Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 39 nº 5 - Set. / Out.  of 2006

RELATO DE CASO
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Page(s) 379 to 382



Cisticercose intradural-extramedular cerebral e espinhal: relato de caso e revisão da literatura

Autho(rs): Luiz Antonio Rossi, Adalberto Sestari, Modesto Cerioni Jr.

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Texto em Português English Text

Descritores: Cisticercose, Cérebro, Coluna, Ressonância magnética

Keywords: Cysticercosis, Brain, Spine, Magnetic resonance imaging

Resumo:
Relato de um caso raro de apresentação de infestação por cisticercose do espaço subaracnóide cerebral e intra-raquiano nas regiões cervical e torácica em mulher de 59 anos de idade, com náuseas, sinais de ataxia cerebelar e perda gradual da sensibilidade nas pernas. O diagnóstico foi feito por meio de imagens por ressonância magnética do cérebro e da coluna cérvico-torácica, que evidenciaram a presença de cistos nos espaços subaracnóides. O exame do líquido cefalorraquiano revelou teste imunológico ELISA positivo e elevado nível de proteína (420 mg/dl), indicativo de atividade da doença. Os parasitos foram removidos cirurgicamente pela necessidade de descompressão da medula espinhal torácica. Breve comentário sobre a patogênese da forma cística da cisticercose espinhal intradural-extramedular, aspectos das imagens de ressonância magnética e tratamento foram feitos com base nos achados de revisão da literatura.

Abstract:
Report on a rare case of infestation by cysticercosis involving the cerebral subarachnoid space and the epidural space in the cervical and thoracic regions of a 59-year old female patient who presented nausea, signs of cerebelar ataxia and gradual loss of the sensibility in both legs. The diagnosis was based on magnetic resonance imaging of brain and cervical-thoracic spine demonstrating the presence of cysts in the subarachnoid spaces. An enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) performed on cerebrospinal fluid resulted positive and demonstrated a protein level of 420 mg/dl indicating the disease activity. Parasites were surgically removed for the necessity of thoracic spinal cord decompression. Based on findings of literature review, brief comments were made on the pathogenesis of the intradural-extramedullary spinal cysticercosis cystic form, magnetic resonance imaging findings and treatment.

 

 

INTRODUÇÃO

Cisticercose humana é a doença parasitária causada pelo estágio larval da Taenia solium (cisticerco) que mais comumente afeta o sistema nervoso central, especialmente em países em que a infra-estrutura sanitária é deficiente, particularmente na América Latina, África e Ásia e ainda com relativa freqüência em Portugal, Espanha e países do leste europeu, e endêmica nos países desenvolvidos com alta taxa de imigração de áreas endêmicas(1?3).

O verme adulto se desenvolve em humanos após a ingestão de carne de porco infectada, mal cozida, contendo a larva encistada. A cisticercose humana é adquirida pela via oral-fecal após contato com membro da família ou da comunidade com o verme adulto, assim como por auto-infestação em paciente com verme adulto intestinal. Uma vez ingerido o ovo e rompida a "casca", a larva se desenvolve e procura alojamento em tecidos moles, primariamente no cérebro, na medula espinhal, nos músculos cardíaco/extra-ocular/esquelético, no globo ocular, no tecido gorduroso e na pele(1?3).

A cisticercose cerebral e espinhal medular intraparenquimatosa é causada por cistos e/ou nódulos inflamatórios granulomatosos, enquanto a cisticercose localizada nas regiões fora do parênquima, como no interior dos espaços liquóricos periencefálicos (incluindo o sub-aracnóideo da região dos sulcos corticais e cisternas encefálicas), ventrículos cerebrais e espaço intradural-extramedular da coluna vertebral, é tipicamente cística.

Este é um relato de caso dos aspectos clínico-radiológico-patológicos da cisticercose intradural-extramedular cerebral e espinhal na forma cística, com breve revisão da literatura.

 

RELATO DO CASO

Mulher de 59 anos de idade, branca, foi admitida para avaliação com quadro de náuseas, ataxia cerebelar, perda gradual da sensibilidade nas pernas, distúrbios do ato miccional e de evacuação. Ao exame físico geral e neurológico foram caracterizados reflexos diminuídos nas extremidades baixas e hiperestesia no dermátomo T6.

A ressonância magnética (RM) revelou lesões císticas nos espaços sub-aracnóideos do cérebro, coluna espinhal cervical e torácica com sinais de compressão na medula espinhal torácica (Figuras 1 e 2).

 

 

 

 

Os exames laboratoriais do líquido cefalorraquiano (LCR) coletado por punção lombar revelaram taxa elevada de proteína (420 mg/dl) e a pesquisa de anticorpo para cisticerco, teste ELISA, foi positivo.

Devido ao efeito compressivo dos cistos sobre a medula espinhal torácica, foi indicado tratamento cirúrgico, o qual evidenciou várias lesões císticas nos espaços sub-aracnóideos logo após a incisão na dura-máter, sendo estas removidas uma a uma (Figura 3).

 

 

DISCUSSÃO

O primeiro caso de vesículas no corpo caloso foi descrito por Paranoli em 1550. Paracelso correlacionou a coexistência de vesículas cerebrais e crises convulsivas em 1650, enquanto Ridi e Malpighi caracterizaram essas lesões de natureza parasitária em 1686. A primeira referência de cisticercose intra-raquiana é atribuída a Rokitansky em 1856(4).

A forma intra-raquiana da neurocisticercose é bastante rara, sendo a apresentação intradural-extramedular a mais freqüente e a intramedular, menos freqüente. Entre 205 enfermos internados no Serviço de Neurologia do Hospital Vera Cruz de Campinas, SP, no período de 1961 a 1987, somente 18 (9,0%) tiveram diagnóstico definitivo de neurocisticercose, e apenas três (1,4%) apresentaram infestação espinhal intradural-extramedular pela cisticercose(5).

Na literatura há um excelente trabalho de revisão que analisou 95 casos publicados de cisticercose espinhal, desde 1865, dos quais 61 (66,0%) tinham localização intradural-extramedular e 33 (34,0%), localização intramedular(4). Muitos trabalhos dessa revisão e outros mais recentes(1,3,6) mostraram, como no presente caso, o envolvimento simultâneo dos espaços liquóricos intradural-extramedular espinhal em diferentes segmentos e cerebral (Quadro 1).

 

 

A forma de disseminação da larva do cisticerco para o espaço intradural-extramedular espinhal tem sido explicada pelo grande armazenamento de sangue oriundo dos plexos venosos intra-raquianos epidurais sem válvulas, com veias de paredes finas, o que pode conduzir o sangue em qualquer direção, variando com as alterações de pressões intra-abdominal e intratorácica. Dois casos de disseminação primária da larva do cisticerco para o espaço intradural-extramedular espinhal sem envolvimento cerebral confirmado cirurgicamente corrobora a hipótese do fluxo retrógrado dessas larvas através das veias dos plexos venosos epidurais acima descrito, diferentemente do que postula de La Riva, a migração dos parasitas do espaço subaracnóideo cerebral para o espinhal no sentido descendente(7).

O termo cisticercose racemosa (cysticercus racemosus) tem sido utilizado por vários autores e é dado a desenvolvimento de grandes vesículas translúcidas, com grandes caudas, multilobulada ou ramificada, sem escólex, no interior dos espaços subaracnóideos(1,3,5,6,8).

A cisticercose intra-raquiana intradural-extramedular pode ser assintomática ou apresentar poucos sintomas por períodos prolongados. Os sintomas podem variar, dependendo do segmento da coluna vertebral (cervical, dorsal, lombar ou sacral) em que os cistos se alojam(1?3,6). Quando o cisto está localizado no segmento cérvico-torácico da coluna, os sintomas são mais evidentes e geralmente ocasionam síndrome da compressão medular, como visto neste caso: perda gradual da sensibilidade nas pernas, hiperestesia no dermátomo correspondente e alterações fisiológicas de micção e evacuação. Já no segmento lombo-sacro comumente o quadro clínico se apresenta como radiculopatia localizada, podendo ser confundida com discopatia(1?3,6).

A mielotomografia computadorizada foi, antes do advento da RM, o método de imagem utilizado para a investigação de lesões que produziam sintomas de compressão medular e/ou radicular, apesar de seu caráter invasivo. Este procedimento mostrava lesões hipodensas arredondadas intra-raquianas margeadas pelo contraste iodado introduzido por via intratecal(2,5,6).

Atualmente, o método de imagem de escolha para o diagnóstico da cisticercose intradural extramedular é a RM, a qual demonstra com precisão as lesões císticas nos espaços liquóricos sub-aracnóideos das regiões periencefálicas ou espinhais e, principalmente, porque se constitui em procedimento não invasivo(1,3,8,9).

As imagens de RM mostram a localização exata e os contornos desses cistos, os quais se apresentam com intensidade de sinal semelhante ao LCR, hipossinal na seqüência ponderada em T1 e hipersinal na seqüência ponderada em T2(1,3,8,9), idênticas às evidenciadas nos exames do paciente deste relato.

Entretanto, essas características podem ser diferentes quando os cistos sofrem alterações inflamatórias, tornando as imagens hiperintensas quer na seqüência ponderada em T1, quer na seqüência ponderada em T2, devido ao conteúdo protéico elevado(3). Após a infusão endovenosa do meio de contraste paramagnético, o cisto e a meninge ao redor da medula adjacente podem sofrer realce (aracnoidite)(1?3,8), o que não ocorreu neste relato de caso.

Um espectro de diagnóstico diferencial deve ser considerado quando se detectam lesões de características císticas intra-raquianas em imagens por RM: lesões congênitas (cistos aracnóides simples ou complexos, cistos dermóides), cistos de outra etiologia parasitária (cisto hidático), tuberculose, sarcoidose ou neoplasia metastática subaracnóidea(1,3).

O teste sorológico ELISA positivo e taxas elevadas de proteínas no LCR podem auxiliar no diagnóstico, indicar a atividade da doença e servir como seguimento e controle do tratamento medicamentoso(6). No caso ora relatado, os exames laboratoriais do LCR revelam-se com nível de proteína elevado (420 mg/dl) e teste sorológico ELISA positivo.

O tratamento geralmente é conservador, apresentando bons resultados com a administração de drogas cisticidas como o praziquantel ou o albendazol por via oral, revelando melhor eficácia de tratamento com este último(8,9). Nos casos em que se detectam sinais de compressão medular e/ou radicular, a indicação de cirurgia se torna necessária, como ocorreu no paciente deste relato. O aspecto interessante da cirurgia descompressiva deste caso foi a documentação fotográfica da remoção cirúrgica cuidadosa e individual dos cistos, o que possibilitou a correlação radiológico-cirúrgico-patológica.

A cisticercose é um grave problema de saúde pública mundial, incluindo os países desenvolvidos, devido à alta taxa de imigração de áreas endêmicas. A gravidade da doença é determinada quando os cisticercos na forma cística envolvem os espaços sub-aracnóideos, produzindo sintomas medulares quando no segmento cérvico-torácico e radiculares quando no segmento lombo-sacro, necessitando de cirurgia devido ao freqüente insucesso no tratamento clínico conservador. O diagnóstico pode ser concluído pela combinação dos achados: história epidemiológica, sinais clínicos e sintomas clássicos, exames de imagem por RM, exames laboratoriais e testes sorológicos do LCR.

 

REFERÊNCIAS

1. Leite CC, Jinkins JR, Escobar BE, et al. MR imaging of intramedullary and intradural-extramedullary spinal cysticercosis. AJR Am J Roentgenol 1997;169:1713?1717.         [  ]

2. Bandres JC, White AC Jr, Samo T, Murphy EC, Harris RL. Extraparenchymal neurocysticercosis: report of five cases and review of management. Clin Infect Dis 1992;15:799?811.         [  ]

3. Çiftçi E, Diaz-Marchan PJ, Hayman LA. Intradural-extramedullary spinal cysticercosis: MR imaging findings. Comput Med Imaging Graph 1999;23:161?164.         [  ]

4. Gallani NR, Zambelli HJ, Roth-Vargas AA, Limoli Junior C. Spinal cord cysticercosis: report of 2 cases, review of the literature, and comments on its pathogeny. Arq Neuropsiquiatr 1992; 50:343?350.         [  ]

5. Rossitti SL, Roth-Vargas AA, Moreira AR, Sperlescu A, Araújo JF, Balbo RJ. Pure spinal leptomeningeal cysticercosis. Arq Neuropsiquiatr 1990; 48:366?370.         [  ]

6. Parker F, Hladky JP, Breton JO, Mignard C, Laporte JP, Bousquet C. Cysticercose racemeuse de la queue de cheval et arachnoidite kystique. Neurochirurgie 1988;34:280?285.         [  ]

7. Sperlescu A, Balbo RJ, Rossitti SL. Brief comments on the pathogenesis of spinal cysticercosis. Arq Neuropsiquiatr 1989;47:105?109.        [  ]

8. Martinez HR, Rangel-Guerra R, Arredondo-Estrada JH, Marfil A, Onofre J. Medical and surgical treatment in neurocysticercosis: a magnetic resonance study of 161 cases. J Neurol Sci 1995; 130:25?34.         [  ]

9. Corral I, Quereda C, Moreno A, et al. Intramedullary cysticercosis cured with drug treatment. A case report. Spine 1996;21:2284?2287.        [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Luiz Antonio Rossi
Rua Cornélio Pires, 284, Condomínio Campos de Santo Antonio
Itu, SP, 13.305-500
E-mail: luizrossimd@uol.com.br

Recebido para publicação em 24/6/2004.
Aceito, após revisão, em 15/12/2004.

 

 

* Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira", São Paulo, SP.


 
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