ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Edison de Oliveira Freire Filho, Alberto Ribeiro de Souza Leão, Júlia Capobianco, Jacob Szejnfeld, Giuseppe D'Ippolito |
|
Descritores: Cálculo, Ureter, Obstrução ureteral, Litíase, Tomografia computadorizada por raios X |
|
Resumo:
INTRODUÇÃO Diversas anormalidades podem se manifestar clinicamente como dor lombar aguda. Quando esta se localiza preferencialmente nos flancos, deve-se considerar a possibilidade de ureterolitíase, diagnóstico este que às vezes não pode ser feito apenas com base na história clínica, exame físico e estudos laboratoriais(1). Por aproximadamente 70 anos a urografia excretora foi o método de imagem de escolha para o diagnóstico de ureterolitíase, porém, nos últimos anos, a tomografia computadorizada (TC) sem contraste com cortes finos e técnica espiral tem ocupado o seu lugar(15). Os estudos com a utilização desta técnica iniciaram-se em 1995 com Smith et al.(6) e motivaram trabalhos posteriores, que obtiveram resultados semelhantes e animadores(1,3,4,710), sendo este método bastante utilizado atualmente na prática clínica. A grande dificuldade da TC sem contraste parece estar na diferenciação das calcificações entre cálculo ureteral e flebólito, principalmente na região pélvica. Esta diferenciação é dificultada principalmente em pacientes com pouca gordura retroperitoneal e naqueles sem hidronefrose ou hidroureter. A definição do nível da junção ureterovesical (JUV) ajuda nesta diferenciação, uma vez que calcificações abaixo deste nível não poderiam ser cálculos, além de auxiliar na identificação do ureter distal para que ele seja acompanhado superiormente e possamos verificar se a calcificação suspeita encontra-se no seu trajeto. Realizamos este trabalho com o objetivo de estabelecer o nível da JUV identificada na TC com contraste, a partir de reparos anatômicos.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado estudo prospectivo, transversal e observacional, avaliando os exames de TC da pelve com contraste endovenoso de 46 pacientes (31 homens e 15 mulheres) com idade variando de 18 a 45 anos que apresentaram pelo menos um dos ureteres contrastados ao nível da JUV (Figura 1) e sem queixa urinária. Foram excluídos os pacientes com malformações urinárias, massas pélvicas, antecedentes de parto ou cirurgia pélvica e com deformidades da bacia de qualquer natureza. Os pacientes do sexo masculino com idade superior a 45 anos também foram excluídos para evitar possíveis interferências do aumento do volume prostático. Os exames tomográficos foram realizados em aparelho helicoidal com cortes contíguos de 57 mm de espessura, após a injeção venosa de contraste iodado na fase de excreção renal e com contrastação ureteral. Um radiologista experiente mediu, em estação de trabalho, as distâncias do nível do meato ureteral até o nível de dois pontos de referência anatômica fixos, escolhidos aleatoriamente em virtude da sua fácil identificação: o teto acetabular (Figura 2A) e a borda superior da sínfise púbica (Figura 2B).
Foram consideradas, separadamente, medidas efetuadas em pacientes com repleção vesical inferior a 200 ml e igual ou superior a 200 ml e pacientes do sexo masculino e feminino. Para avaliar se houve diferenças estatisticamente significantes entre estes grupos, utilizamos o teste t de Student, considerando p < 0,05 como nível de significância, e valores acima, não significantes.
RESULTADOS O nível da implantação ureteral na bexiga foi identificado, em média, 10,6 ± 8,1 mm abaixo do teto acetabular, variando entre 5 mm acima do teto acetabular e 30 mm abaixo (Figura 3A), e, em média, 29,7 ± 9,5 mm acima da borda superior da sínfise púbica, variando entre 14 e 50 mm acima da borda superior da sínfise púbica (Figura 3B) (Tabela 1).
Nos pacientes com volume de repleção vesical menor que 200 ml e maior ou igual a 200 ml os níveis da implantação ureteral na bexiga foram, em média, 11,6 ± 7,3 mm e 10,2 ± 8,4 mm abaixo do teto acetabular (p = 0,61) e, em média, 28,3 ± 7,3 mm e 30,3 ± 10,2 mm acima da borda superior da sínfise púbica (p = 0,52), respectivamente (Tabela 2).
Quando comparamos os pacientes do sexo masculino com os do sexo feminino, notamos que os níveis da implantação ureteral na bexiga foram, em média, 11,8 ± 8,0 mm e 8,3 ± 8,0 mm abaixo do teto acetabular (p = 0,17) e, em média, 27,7 ± 9,2 mm e 33,9 ± 8,8 mm acima da borda superior da sínfise púbica (p = 0,34), respectivamente (Tabela 3).
É importante observar que em todos os pacientes, independentemente do sexo e do grau de repleção vesical, a JUV localizou-se a menos de 3,0 cm abaixo do teto acetabular e a menos de 1,5 cm acima da borda superior da sínfise púbica (Figura 3).
DISCUSSÃO O diagnóstico tomográfico de litíase ureteral é feito por meio de sinais diretos, quando se identifica uma densidade cálcica no interior da luz ureteral ou dentro da bexiga, ou por sinais secundários e indiretos. Os sinais indiretos, em ordem de freqüência, incluem hidroureter, hidronefrose, estriações na gordura perirrenal, aumento do tamanho renal homolateral, parede ureteral visível ao redor do cálculo (sinal do halo) e heterogeneidade periureteral adjacente ao cálculo(1,11,12). Alguns desses sinais secundários podem estar presentes em alguns pacientes sem doença por cálculo ureteral(12), estar ausentes precocemente e tornar-se mais acentuados com o passar do tempo(13). Outros achados secundários mais recentemente descritos são a ausência unilateral da pirâmide medular hiperdensa(11) e a redução da atenuação do parênquima renal agudamente obstruído, em comparação com o rim contralateral(14). A identificação do cálculo com base na densidade não representa dificuldade. Virtualmente, todos os cálculos apresentam-se radiopacos na TC, mesmo os de ácido úrico, que têm densidade variando entre 300 e 400 UH(8). As únicas exceções são os cálculos gerados pela deposição de inibidores de protease (Indinavir), que devem ser considerados em pacientes em tratamento para vírus da imunodeficiência humana e com sinais obstrutivos indiretos do sistema coletor renal(11,13). Estudos realizados desde Smith et al.(6), em 1995, obtiveram valores preditivos negativos de 91% a 100%, valores preditivos positivos de 96% a 100%, sensibilidade de 95% a 100% e especificidade de 92% a 100%, para a detecção de cálculos ureterais pela TC espiral sem contraste(4), com excelente reprodutibilidade, independentemente do grau de experiência do radiologista(1,9). Devido ao seu elevado valor preditivo negativo, a TC sem contraste pode excluir com segurança a possibilidade de cálculo ureteral, e muitas vezes pode determinar a existência de causas extra-urinárias não suspeitadas de dor abdominal aguda, que incluem apendicite, diverticulite, torção de massa pélvica, aneurisma roto de aorta abdominal, pancreatite, apendicite epiplóica, entre outras menos freqüentes. Além disso, pode demonstrar obstrução ureteral de causa extra-urinária, por exemplo, na presença de massas retroperitoneais(15). A maior dificuldade da TC sem contraste parece estar na diferenciação entre cálculo ureteral e flebólito, principalmente na região pélvica (Figura 4). No entanto, é possível diferenciá-los na maioria dos casos utilizando-se como parâmetro a presença de um fino anel ao redor do cálculo, correspondendo à parede ureteral (sinal do halo) (Figura 4). Outra maneira descrita é definindo-se se a calcificação encontra-se realmente no trajeto do ureter acompanhando-o nos cortes tomográficos superiores desde a junção ureteropiélica e nos cortes tomográficos inferiores até a JUV(11,12). Mesmo assim, em alguns casos não é possível distinguir estas duas calcificações, sendo necessário recorrer à injeção de contraste na TC (Figura 5) ou à urografia excretora.
Utilizando-se dois pontos de referência anatômica fixos tentamos definir o nível de implantação do ureter na bexiga com o objetivo de auxiliar na diferenciação de cálculos ureterais distais de flebólitos pélvicos, diferenciação esta responsável pelo maior número de resultados falso-positivos e falso-negativos nos exames de TC sem o uso de contraste venoso. Temos consciência de que a definição de uma distância exata da JUV para estes reparos anatômicos seria impossível, levando-se em conta as diferenças anatômicas e físicas próprias do corpo humano. É de se esperar que pessoas com, por exemplo, estaturas ou conformações da bacia diferentes tenham variações nestas medidas feitas neste estudo. Diferentemente de tentar definir uma distância exata, tentamos definir um intervalo em que a JUV deve ser procurada e uma distância máxima em que provavelmente ela não estará mais. Dessa forma, podemos observar, em nossa amostra, que em apenas dois pacientes a JUV se encontrava acima do teto acetabular e em nenhum paciente ela se encontrou a mais de 3 cm abaixo deste reparo anatômico. Em relação à borda superior da sínfise púbica, notamos que, em nossa amostra, nenhum dos ureteres se implantou abaixo deste reparo anatômico, ficando entre cerca de 1,5 cm a 5,0 cm acima dela. Avaliamos eventuais interferências do grau de repleção vesical e diferenças decorrentes da anatomia em sexos diferentes, que não apresentaram significância estatística. Anulamos neste estudo eventuais interferências que poderiam ocorrer decorrentes do aumento prostático em homens mais velhos com elevação do assoalho vesical, alterações no nível do assoalho pélvico decorrentes do parto e alterações anatômicas e estruturais decorrentes de cirurgias pélvicas pregressas. Todos esses fatores devem ser levados em consideração na prática diária ao se interpretar os exames desses tipos de pacientes. É importante observar que estudos com número maior de pacientes e correlacionando outras variáveis, como multiparidade, altura dos pacientes e aumento do volume prostático, serão necessários para validar esses resultados iniciais. Na tentativa de se definir um "número mágico" podemos inferir, baseando-se nos nossos dados, que calcificações localizadas abaixo de 3 cm abaixo do teto acetabular (Figura 6A) e abaixo de 1,5 cm acima da borda superior da sínfise púbica (Figura 6B) não representam cálculos ureterais.
CONCLUSÕES O nível da JUV localiza-se, em média, 29,7 mm acima da sínfise púbica e 10,5 mm abaixo do teto acetabular, podendo este dado ajudar na diferenciação entre cálculo ureteral distal e outras calcificações pélvicas. Calcificações localizadas abaixo de 3 cm do teto acetabular e abaixo de 1,5 cm acima da borda superior da sínfise púbica provavelmente não representam cálculos ureterais. O grau de repleção vesical e o sexo não interferem significativamente na posição do meato ureteral.
REFERÊNCIAS 1. Galvão Filho MM, D'Ippolito G, Hartmann LG, et al. O valor da tomografia computadorizada helicoidal sem contraste na avaliação de pacientes com dor no flanco. Radiol Bras 2001;34:129134. [ ] 2. Colistro R, Torreggiani WC, Lyburn ID, et al. Unenhanced helical CT in the investigation of acute flank pain. Clin Radiol 2002;57:435441. [ ] 3. Catalano O, Nunziata A, Altei F, Siani A. Suspected ureteral colic: primary helical CT versus selective helical CT after unenhanced radiography and sonography. AJR Am J Roentgenol 2002; 178:379387. [ ] 4. Hamm M, Knopfle E, Wartenberg S, Wawroschek F, Weckermann D, Harzmann R. Low dose unenhanced helical computerized tomography for the evaluation of acute flank pain. J Urol 2002;167: 16871691. [ ] 5. Gottlieb RH, La TC, Erturk EN, et al. CT in detecting urinary tract calculi: influence on patient imaging and clinical outcomes. Radiology 2002; 225:441449. [ ] 6. Smith RC, Rosenfield AT, Choe KA, et al. Acute flank pain: comparison of non-contrast-enhanced CT and intravenous urography. Radiology 1995; 194:789794. [ ] 7. Smith RC, Verga M, McCarthy S, Rosenfield AT. Diagnosis of acute flank pain: value of unenhanced helical CT. AJR Am J Roentgenol 1996; 166:97101. [ ] 8. Sommer FG, Jeffrey RB Jr, Rubin GD, et al. Detection of ureteral calculi in patients with suspected renal colic: value of reformatted noncontrast helical CT. AJR Am J Roentgenol 19 95;165: 509513. [ ] 9. Freed KS, Paulson EK, Frederick MG, et al. Interobserver variability in the interpretation of unenhanced helical CT for the diagnosis of ureteral stone disease. J Comput Assist Tomogr 1998;22:732737. [ ] 10. Sourtzis S, Thibeau JF, Damry N, Raslan A, Vandendris M, Bellemans M. Radiologic investigation of renal colic: unenhanced helical CT compared with excretory urography. AJR Am J Roentgenol 1999;172:14911494. [ ] 11. Dalrymple NC, Casford B, Raiken DP, Elsass KD, Pagan RA. Pearls and pitfalls in the diagnosis of ureterolithiasis with unenhanced helical CT. RadioGraphics 2000;20:439447; quiz 527528, 532. [ ] 12. Lanoue MZ, Mindell HJ. The use of unenhanced helical CT to evaluate suspected renal colic. AJR Am J Roentgenol 1997;169:15791584. [ ] 13. Varanelli MJ, Coll DM, Levine JA, Rosenfield AT, Smith RC. Relationship between duration of pain and secondary signs of obstruction of the urinary tract on unenhanced helical CT. AJR Am J Roentgenol 2001;177:325330. [ ] 14. Georgiades CS, Moore CJ, Smith DP. Differences of renal parenchymal attenuation for acutely obstructed and unobstructed kidneys on unenhanced helical CT: a useful secondary sign? AJR Am J Roentgenol 2001;176:965968. [ ] 15. Katz DS, Scheer M, Lumerman JH, Mellinger BC, Stillman CA, Lane MJ. Alternative or additional diagnoses on unenhanced helical computed tomography for suspected renal colic: experience with 1000 consecutive examinations. Urology 2000;56:5357. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 22/9/2005.
* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina e no Hospital e Maternidade São Luiz, São Paulo, SP. |