RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marcelo Carneiro Menezes, Olger de Souza Tornin, Renato Assayag Botelho, Joel Pinheiro de Brito Júnior, Daniel Knabben Ortellado, Lucas Rios Torres, Sandro Caldeira Ferreira Júnior, José Francisco Sales Chagas, Oswaldo Luiz Pinto, Ricardo Pires de Souza |
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Descritores: Actinomicose, Tomografia computadorizada, Câncer |
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Resumo: VMédicos Residentes em Diagnóstico por Imagem do Hospital Heliópolis
INTRODUÇÃO A actinomicose da laringe é uma doença rara causada pelo Actinomyces israelii, um comensal saprófita da microbiota nativa da boca. Esse microrganismo Gram-positivo desenvolve-se em meio anaeróbico ou microaerofílico, formando micélios monocelulares alongados. A actinomicose foi primeiramente descrita por Israel há mais de 100 anos(1). Embora o maior número de casos ocorra na região de cabeça e pescoço, o envolvimento laríngeo é bastante raro, com alguns poucos casos descritos na literatura, não havendo, no nosso conhecimento, nenhum caso relatado com estudo por meio de tomografia computadorizada. As doenças infecciosas sempre devem entrar no diagnóstico diferencial de lesões da laringe. As doenças infecciosas da laringe, principalmente as doenças granulomatosas, estão adquirindo importância crescente, visto que estão diretamente relacionadas com o aumento da faixa etária populacional, diminuição da imunidade e maior deslocamento de pessoas(2). O diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias e infecciosas com as neoplasias da laringe é imprescindível, visto que há diferença essencial na forma de tratamento. O diagnóstico definitivo é obtido por meio de biópsia, utilizando-se a tomografia computadorizada principalmente para avaliar a extensão da doença. O objetivo deste trabalho é descrever um caso de actinomicose endolaríngea mimetizando neoplasia, examinado por tomografia computadorizada.
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 77 anos de idade, caucasiano, admitido no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis com queixa de rouquidão. O paciente relatava início de dor de garganta discreta há um ano. Nos últimos dois meses houve piora dessa dor, associada a rouquidão progressiva e perda ponderal não quantificada. O paciente não apresentava disfagia, dispnéia ou otalgia. Tabagista de 30 cigarros por dia e etilista de destilados por 47 anos. No exame loco-regional, observou-se lesão vegetante e bocelada, apresentando componente ulcerado, medindo 2,0 cm de diâmetro, localizada na prega ariepiglótica esquerda, com os seguintes limites: anteriormente, distava 0,5 cm da epiglote; posteriormente, comprometia o espaço interaritenóideo; lateralmente, não atingia o recesso piriforme esquerdo; medialmente, sob a forma vegetante, comprometia a prega vestibular. A mobilidade das pregas vocais estava normal. Foram solicitadas nasofibrolaringoscopia com biópsia e tomografia computadorizada. A nasofibrolaringoscopia e a tomografia computadorizada confirmaram os limites da lesão e a biópsia apresentou grânulos de actinomices em meio a infiltrado inflamatório de neutrófilos, plasmócitos e macrófagos, confirmando, desta forma, o diagnóstico etiológico. Os achados tomográficos foram: massa de contornos lobulados, densa, que reduz a luz do seio piriforme esquerdo e que envolve as pregas ariepiglótica e ventricular esquerda, com aparente obliteração do espaço paraglótico ipsilateral (Figuras 1, 2 e 3).
A conduta adotada foi internação para tratamento com antibiótico por 21 dias, com boa evolução. A antibioticoterapia foi mantida por seis meses.
DISCUSSÃO As doenças infecciosas da laringe são relativamente raras, mas devem sempre ser pensadas nos casos de lesões vegetantes endolaríngeas. Apesar de sua semelhança com a neoplasia ser marcante, a conduta clínica é completamente diferente entre essas entidades. O Actinomyces israelii é um comensal saprófita encontrado na cavidade oral. Pode ser encontrado nas criptas das tonsilas palatinas em aproximadamente 15% dos casos de amigdalectomias(3). Para que o microrganismo se desenvolva, ele precisa penetrar a barreira mucosa e acessar um ambiente anaeróbico. Normalmente, isto ocorre em decorrência de traumatismos orais como manipulação dentária ou cirurgias endo-orais(4). A actinomicose está diretamente relacionada com fatores que reduzem a capacidade imunológica do hospedeiro, como diabetes mellitus, neoplasias malignas, tratamento quimioterápico e radioterápico ou até mesmo infecção pelo vírus da imunodeficiência humana(1). Os casos de actinomicose em pacientes que receberam radioterapia na região da laringe são particularmente importantes. Isso provavelmente ocorre em virtude da alteração das defesas imunológicas locais na mucosa da laringe e faringe. No caso descrito o paciente não apresentava comorbidade relacionada à deficiência imunológica. A actinomicose, quando acomete a região da cabeça e pescoço, afeta particularmente a região da mandíbula após tratamentos dentários. Na endolaringe essa ocorrência é muito rara(5). Na literatura consultada foram encontrados apenas poucos trabalhos relacionados a esse tema e nenhum descrevendo os achados na tomografia computadorizada. A actinomicose é caracterizada como uma doença granulomatosa subaguda. Na região da cabeça e pescoço pode se caracterizar como abscesso com febre, leucocitose, dor e sintomas obstrutivos ou pode progredir de forma mais indolente como massa endurecida e dolorosa no pescoço. O crescimento da lesão sem respeitar os compartimentos fasciais, barreiras anatômicas ou linfáticos é característico da actinomicose(6). Na laringe, a actinomicose pode se caracterizar por dispnéia, rouquidão, disfagia ou estridor laríngeo noturno de longa evolução, diferentemente das neoplasias da laringe, que têm um quadro um pouco mais agudo. O diagnóstico é feito por meio da biópsia da lesão, que identifica os grânulos de actinomices, também chamados de grânulos de enxofre, em virtude da sua coloração amarelada e friabilidade característica. Normalmente, há uma reação inflamatória ou necrose em torno desse micélio de actinomices. O tratamento consiste na drenagem cirúrgica das lesões maiores e antibioticoterapia por período prolongado.
REFERÊNCIAS 1. Hughes RA, Paonessa DF, Conway WF. Actinomycosis of the larynx. Ann Otol 1984;93:520524. [ ] 2. Donegan JO, Wood MD. Histoplasmosis of the larynx. Laringoscope 1983;94:206209. [ ] 3. Vrabec DP. Fungal infections of the larynx. Otolaryngol Clin North Am 1993;26:10911114. [ ] 4. Everts EC. Cervicofacial actinamycosis. Arch Otolaryngol 1970;92:468474. [ ] 5. Nelson EG, Tybor AG. Actinomycosis of the larynx. Ear Nose Throat J 1992;71:356358. [ ] 6. Brandenburg JH, Finch WW, Kirkham WR. Actinomycosis of the larynx and pharynx. Otolaryngol Head Neck Surg 1978;86:739742. [ ]
Endereço para correspondência:
* Trabalho realizado no Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP. |