Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 38 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2005

EDITORIAL
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Page(s) VII to VIII



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Públio Cesar Cavalcante Viana, Walther Y. Ishikawa, Marcos Roberto de Menezes

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Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, esteve em consulta ambulatorial de retorno no Serviço de Cirurgia do Fígado e Vias Biliares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, queixando-se de dor abdominal na região epigástrica, de caráter oscilante e intensidade progressiva, associada a alteração da coloração das fezes, as quais estavam enegrecidas, com início há três meses. No dia da consulta relatou piora do quadro álgico, agora de caráter incapacitante, que não melhorou com o uso de analgésicos comuns. Ao exame físico o paciente apresentava dor à palpação de região epigástrica, associada a massa pulsátil. Notava-se ainda presença de palidez cutânea e sinais de icterícia. Como antecedentes mórbidos o paciente referia ser etilista crônico e ter apresentando vários episódios anteriores de dores na mesma localização, associados a diarréia crônica. Com este quadro foi encaminhado para o Serviço de Radiologia e solicitado exame de tomografia computadorizada (TC) de abdome (Figura 1).

Achados de imagem

À TC de abdome sem contraste observa-se uma lesão cística na topografia da cabeça do pâncreas, com áreas hiperatenuantes em seu interior, compatível com sangramento recente (42 UH), associada a calcificações grosseiras, principalmente no processo uncinado, e afilamento da cauda pancreática. A lesão comprime o colédoco distal, determinando dilatação das vias biliares a montante (extra e intra-hepáticas). Observa-se ainda, nesta fase, que o ducto pancreático principal está dilatado e em seu interior há presença de material hiperatenuante (sangue) em meio ao líquido pancreático.

Na fase contrastada nota-se que a referida lesão apresenta realce intenso em sua porção central. Como achado adicional observa-se que há uma aparente comunicação entre a lesão e o ducto pancreático principal, que também apresenta contraste em seu interior. Com estes achados foi feita hipótese diagnóstica de pseudo-aneurisma da artéria gastroduodenal complicado com ruptura para o interior do ducto pancreático principal.

O paciente foi encaminhado para o centro cirúrgico e no intra-operatório confirmou-se a presença de dilatação pseudo-aneurismática da artéria gastroduodenal. Após sua incisão foram achados dois óstios, sendo que um deles se comunicava com o ducto pancreático e o outro, que sangrava abundantemente, era originário da artéria gastroduodenal.

Diagnóstico: Pancreatite crônica complicada com formação de hemosuccus pancreaticus.

 

COMENTÁRIOS

Hemosuccus pancreaticus é uma causa rara de hemorragia gastrintestinal secundária à ruptura de um aneurisma ou pseudo-aneurisma da artéria esplênica ou de seus ramos, no interior do ducto pancreático, também conhecido como wirsunrragia(1-3). Menos comumente, as artérias gastroduodenal e hepática estão envolvidas. Sandblom(1) foi o primeiro a descrever um caso de ruptura de aneurisma de artéria hepática comum diretamente para o interior do ducto de Wirsung. Cahow et al.(2) descreveram outros dois casos de hemosuccus devido à ruptura de aneurisma de artéria hepática. Um deles apresentava quadro de pancreatite crônica de etiologia alcoólica, e o outro, pancreatite de origem traumática com formação de pseudocisto. White et al.(4). relataram incidência de 10% de pseudo-aneurismas como complicação de pancreatite em uma série de 73 pacientes submetidos à arteriografia. A pancreatite alcoólica tem sido descrita como a principal causa de pancreatite com complicação vascular e sangramento gastrintestinal espontâneo(5). Já nos casos de etiologia biliar a formação de pseudocisto e pseudo-aneurisma é menos freqüentemente descrita.

A associação de pancreatite com aneurismas viscerais ocorre devido à digestão enzimática da parede dos vasos nas proximidades do pâncreas. A hemorragia para o interior do ducto pancreático é caracterizada classicamente por ser um sangramento oscilante e intermitente. Anemia e algumas vezes choque hipovolêmico, dor epigástrica e elevação dos níveis séricos de amilase são os achados associados mais freqüentes. Esta elevação dos níveis das enzimas pancreáticas é secundária, provavelmente, a uma rápida dilatação ductal pelo sangramento ativo em seu interior. O sangue então flui através da papila para o duodeno e exterioriza-se sob a forma de hemorragia digestiva alta (HDA), caracterizada por hematêmese ou melena(2,6,7). A confirmação deste achado, sangramento pela papila, é excepcional(5). No entanto, uma massa cística demonstrada ao ultra-som de abdome em paciente com pancreatite, dor abdominal recorrente e HDA são sinais clínicos de alerta para a possibilidade de hemosuccus pancreaticus.

A avaliação diagnóstica destes pacientes pode ser feita por meio de ultra-som, TC, colangiografia pancreática endoscópica retrógrada e arteriografia.

Ao ultra-som no modo-B podemos identificar lesões de aspecto cístico que ao serem estudadas com Doppler colorido apresentam o típico padrão de fluxo turbilhonado, cujo aspecto é descrito como "yin-yang", caracterizando uma formação pseudo-aneurismática.

A TC convencional, nestes casos, funciona como uma ferramenta complementar, possibilitando o diagnóstico de pancreatite e sua possível etiologia (alcoólica ou biliar), bem como a confirmação da natureza vascular da referida lesão.

Até o advento das novas tecnologias, particularmente da TC com múltiplos detectores (TCMD), a arteriografia foi colocada como método diagnóstico definitivo e eventualmente utilizada para terapêutica(7-9). Porém, com a TCMD, a possibilidade de realizar reconstruções multiplanares com espessuras de corte submilimétricas, aliada à aquisição de imagens angiotomográficas, pode-se estabelecer não apenas o diagnóstico, como também inferir qual o vaso acometido. Neste sentido, esta nova ferramenta diagnóstica se apresenta como método de escolha na avaliação não invasiva dos quadros de hemorragia digestiva alta, particularmente nos casos de suspeita de complicação vascular de origem pancreática, pois nestes casos a endoscopia digestiva alta apresenta achados inespecíficos(10).

 

REFERÊNCIAS

1. Sandblom P. Gastrointestinal hemorrhage through the pancreatic duct. Ann Surg 1970;171:61-6.

2. Cahow CE, Gusberg RJ, Gottlieb LJ. Gastrointestinal hemorrhage from pseudoaneurysms in pancreatic pseudocysts. Am J Surg 1983;145:534-41.

3. Lam AY, Bricker RS. Pancreatic pseudocyst with hemorrhage into the gastrointestinal tract through the duct of Wirsung. Am J Surg 1975;129:694-5.

4. White AF, Baum S, Buranasiri S. Aneurysms secondary to pancreatitis. AJR 1976;127:393-6.

5. Eckhauser FE, Stanley JC, Zelenock GB, Borlaza GS, Freier DT, Lindenauer SM. Gastroduodenal and pancreaticoduodenal artery aneurysms: a complication of pancreatitis causing spontaneous gastrointestinal hemorrhage. Surgery 1980;88:335-44.

6. Fernandez-Cruz L, Pera M, Vilella A, Llovera JM, Navasa M, Teres J. Hemosuccus pancreaticus from a pseudoaneurysm of the hepatic artery proper in a patient with a pancreatic pseudocyst. Hepatogastroenterology 1992;39:149-51.

7. Dasgupta R, Davies NJ, Williamson RC, Jackson JE. Haemosuccus pancreaticus: treatment by arterial embolization. Clin Radiol 2002;57:1021-7.

8. Gadacz TR, Trunkey D, Kieffer RF Jr. Visceral vessel erosion associated with pancreatitis. Case reports and a review of the literature. Arch Surg 1978;113:1438-40.

9. Pungpapong S, Raimondo M. Hepatic and splenic arteries' pseudoaneurysms causing hemosuccus pancreaticus. JOP 2004;5:395-6.

10. Adler DG, Petersen BT, Gostout CJ. Hemosuccus pancreaticus. Gastrointest Endosc 2004;59:695.

 

 

Endereço para correspondência
Dr. Públio César Cavalcante Viana
E-mail: publioviana@globo.com

 

 

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP.
 
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