ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Maria do Carmo de Souza Rodrigues, Alexandra Maria Vieira Monteiro, Juan Clinton Llerena Junior, Alexandre Ribeiro Fernandes |
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Descritores: Esquizencefalia, Tomografia computadorizada, Aspectos clínicos |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Esquizencefalia(1) é uma rara anomalia congênita do córtex cerebral, que consiste de fendas atingindo toda a espessura dos hemisférios cerebrais delimitadas por córtex anômalo(2?4), com conseqüente comunicação entre os espaços ventricular e subaracnóide(3,4). Freqüentemente, envolve as regiões perissilvianas(2,5) e grandes porções dos hemisférios cerebrais podem estar ausentes e substituídas por líquor(2). O quadro clínico varia segundo a extensão e a localização das fendas, desde inteligência normal até convulsões e grave comprometimento neurológico(2,3,5,6). O diagnóstico diferencial deve ser feito com holoprosencefalia(7), porencefalia(7?9), hidranencefalia(7,9,10) e cistos subaracnóides(9,10). Dubey et al.(7) destacaram as características cardeais da esquizencefalia: fenda hemisférica delimitada por bainha pial-ependimal usualmente bilateral e na região perissilviana; fenda revestida por substância cinzenta que comunica o espaço subaracnóide com o ventrículo lateral, e a associação com múltiplas anomalias intracranianas, como polimicrogiria, heterotopias, ausência de septo pelúcido, hipoplasia de nervo óptico e agenesia de corpo caloso. A maioria dos casos descritos é esporádica, porém há relatos de casos familiares(3,6,11). Alguns autores(2,3,6) descreveram mutações no gene homeótico EMX2 (Empty Spiracles, Drosophila, 2, Homolog of) em pacientes portadores de esquizencefalia. Vários aspectos da esquizencefalia ainda permanecem obscuros, como a etiologia, os mecanismos e os estágios do desenvolvimento envolvidos na sua patogenia. Os dados das publicações científicas especializadas apontam para uma anomalia heterogênea em sua patogenia e etiologia, sendo descritos fatores genéticos e ambientais, defeitos na morfogênese cerebral e resultantes de fatores disruptivos, e defeitos na proliferação e/ou migração neuronal, migração neuronal e/ou organização cortical, e especificação de áreas corticais. Dentre os métodos de imagem, a tomografia computadorizada é capaz de detectar os achados característicos, embora a ressonância magnética seja o método padrão "ouro" para avaliação anatômica mais detalhada(9). Porém, as desvantagens da ressonância magnética são seu alto custo e inacessibilidade por parte da população(12). O objetivo deste estudo foi correlacionar o quadro clínico de um grupo de crianças com diagnóstico tomográfico de esquizencefalia, com a extensão e localização das fendas.
MATERIAIS E MÉTODOS Estudo retrospectivo de prontuários de pacientes com diagnóstico tomográfico de esquizencefalia do arquivo dos Serviços de Neurologia e Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), RJ, e do Hospital Municipal Jesus (SUS-RJ), no período de 2000 a 2003. De um grupo inicial de 28 pacientes, 12 foram excluídos por impossibilidade de contato ou recusa de familiares dos pacientes a incluí-los na pesquisa. Dos 16 pacientes incluídos, nove eram do sexo feminino e sete eram do sexo masculino. Todos os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a pesquisa foi aprovada sob os pareceres do Comitê de Ética em Pesquisa do IFF/Fiocruz (processo 208/2002) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) (processo 4912/2002). Foram analisados os seguintes parâmetros clínicos: o desenvolvimento neuropsicomotor, o déficit motor, o déficit cognitivo (em pacientes em idade escolar) e a presença de epilepsia (tipo de crise convulsiva, refratariedade a drogas antiepilépticas). As tomografias computadorizadas de crânio de cada paciente foram analisadas por dois examinadores, separadamente, e somente incluídos aqueles em que houve concordância no diagnóstico. Para a classificação das fendas esquizencefálicas foi utilizado o critério de Barkovich e Kjos(5) quanto ao tipo de fenda (de lábios abertos ou fechados) e quanto ao tamanho (pequenas, médias ou grandes).
RESULTADOS Os dados sobre a correlação clínico-tomográfica estão resumidos na Tabela 1. Observamos 27 fendas nos 16 pacientes incluídos no estudo. Em relação ao tamanho das fendas, 14:27 eram fendas pequenas (Figura 1), 11:27 eram fendas grandes (Figura 1) e 2:27 eram fendas médias (Figura 2). Quanto à localização, predominaram as fendas parietais (16:27), seguidas das fronto-parieto-temporais (5:27). Em relação à lateralidade, predominaram as fendas bilaterais (Figuras 1, 2 e 3) em 10:16 pacientes, sendo 5:10 pacientes com fendas de lábios abertos e 5:10 pacientes com fendas de lábios abertos e fechados (Figura 3). Dos seis pacientes com fendas unilaterais (Figura 4), cinco apresentavam fendas de lábios abertos.
Observamos calcificações periventriculares (Figura 4) em 3:16 pacientes, e todos apresentaram sorologias negativas para infecções congênitas do grupo TORCH ? toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes. Treze dos 16 pacientes apresentaram outras anomalias do sistema nervoso central associadas à esquizencefalia, sendo mais freqüentes a ausência de septo pelúcido (Figura 1) em 10:13 pacientes e as displasias corticais em 4:13 pacientes (Figura 5).
O atraso do desenvolvimento neuropsicomotor esteve presente em 15 pacientes e seis pacientes em idade escolar apresentavam também déficit cognitivo. O exame neurológico foi alterado em 15:16 pacientes, sendo que o sinal mais freqüente foi síndrome de liberação piramidal (tetraparesia espástica) em 11:15 pacientes. Dentre os 16 pacientes, dez apresentaram epilepsia, sendo que em 4:10 pacientes as crises tiveram início no primeiro ano de vida. O tipo de convulsão mais freqüente foi a tônico-clônica generalizada, registrada em 5:10 pacientes. A epilepsia foi de difícil controle em 6:10 pacientes.
DISCUSSÃO A intensidade do quadro clínico apresentou relação com a área cortical afetada, tanto em nossos pacientes com fendas unilaterais como bilaterais, conforme o relatado na literatura científica especializada(2,3,5,6). Em três de nossos pacientes, embora as fendas fossem pequenas, o quadro clínico se revelou exuberante em função da presença de outras anomalias cerebrais associadas à esquizencefalia. Assim, nossos dados sugerem que o quadro clínico também apresenta relação com a presença de outras anomalias do sistema nervoso central, corroborando as observações de Granata et al.(13). O quadro clínico foi concordante com o descrito por outros autores(6,9,14,15), com a maioria dos pacientes apresentando déficit motor e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor(8,9). Observamos também que a epilepsia foi mais freqüente e mais grave nos pacientes com perda de maior área cortical, o que não foi descrito nos estudos de Barkovich e Kjos(5), Granata et al.(14) e Denis et al.(15). Na análise comparativa dos dados tomográficos, houve concordância com o descrito por outros autores na lateralidade(9), no tipo de fenda(5,9) e na localização e tamanho(5,14,15). Das anomalias associadas, a ausência de septo pelúcido foi a mais freqüente, assim como o descrito por outros autores(9,10,13). Embora a presença da(s) fenda(s) seja determinante do quadro neurológico, em alguns casos houve discordância entre a extensão da fenda e os achados clínicos, em função da presença de outras anomalias cerebrais associadas a esquizencefalia.
REFERÊNCIAS 1. OMIM. On-line Mendelian Inheritance in Man. Johns Hopkins University [citado 15 abril 2002]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov 2. Brunelli S, Faiela A, Capra V, et al. Germline mutation in the homeobox gene EMX2 in patients with severe schizencephaly. Nature Genet 1996; 12:94?96. [ ] 3. Faiella A, Brunelli S, Granata T, et al. A number of schizencephaly patients including 2 brothers are heterozygous for germline mutations in the homeobox gene EMX2. Eur J Hum Genet 1997;5: 186?190. [ ] 4. Guerrini R, Carrozzo R. Epilepsy and genetic malformations of the cerebral cortex. Am J Med Genet 2001;106:160?173. [ ] 5. Barkovich AJ, Kjos BO. Schizencephaly: correlation of clinical findings with MR characteristics. AJNR Am J Neuroradiol 1992;13:85?94. [ ] 6. Granata T, Farina L, Faiella A, et al. Familial schizencephaly associated with EMX2 mutation. Neurology 1997;48:1403?1406. [ ] 7. Dubey AK, Gupta RK, Sharma P, Sharma RK. Schizencephaly type-I. Indian Pediatr 2001;38: 1049?1052. [ ] 8. Packard AM, Miller VS, Delgado MR. Schizencephaly: correlations of clinical and radiologic features. Neurology 1997;480:1427?1434. [ ] 9. Amaral JG, Yanaga RH, Geissler HJ, Carvalho Neto A, Bruck I, Antoniuk SA. Schizencephaly: report of eleven cases. Arq Neuro-Psiquiat 2001; 59:244?249. [ ] 10. al-Alawi AM, al-Tawil KI, al-Hathal MM, Amir I. Sporadic neonatal schizencephaly associated with brain calcification. Ann Trop Paediatr 2001; 21:34?37. [ ] 11. Robinson RO. Familial schizencephaly. Dev Med Child Neurol 1991;33:1010?1012. [ ] 12. Montandon C, Ribeiro FAS, Lobo LVB, Montandon Júnior ME, Teixeira KISS. Disgenesia do corpo caloso e más-formações associadas: achados de tomografia computadorizada e ressonância magnética. Radiol Bras 2003;36:311?316. [ ] 13. Granata T, Freri E, Caccia C, Setola V, Taroni F, Battaglia G. Schizencephaly: clinical spectrum, epilepsy, and pathogenesis. J Child Neurol 2005; 20:313?318. [ ] 14. Granata T, Battaglia G, D'Incerti L, et al. Schizencephaly: neuroradiologic and epileptologic findings. Epilepsia 1996;37:1185?1193. [ ] 15. Denis D, Chateil JF, Brun M, et al. Schizencephaly: clinical and imaging features in 30 infantile cases. Brain Dev 2000;22:475?483. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 1/11/2005.
* Trabalho vinculado ao Centro de Genética Médica Dr. José Carlos Cabral de Almeida/Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz/RJ e ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Fonte financiadora: Faperj (E-26/171.077/2002-APQ1). |