RELATO DE CASO
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Autho(rs): Benjamim Pessoa Vale, Mauro Guimarães Albuquerque, José Nazareno Pearce de Oliveira Brito, Antenor Lajes Fortes Portela, Jairo Tadeu de Paiva |
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Descritores: Aneurisma cerebral, Hemorragia subaracnóidea, Gravidez, Embolização endovascular |
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Resumo: VEspecialista em Cardiologia e Intensivista do Hospital São Marcos
INTRODUÇÃO Aneurismas cerebrais gigantes são incomuns e podem se manifestar em conseqüência de hemorragia subaracnóidea ou síndrome compressiva aguda(1). A prevalência da hemorragia intracraniana na gestação varia de 0,01% a 0,05%(1,2), com incidência entre 1/10.000 e 1/2.000(2-6) , assemelhando-se à do restante da população(6). Esta enfermidade causa elevada mortalidade materna (40% a 83%), perfazendo 5% a 12% de todos os falecimentos(1,2,7,8), sendo a terceira maior causa de morte indireta (não obstétrica)(1,2,5,6). O tratamento endovascular com microespirais de platina é um dos métodos utilizados, sendo minimamente invasivo e bastante efetivo para oclusão do aneurisma, embora existam poucos casos em gestantes relatados na literatura(1,2,3,9). No presente trabalho é relatado um caso de embolização endovascular de aneurisma cerebral gigante em gestante.
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 37 anos de idade, na 32ª semana de gestação, apresentou amaurose à esquerda há cerca de três meses, evoluindo para quadro de sonolência súbita, rigidez de nuca, afasia de expressão e hemiparesia à direita. Foi encaminhada ao serviço de obstetrícia, onde se descartou doença específica da gravidez e efetuou-se a transferência para unidade de terapia intensiva. Na admissão, a pressão arterial era de 130/90 mmHg e a freqüência cardíaca era de 85 bpm. Não se perceberam metrossístoles palpáveis e o colo cervical encontrava-se fechado e grosso. As avaliações clínica e ultra-sonográfica demonstraram feto ativo, idade gestacional compatível com a data da amenorréia, dorso à esquerda, apresentação cefálica alta e batimentos cardiofetais de 140 bpm. O exame neurológico demonstrou quadro correspondente ao grau III da escala de Hunt Hess, e o exame de fundo de olho constatou atrofia de papila esquerda. A paciente foi submetida a tomografia computadorizada (TC) do encéfalo, que detectou sinais de hemorragia meníngea (Fisher III). Os exames laboratoriais iniciais exibiram hematócrito de 35%, sódio sérico de 136 mEq/l, potássio sérico de 4 mEq/l, creatinina de 1 mg%, uréia de 40 mg%. A gestante foi mantida sob sedação leve, em ventilação espontânea e com rigoroso controle pressórico e hidroeletrolítico. Dois dias após a admissão, foi realizada cesárea, sob anestesia geral. Não houve complicações para a mãe nem para o concepto, o qual recebeu alta em 48 horas. A parturiente permaneceu sedada e em ventilação mecânica por 12 horas, sendo submetida a arteriografia cerebral 15 dias após o parto, a qual revelou aneurisma gigante do segmento oftálmico da carótida interna esquerda, com diâmetro de 19,6 X 18,4 mm nas suas maiores dimensões e com colo de 4,3 mm (Figuras 1A e 1B).
Decorridos cinco dias, foi realizada embolização percutânea do aneurisma utilizando-se microespirais de platina (Figuras 1C e 1D). A paciente permaneceu por três dias na unidade de terapia intensiva, onde recuperou a consciência e a orientação, embora ainda apresentasse diminuição de força em dimídio direito e amaurose à esquerda. Na enfermaria a puérpera passou a apresentar episódios de febre. Foi diagnosticada endometrite e realizada curetagem, instituindo-se antibioticoterapia pós-operatória (amicacina e ampicilina). Recebeu alta hospitalar no décimo dia pós-curetagem, com o quadro neurológico descrito anteriormente.
DISCUSSÃO A hemorragia subaracnóidea espontânea pode ser causada por vasculites, tumores, distúrbios de coagulação, malformações arteriovenosas ou aneurismas, sendo estes últimos responsáveis por cerca de 50% dos casos(4,6,7). Em gestantes, as malformações arteriovenosas são mais freqüentes na faixa etária de 20 a 25 anos e costumam sangrar entre a 15ª e a 20ª semana gestacional; já os aneurismas ocorrem em idade mais avançada (30 a 40 anos) e sofrem ruptura mais freqüentemente no terceiro trimestre(2,4-6). As incidências de aneurisma intracraniano no primeiro, segundo e terceiro trimestres são, respectivamente, de 6%, 31% e 55%, enquanto no pós-parto a incidência é de 8%(2,5,6), podendo ser múltiplos em 20% dos casos(1,2). Durante a gravidez, o estresse hemodinâmico e modificações hormonais aparentemente contribuem para o crescimento e ruptura de aneurismas(1,3). Tais mudanças alcançam o seu pico no terceiro semestre e durante o trabalho de parto(3). Dentre as alterações podem-se citar a retenção hídrica, o aumento do débito cardíaco e do volume sanguíneo (tanto no volume plasmático quanto no número de células sanguíneas), as alterações do metabolismo das prostaglandinas e conseqüente hiperplasia da íntima dos vasos(3) associada a alterações da média(2). No diagnóstico diferencial devem ser excluídas a eclâmpsia e pré-eclâmpsia grave, podendo ocorrer as duas concomitantemente(3,5,7). A arteriografia dos quatro principais vasos cerebrais é imprescindível nos casos em que a TC de crânio sugere hemorragia meníngea(3,5). Nos pacientes não tratados, o ressangramento ocorre em 33% a 50% dos casos, com mortalidade materna aproximada de 50% a 68%(1,2,8). A mortalidade fetal é de 27% nos casos que recebem apenas terapêutica farmacológica e de 5% nos casos operados(1,2,6-8). Por este motivo, normalmente opta-se pela realização de tratamento cirúrgico da hemorragia subaracnóidea o mais precoce possível(5,6), exceto em casos extremamente graves (Hunt Hess > III(5) e em casos de aneurismas bacterianos intracranianos(10)), quando é mais prudente, primeiramente, estabilizar o quadro clínico. Uma das maiores preocupações na utilização da angiografia e da embolização durante a gravidez é o risco de anormalidades fetais decorrentes da exposição à radiação(1). Nas primeiras duas semanas (período da embriogênese), a radiação pode matar o embrião. Na organogênese (segunda à sétima semanas), a radiação causa anomalias congênitas e deformidades nos fetos sobreviventes. No período fetal (após a oitava semana), pode ocorrer retardo do crescimento com microcefalia, retardo mental por depleção de neurônios, desenvolvimento de câncer. A probabilidade de dano é diretamente proporcional à quantidade de radiação utilizada, sendo que o risco de depleção neuronal é maior entre a oitava e a 15ª semana gestacional, período correspondente à proliferação dos neuroblastos e sua migração para o córtex cerebral(1). Estimativas realizadas sobre a dose de radiação absorvida por pacientes submetidos a arteriografia de subtração digital demonstraram dose efetiva situada entre 3,6 mSv e 10 mSv (1 Sv = 100 rem), equivalente a sete ou oito TC de crânio(1). É difícil extrapolar a porcentagem de radiação absorvida pelo feto, contudo, a difusão da radiação para pelve e abdome durante exposição direta do crânio é mínima e normalmente não ultrapassa 0,1 mrad(1). De acordo com o National Council on Radiation Protection and Measurement, a exposição a doses inferiores a 1 rad tem pouca probabilidade estatística de causar deformidades(1). Tais riscos tendem a diminuir mais ainda com a evolução dos aparelhos utilizados, com o uso de proteção abdominal durante o procedimento e com a limitação do fluoroscópio a áreas distantes do útero(1,2). O contraste iodado é inerte para o feto, muito embora haja relatos de hipotireoidismo transitório(9). No caso em questão, a realização da cesárea antes do tratamento do aneurisma exclui possíveis exposições do concepto à radiação. O tratamento de aneurismas intracerebrais rotos demanda cuidados intensivos e seguimento neurocirúrgico, podendo ser realizadas tanto clipagem microcirúrgica quanto embolização endovascular, dependendo do tipo, do tamanho e da localização do aneurisma(1,9). A clipagem cirúrgica é, ainda, a técnica mais utilizada(5), obtendo excelente oclusão do aneurisma e possibilitando a retirada de sangue e coágulo das cisternas, embora tenha elevada morbidade pós-operatória e dificuldade nas dilatações do sistema vertebrobasilar. A embolização vem, atualmente, obtendo cada vez mais adeptos, porém é pouco relatada na literatura. Em ambas utiliza-se anestesia geral, sendo o risco correlato semelhante entre elas(3). No caso ora relatado, optou-se pela realização da intervenção endovascular, por ser menos invasiva e pela dificuldade de clipagem do aneurisma devido ao seu diâmetro (> 15 mm) e ao colo largo (> 4 mm), evitando-se assim submeter a paciente a mais uma intervenção cirúrgica e à manipulação de tecido cerebral. Em pacientes estáveis com feto próximo de termo prefere-se o parto vaginal, enquanto a cesárea é mais usada nos casos de aneurisma não roto, em hemorragias meníngeas transparto ou quando o quadro clínico e neurológico é desfavorável(6). Se a oclusão do aneurisma intracraniano for realizada antes do parto, este pode transcorrer por via vaginal sem o risco de ressangramento. Já nos casos em que primeiro é realizado o parto, este pode transcorrer tanto por via vaginal quanto por via alta, sendo a escolha orientada pelo quadro obstétrico. Não há indícios de que a cesárea seja mais segura para a mãe ou para o feto(3,6,8), sendo tal procedimento freqüentemente escolhido devido à sua maior rapidez e facilidade de monitoração(3). Há, inclusive, a possibilidade de clipagem do aneurisma imediatamente após a cesárea e conversão da anestesia(5). A exemplo da literatura pesquisada, o manejo endovascular neste caso raro teve excelente resultado terapêutico e prognóstico, de modo que o contínuo avanço das técnicas e dos equipamentos diagnósticos e terapêuticos tendem a reduzir gradativamente os índices de morbimortalidade dessa enfermidade, necessitando, para isso, o máximo de atenção para manifestações simples como dores de cabeça ou alterações oculares em gestantes.
REFERÊNCIAS 1.Meyers PM, Halbach VV, Malek AM, et al. Endovascular treatment of cerebral artery aneurysms during pregnancy: report of three cases. Am J Neuroradiol 2000;21:1306-1311. [ ] 2.Kizilkilic O, Albayram S, Adaletli I, et al. Endovascular treatment of ruptured intracranial aneurysms during pregnancy: report of three cases. Arch Gynecol Obstet 2003;268:325-328. [ ] 3.Shahabi S, Tecco L, Jani J, et al. Management of a ruptured basilar artery aneurysm during pregnancy. Acta Chir Belg 2001;101:193-195. [ ] 4.Rivero MI, Gonzalez E, Alfonso F. Trabajo de parto y rotura de aneurisma cerebral. Unne Corrientes Argentina on line: 2002 nov cited 2003 nov 23; 1(2): Available from: URL: http://www.unne.edu.ar/cyt/2002/03-Medicas/M-007.pdf. [ ] 5.Reichman OH, Karlman RL. Berry aneurysm. Surg Clin North Am 1995;75:115-121. [ ] 6.Stoodley MA, Macdonald RL, Weir BK. Pregnancy and intracranial aneurysms. Neurosurg Clin N Am 1998;9:549-556. [ ] 7.Lynch JC, Andrade R, Pereira C. Hemorragia intracraniana na gravidez e puerpério: experiência com quinze casos. Arq Neuropsiquiatr 2002;60:264-268. [ ] 8.Dias MS, Sekhar LN. Intracranial hemorrhage from aneurysms and arteriovenous malformations during pregnancy and the puerperium. Neurosurgery 1990;27:855-866. [ ] 9.Piotin M, de Souza Filho CB, Kothimbakam R, Moret J. Endovascular treatment of acutely ruptured intracranial aneurysms in pregnancy. Am J Obstet Gynecol 2001;185:1261-1262. [ ] 10.Powell S, Rijhsinghani A. Ruptured bacterial intracranial aneurysm in pregnancy. A case report. J Reprod Med 1997;42:455-458. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 3/1/2005.
* Trabalho realizado no Hospital São Marcos, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI. |