NOVIDADES TÉCNICAS
|
|
|
|
Autho(rs): Edward Araujo Júnior, Sebastião Marques Zanforlin Filho, Cláudio Rodrigues Pires, Hélio Antônio Guimarães Filho, Luciano Marcondes Machado Nardozza, Antonio Fernandes Moron |
|
Descritores: Doença cardíaca fetal, Diagnóstico pré-natal, STIC |
|
Resumo: VProfessor Titular do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo
INTRODUÇÃO As doenças cardíacas congênitas (DCC) são as mais comuns malformações congênitas ao nascimento. Apresentam prevalência que varia de 4 para 11 em 1.000 nascidos vivos. Metade dos casos é considerada defeitos maiores, que são responsáveis por aproximadamente 20% das mortes no período neonatal e mais de 50% das mortes na primeira infância(1). O diagnóstico pré-natal pode melhorar o resultado neonatal em algumas formas de DCC(2). A ultra-sonografia bidimensional é a técnica de escolha para o diagnóstico pré-natal das DCC, entretanto, apresenta as seguintes limitações: o tamanho do coração varia com a idade gestacional; a posição fetal pode variar durante o exame, dificultando a visualização das estruturas; a movimentação fetal pode impedir a aquisição de todas as imagens necessárias; oligoâmnio pode dificultar a obtenção das imagens; a interpretação das imagens deve ser feita em tempo real, durante o exame ou após revendo o videoteipe; e a aquisição das imagens pode consumir longo tempo(3). Nos últimos anos, grandes esforços têm sido realizados na tentativa de se aumentar a detecção intra-útero das DCC, tendo inclusive o American Institute of Ultrasound in Medicine (AIUM) instituído a inclusão do corte da via de saída dos grandes vasos da base ao corte de quatro câmaras cardíacas para essa finalidade(4). Recentemente, com a introdução da ultra-sonografia de terceira (3D) e quarta dimensão (4D) na prática obstétrica, tem-se tentado a aquisição do volume cardíaco como uma forma de se aumentar a detecção de DCC. As vantagens desse método são: menor dependência do ângulo de aquisição, da posição fetal e da experiência do operador, e ainda, a possibilidade de armazenamento para posterior avaliação por um especialista em ecocardiografia fetal(5,6). Suas principais desvantagens são os artefatos decorrentes da movimentação fetal e movimentos respiratórios maternos. O spatio-temporal image correlation (STIC) é um avanço tecnológico do ultra-som 4D que permite a aquisição do volume do coração fetal e suas conexões, possibilitando a reconstrução da anatomia cardíaca nos modos multiplanar e de superfície, além de permitir avaliação em movimento através do cineloop(7?9). Atualmente, com o avanço tecnológico, há a possibilidade de incorporação dos modos Doppler colorido e de amplitude à escala de cinzas, possibilitando novos diagnósticos(10,11). O STIC permite, ainda, a transmissão das informações presentes no volume cardíaco através da Internet (tele-STIC), possibilitando a análise dos dados por especialistas(12). O objetivo deste artigo é descrever a técnica do STIC, limitações, vantagens e potenciais aplicações, além de revisar o que há de mais atual na literatura sobre essa nova tecnologia.
DESCRIÇÃO DA TÉCNICA O STIC é um software integrado ao aparelho Voluson 730 Expert (General Electric Medical Systems, Kretztechnik, Zipf, Áustria), sendo as varreduras realizadas em tempo-real com transdutor convexo de varredura automática (RAB 4?8 MHz). As varreduras são realizadas no corte transversal ao longo do tórax e abdome, até a visualização do corte das quatro câmaras cardíacas. Sempre que possível, deve-se tentar a aquisição com o ápice cardíaco orientado anteriormente e com ângulo de 10º a 45º entre o septo interventricular e o feixe de ultra-som. A aquisição volumétrica dura entre 7,5 e 12,5 segundos. Sempre que possível, a aquisição deve ser realizada na ausência de movimentos fetais, e a paciente deve momentaneamente suspender a respiração. Após a aquisição volumétrica, pode-se realizar os ajustes necessários como brilho/contraste para otimizar a resolução de contraste do tecido. O volume obtido da varredura é processado de duas formas: modo multiplanar e modo de superfície. Em ambos os modos a imagem pode ser avaliada de forma estática ou em movimento através do cineloop. No modo multiplanar, a imagem do coração é mostrada em três planos ortogonais (axial, sagital e coronal). O plano A (superior esquerdo) contém o corte de quatro câmaras (axial), enquanto o plano B (superior direito) e o plano C (inferior esquerdo) contêm os cortes do coração nos planos sagital e coronal, respectivamente (Figura 1). Imagens das vias de saída, do arco aórtico e do arco ductal podem ser obtidas pela rotação do coração ao longo dos três eixos ortogonais (x, y e z) e pela movimentação do ponto de referência. O modo de superfície representa o volume cardíaco renderizado, apresentando uma seqüência de cineloop, que, por sua vez, permite a avaliação da movimentação cardíaca através de um ciclo cardíaco completo (Figura 2). O cineloop pode ser iniciado com uma velocidade mais lenta, e a qualquer momento pode ser interrompido para uma análise mais detalhada de alguma estrutura cardíaca, por exemplo, a avaliação das valvas (Figura 3).
Pode-se associar os modos Doppler colorido e de amplitude à escala de cinzas, entretanto, deve-se atentar por manter o frame rate do ultra-som bidimensional acima de 17 Hz para permitir a aquisição de um maior número de imagens e, conseqüentemente, melhorar a qualidade da imagem (Figuras 4 e 5).
Após a aquisição volumétrica, os dados obtidos são armazenados em discos rígidos do computador para posterior avaliação. A análise pode ser realizada no próprio aparelho ou transferida para discos compactos (CD) e avaliadas por um software específico chamado 4D Views (versão 2.1, Luminary, General Electric Medical Systems; Krestztechnic, Zipf, Áustria).
LIMITAÇÕES Potenciais limitações dessa técnica, como idade gestacional precoce (inferior a 13 semanas), posição fetal (sombras acústicas das costelas), obesidade materna e cirurgias abdominais prévias, podem interferir na qualidade das imagens, mas esses fatores são inerentes à ultra-sonografia convencional e não podem ser considerados específicos do método STIC. Movimentação fetal, mudanças súbitas na freqüência cardíaca fetal durante a aquisição volumétrica e movimentos respiratórios maternos são fatores adicionais que podem afetar a técnica, causando interferência na captação das informações necessárias à reconstrução das estruturas cardíacas nos planos B (sagital) e C (coronal); o plano A (axial) não é alterado por ser o plano original de aquisição. Quando se associa o Doppler colorido ou de amplitude à escala de cinzas, as principais limitações estão relacionadas ao ângulo de insonação, devendo-se evitar a incidência perpendicular.
VANTAGENS As seguintes vantagens da técnica STIC são descritas: 1. A técnica permite resolução temporal que corresponde a um frame-rate do modo bidimensional de aproximadamente 80 frames/s quando a imagem é vista no formato de cineloop. 2. Permite o exame com um número ilimitado de planos de imagens (por meio de rotação nos três eixos ortogonais, ou por rotação do ponto de referência no modo multiplanar). 3. Permite visualização de estrutura cardíaca específica no modo de superfície com cineloop e na função zoom, possibilitando avaliação da morfologia e função do coração. 4. Possibilita menor tempo de avaliação, principalmente quando se suspeita de defeitos cardíacos complexos. 5. Permite o armazenamento das informações para posterior análise por um especialista em ecocardiografia fetal; dessa forma, ultra-sonografistas gerais podem fazer a captura dos volumes e enviá-los a centros terciários para análise por especialistas por meio da telemedicina via um provedor de Internet (tele-STIC). 6. Permite maior detecção de doenças cardíacas congênitas, uma vez que não há necessidade de treinamento específico em ecocardiografia fetal, tornando-se um método acessível ao ultra-sonografista geral. 7. No modo de superfície, permite fácil entendimento da anatomia cardíaca pelos pais, principalmente nos casos suspeitos de cardiopatias congênitas.
APLICAÇÕES A técnica STIC permite a avaliação espacial das relações entre o coração e os grandes vasos da base. Através do modo multiplanar pode-se avaliar em detalhes o septo interventricular, as valvas átrio-ventriculares, a via de saída dos grandes vasos, aorta e arco ductal. O modo de superfície, na seqüência cineloop, avalia os movimentos cardíacos, sendo de grande importância na pesquisa de alterações na morfologia e função. A combinação do modo Doppler à escala de cinzas permite a avaliação do fluxo sanguíneo nos vasos da base e nas câmaras cardíacas, permitindo mais fácil visualização das vias de saída dos grandes vasos e a localização e extensão de defeitos no septo interventricular.
REVISÃO DA LITERATURA Gonçalves et al.(8) realizaram o primeiro estudo descrevendo as aplicações do STIC na avaliação cardíaca fetal. Foram avaliados 69 fetos, sendo 35 normais, 16 com anomalias congênitas sem comprometimento do sistema cardiovascular, e 18 com anomalias congênitas. As varreduras foram feitas nos planos transversal e sagital do tórax. As análises foram realizadas nos modos multiplanar e de superfície. Concluíram que essa técnica pode complementar outra modalidade de diagnóstico por imagem para o diagnóstico pré-natal de DCC. Suas potencias vantagens são a possibilidade de análise na ausência da paciente e nova modalidade para ensino médico. O mesmo grupo acima citado descreveu as aplicações do STIC associando o Doppler colorido à escala de cinzas. Foram avaliados sete fetos, sendo quatro sem anormalidades, um com malformação extracardíaca e dois com anomalias cardíacas detectadas pela ecocardiografia. Observaram que o modo multiplanar associado ao Doppler permitiu adequada avaliação da localização e extensão de defeitos septais. O modo de superfície associado ao Doppler permitiu adequada avaliação das vias de saída dos grandes vasos (tanto em feto com anatomia cardíaca normal quanto em feto com dupla via de saída do ventrículo direito), jato de regurgitação em caso de insuficiência tricúspide e visualização do fluxo venoso ao nível do forame oval(11). Em estudo semelhante ao de Gonçalves et al., Chaoui et al.(10) avaliaram 35 fetos normais e 27 fetos com DCC entre 18 e 35 semanas, sendo as varreduras realizadas ao nível do corte das quatro câmaras cardíacas. Concluíram que o STIC em associação com o Doppler colorido é técnica promissora para a avaliação cardíaca nos modos multiplanar e de superfície. As limitações da técnica ocorrem em gestações tardias, devido às maiores dimensões do coração, e em gestações precoces como resultado da baixa discriminação de sinais. Além do mais, a insonação perpendicular da estrutura de interesse deve ser evitada por não fornecer sinal Doppler. Viñals et al.(12) avaliaram a aquisição do volume cardíaco fetal pelo STIC por ginecologistas gerais, e via Internet a análise desses volumes era realizada por um especialista em ecocardiografia fetal, para confirmar ou excluir anomalia cardíaca. Foram avaliadas, prospectivamente, 50 gestantes entre 20 e 36 semanas, sendo as aquisições volumétricas realizadas por dois ginecologistas gerais moradores em áreas remotas do Chile. Para cada paciente, as estruturas cardíacas foram classificadas como: não identificada; identificada, mas inadequada para o diagnóstico; e adequada para o diagnóstico. Dos 50 fetos, três tinham DCC confirmada no pós-natal, dois tinham anomalias extracardíacas e um tinha suspeita de DCC não confirmada pelo especialista usando o tele-STIC. Os fetos com DCC foram encaminhados para centro terciário, beneficiando-se da assistência neonatal especializada. Concluem dizendo que no Chile, assim como em outros países, onde há poucos especialistas em ecocardiografia fetal, e pequeno acesso à assistência neonatal de qualidade, a técnica STIC pode aumentar a detecção pré-natal de DCC e, conseqüentemente, oferecer adequado suporte a esses recém-nascidos.
CONCLUSÕES A técnica STIC é um grande avanço na avaliação cardíaca fetal pelo ultra-som 3D/4D, possibilitando o diagnóstico de um grande número de patologias cardíacas não-septais, pois permite a aquisição de qualquer plano de visão. Tem ainda as vantagens de ser aquisição rápida, não necessitar de treinamento específico e permitir a análise na ausência da paciente por um especialista em ecocardiografia fetal. Em nosso meio, onde há poucos centros de referência em cardiologia infantil, e ao mesmo tempo baixo acesso à assistência neonatal de qualidade, a maior difusão do método pode permitir um aumento nas taxas de detecção de doenças cardíacas congênitas. Com isso, as gestantes portadoras de fetos com cardiopatias seriam transferidas para centros de referência com todo suporte neonatal adequado, o que contribuiria de forma decisiva para a diminuição da mortalidade infantil por cardiopatias congênitas.
REFERÊNCIAS 1. Hoffman JI, Christianson R. Congenital heart disease in a cohort of 19,502 births with long-term follow-up. Am J Cardiol 1978;42:641?647. [ ] 2. Franklin O, Burch M, Manning N, Sleeman K, Gould S, Archer N. Prenatal diagnosis of coarctation of the aorta improves survival and reduces morbidity. Heart 2002;87:67?69. [ ] 3. DeVore GR, Medearis AL, Bear MB, Horenstein J, Platt LD. Fetal echocardiography: factors that influence imaging of the fetal heart during the second trimester of pregnancy. J Ultrasound Med 1993;12:659?663. [ ] 4. Lee W. Performance of the basic fetal cardiac ultrasound examination. J Ultrasound Med 1998; 17:601?607. [ ] 5. Sklansky MS, Nelson TR, Pretorius DH. Usefulness of gated three-dimensional fetal echocardiography to reconstruct and display structures not visualized with two-dimensional imaging. Am J Cardiol 1997;80:665?668. [ ] 6. Michailidis GD, Simpson JM, Karidas C, Economides DL. Detailed three-dimensional fetal echocardiography facilitated by an Internet link. Ultrasound Obstet Gynecol 2001;18:325?328. [ ] 7. DeVore GR, Falkensammer P, Sklansky MS, Platt LD. Spatio-temporal image correlation (STIC): new technology for evaluation of the fetal heart. Ultrasound Obstet Gynecol 2003;22:380?387. [ ] 8. Gonçalves LF, Lee W, Chaiworapongsa T, et al. Four-dimensional ultrasonography of the fetal heart with spatio-temporal image correlation. Am J Obstet Gynecol 2003;189:1792?1802. [ ] 9. Viñals F, Poblete P, Giuliano A. Spatio-temporal image correlation (STIC): a new tool for the prenatal screening of congenital heart defects. Ultrasound Obstet Gynecol 2003;22:388?394. [ ] 10. Chaoui R, Hoffmann J, Heling KS. Three-dimensional (3D) and 4D color Doppler fetal echocardiography using spatio-temporal image correlation (STIC). Ultrasound Obstet Gynecol 2004;23: 535?545. [ ] 11. Gonçalves LF, Romero R, Espinoza J, et al. Four-dimensional ultrasonography of the fetal heart using color Doppler spatio-temporal image correlation. J Ultrasound Med 2004;23:473?481. [ ] 12. Viñals F, Mandujano L, Vargas G, Giuliano A. Prenatal diagnosis of congenital heart disease using four-dimensional spatio-temporal image correlation (STIC) telemedicine via an Internet link: a pilot study. Ultrasound Obstet Gynecol 2005;25:25?31. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 22/9/2005.
* Trabalho realizado no Centro de Treinamento em Ultra-sonografia de São Paulo (Cetrus) e no Setor de Ultra-sonografia Tridimensional do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP. |