito, após revisão, em 9/1/2004.
* Trabalho realizado na Unidade de Pesquisa em Incontinência Urinária da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. Aprovado pelo Conselho de Ética da Instituição. |