ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Celso Monteiro Soares, Antonio Carlos Pires Carvalho |
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Descritores: Hemorragia intraparenquimatosa, Tomografia computadorizada, Hipertensão, Cefaléia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O hematoma intraparenquimatoso (HIP) cerebral espontâneo é uma condição relativamente freqüente em nosso meio, principalmente nas emergências hospitalares. O diagnóstico clínico do HIP cerebral nem sempre é fácil, podendo ser confundido com outras lesões cerebrais. A contribuição de métodos de diagnóstico por imagem como a tomografia computadorizada (TC) promoveu grande facilidade no diagnóstico diferencial destas doenças, sendo, também, um método mais acessível, rápido e, inicialmente, com menor custo quando comparado a outros métodos de diagnóstico, como a ressonância magnética e a angiografia digital. Estudos nacionais a este respeito ainda são escassos(1,2), o que então estimulou o prosseguimento da pesquisa, através de um estudo retrospectivo e, por fim, compará-lo com estudos internacionais.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram analisados 250 casos de HIP diagnosticados por TC de crânio que apresentavam sinais de sangramento intraparenquimatoso cerebral de maneira espontânea, traduzidos por lesão densa com ou sem halo hipodenso circunjacente (edema). Não foram considerados os casos de hemorragia subaracnóidea isoladamente, nem os casos de sangramento intracerebral com história de traumatismo crânio-encefálico prévio. A Tabela 1 mostra a distribuição dos pacientes por sexo e idade.
Dos casos apurados foram analisados: o local de acometimento, classificando como profundos os hematomas acometendo cápsulas/núcleos da base e como lobares os de acometimento superficial (região cortical); o lado predominante da lesão; se havia ou não drenagem para o sistema ventricular; e os dados clínicos como a presença de cefaléia, hipertensão arterial e coma. Foram selecionados casos em três hospitais distintos: dois localizados na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, sendo um de caráter público, o Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF), do qual foram obtidos 54 casos, e o outro de caráter privado, o Hospital Pan-Americano (HPA), onde foram levantados 140 casos(3). O terceiro hospital está localizado na zona sul da mesma cidade, onde se encontra o Centro de Imagem Pinheiro Machado (CIPM), também de caráter privado e que contribuiu com 56 casos. O objetivo deste trabalho não incluiu o levantamento de dados sobre evolução e prognóstico dos pacientes. Os aparelhos, tanto do HMSF (Siemens AR-Star) quanto do CIPM (Elscint CT-Twin Flash) eram do tipo helicoidal, sendo os dados obtidos no período de 2000 a 2002. No HPA, onde a coleta de dados ocorreu entre 1991 e 1993, o aparelho realizava aquisições simples (Siemens CRX, não helicoidal). As imagens foram obtidas nestes equipamentos com protocolos semelhantes, com espessuras variando entre 2,0 e 5,0 mm para a fossa posterior e entre 8,0 e 10,0 mm para o cérebro.
RESULTADOS Pela localização topográfica, os HIP foram divididos em quatro compartimentos: região profunda dos hemisférios cerebrais (gânglios da base e cápsulas), região superficial (lobar), cerebelo e tronco cerebral (Tabela 2).
Os HIP profundos ocorrem nas regiões do tálamo e dos outros núcleos da base, como o núcleo caudado, núcleo lentiforme, assim como nas cápsulas interna e externa (Figura 1). Os hematomas nesta localização estavam presentes em 136 casos (54,4%), sendo esta a região mais freqüentemente afetada (Tabela 2). O hematoma profundo representou o maior número de hemorragias intraparenquimatosas nos três hospitais.
Foi verificado, neste levantamento, baseado no epicentro do sangramento, que o local mais freqüentemente acometido foi o tálamo em 66 casos (49%), seguido, em ordem decrescente, da cápsula externa em 48 casos (35%), núcleo lentiforme em 15 casos (11%), cápsula interna em seis casos (4%) e núcleo caudado em um caso (1%). Estes tipos de HIP foram os que mais freqüentemente apresentaram alterações tomográficas associadas, tais como desvio da linha média em 54 casos (39,7%), distorção e compressão dos ventrículos adjacentes em 93 casos (68,3%) (Figura 2), e drenagem do hematoma para o compartimento intraventricular (Figura 1) em 73 casos (53,6%).
O HIP de acometimento lobar ocorreu em 87 dos 250 casos, ou seja, 34,8% do total de casos (Tabela 2), sendo considerada hemorragia específica de um ou mais lobos cerebrais. O lobo mais freqüentemente afetado foi o parietal, tendo sido acometido por sangramento em 62 casos (72%), sendo 26 isoladamente e 36 associados a sangramento em outro(s) lobo(s). Outro lobo que porcentualmente se destacou foi o frontal, com 16 casos isolados e 12 associados. As regiões dos hemisférios e vermis cerebelar (Figura 3) foram acometidas em 21 casos (8,4%). No cerebelo o local mais freqüentemente afetado foi o vermis em 11 casos, com os dez restantes acometendo os hemisférios cerebelares, predominantemente o direito. Dos cinco casos de hematoma cerebelar, um deles ocorreu por malformação arteriovenosa, diagnosticada através de estudo angiográfico.
O tronco cerebral foi acometido em seis casos (2,4%), sendo que em todos a ponte era o local do sangramento (Figura 3). Uma vez que na literatura consultada não há citação a respeito do lado predominante de ocorrência do hematoma, foi observado neste estudo que houve certa proporcionalidade entre os 250 casos avaliados. O lado direito foi acometido em 118 casos (47,2%), o esquerdo em 123 casos (49,2%) e os sangramentos próximos à linha média em nove casos (3,6%). A faixa etária com maior número de casos foi entre 51 e 80 anos, com 174 casos (69,6%), mais notadamente entre 61 e 70 anos, com 28,8% do total. Em relação ao sexo, constatou-se que os homens foram acometidos em 117 casos (46,8%) e as mulheres em 133 casos (53,2%). A idade média para os homens foi de 61 anos, enquanto para as mulheres foi de 69 anos. Hipertensão arterial, presente ou não no momento do exame, foi observada em 181 casos (72,4%). O estado comatoso apresentou-se associado ao quadro de HIP em 60 casos (24,0%). A cefaléia foi o sintoma mais comum, presente em 176 pacientes (70,4%). Em 15 casos de hematoma foi comprovada uma malformação artério-venosa, por meio de angiografia, como a causa do HIP. Em seis casos (2,4%) o sangramento se deu por lesões metastáticas comprovadas de sítios previamente conhecidos, sendo três casos de tumor de pulmão, um de cólon, um de próstata e um de melanoma. Somente entre os pacientes do HMSF e do CIPM havia casos de libação alcoólica, observada em seis (6,6%) dos seus 110 casos totais. Nestes pacientes não foi encontrada história de hipertensão arterial. A drenagem para o sistema ventricular também foi avaliada nos casos dos três serviços, revelando um total de 112 casos (44,8%). Destes, 73 correspondiam ao HIP de localização profunda, 26 ao lobar, 13 ao cerebelar e tronco cerebral.
DISCUSSÃO A TC é uma ferramenta bastante eficaz como método de diagnóstico por imagem. A TC do crânio constitui a maioria das solicitações(3,4), muito embora na maior parte das vezes o laudo seja normal. Estudo realizado em 1994(3) mostra que, em um universo de aproximadamente 4.000 exames de TC de crânio realizados entre 1991 e 1993, foram obtidos 1.069 casos de acidentes vasculares encefálicos, sendo 881 isquêmicos (82,4%), 140 (13,1%) hemorrágicos intraparenquimatosos e 48 (4,5%) correspondendo a hemorragia subaracnóidea. Quando a referência se faz somente aos acidentes vasculares hemorrágicos, verifica-se a seguinte distribuição: 73,4% (140 casos) são de HIP e 26,6% (48 casos), de hemorragia subaracnóidea. Sobre a localização dos hematomas, Massaro et al.(5) e Stein et al.(6) assinalaram que o hematoma profundo ocorreu, respectivamente, em 62,0% e 61,3% dos casos. No presente trabalho o hematoma profundo também constituiu maioria, ocorrendo em 54,4% dos 250 casos. Massaro et al.(5) relataram que o HIP lobar ocorreu em 38% dos seus casos, valor próximo ao encontrado no nosso estudo, que teve 34,8% dos casos para o mesmo tipo de localização. As divergências quanto à localização específica mais freqüente foram grandes. Neste levantamento, o tálamo foi a região mais acometida pelos hematomas, correspondendo a 66 casos (49%) dos 136 casos de HIP profundo e a 26,4% dos 250 casos do estudo. Alguns autores, quando são mais precisos quanto à localização topográfica do hematoma, relatam que o putâmen e a cápsula interna são as regiões mais comumente acometidas(2,5-14). Já no estudo de Lynch et al.(15), os hematomas putaminais e holobasais foram os mais freqüentemente observados. O lobo mais comumente afetado no HIP neste levantamento, tal como nos trabalhos de Furlan et al.(16) e Dourado et al.(17), foi o parietal, observado em 26 casos como único lobo acometido e em 36 casos associado a sangramento de outros lobos. Os HIP do cerebelo corresponderam a 21 casos (8,4%) de todos os estudados. Destaca-se apenas que os casos, em sua grande maioria, ocorreram em mulheres (66,7%), sendo o vermis cerebelar (52,4%) o local que mais comumente sangrou. Na literatura não se encontrou destaque significativo quanto a esta localidade dos hematomas. Já as hemorragias do tronco cerebral, que representaram um total de apenas seis casos (2,4%) dos 250 analisados, são raras. A região pontina foi a mais atingida pelo sangramento, ocorrendo em todos os casos, sendo que em alguns destes pacientes (três casos) havia história prévia de uso de substâncias anticoagulantes. De acordo com alguns autores(11,18), no tronco cerebral o local mais freqüentemente atingido é também a região pontina, sendo muito raro o sangramento em território mesencefálico. Foi observado que esta localização de HIP é mais incidente em pacientes mais jovens(19). Assim como relatado nos trabalhos revisados(1,17,20,21), ratifica-se que a cefaléia, as alterações dos níveis de consciência e os vômitos são os sintomas mais comuns encontrados nos pacientes com HIP. Em outro estudo(22) observou-se que os pacientes apresentavam-se hipertensos ao dar entrada no hospital. Neste nosso levantamento a hipertensão estava presente ou fazia parte da história clínica do paciente em 181 (72,4%) dos 250 casos. Salienta-se, por último, que foram encontrados aproximadamente 50% de casos com drenagem para o sistema ventricular, e que esses casos, em sua grande maioria, estavam associados a um prognóstico pior, tal qual no estudo de Dourado et al.(17).
CONCLUSÕES O HIP de localização profunda é o mais comum, seguido pelos hematomas lobares. O local de sangramento profundo mais freqüente é divergente, o lobar ocorrendo no lobo parietal com maior incidência Dos sinais mais freqüentes apresentados, a hipertensão arterial foi o mais comum e a cefaléia a queixa mais relatada. A drenagem para o sistema ventricular está associada mais freqüentemente aos hematomas profundos e aos cerebelares.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 18/7/2003. Aceito, após revisão, em 29/3/2004.
* Trabalho desenvolvido no Hospital Pan-Americano, no Hospital Municipal Salgado Filho e no Centro de Imagem Pinheiro Machado, Rio de Janeiro, RJ. |