ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Roseli T. Bulla, Linda V.E. Caldas |
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Descritores: Câmaras de ionização, Feixes de elétrons, Calibração de instrumentos |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Nas medidas de dose absorvida em feixes de fótons e elétrons num ponto de referência, o dosímetro mais utilizado é a câmara de ionização, recomendada pelos protocolos internacionais(1-11), em virtude da sua precisão e exatidão. No entanto, este tipo de câmara muitas vezes não possui o fator de calibração em termos de dose absorvida no ar, ND,ar, que relaciona a dose no gás da câmara e a carga coletada; com isso, há necessidade de uma calibração para que sua resposta indique a dose absorvida mais exata possível. A determinação do fator de calibração ND,ar para uma câmara de placas paralelas, em feixes de 60Co e de elétrons, não possui rastreabilidade assegurada, mas sim em termos de NK; o valor de ND,ar é derivado a partir deste termo e são recomendados diferentes procedimentos pelos protocolos de dosimetria, sendo que a recomendação internacional é a utilização do protocolo TRS 381(10). Neste caso, o fator de calibração ND,ar da câmara de ionização de placas paralelas é obtido a partir da comparação do valor da dose absorvida na água DW determinado em um feixe de elétrons de energia alta com uma câmara de referência cilíndrica, que possui um valor ND,ar conhecido. Uma intercomparação similar em um objeto simulador em um feixe de radiação gama do 60Co também permite a determinação de ND,ar para este tipo de câmara, desde que se considere a correção apropriada para a diferença entre a composição da câmara e o material do simulador(12-16). Vários trabalhos têm estimado valores de ND,ar para várias câmaras de placas paralelas e alguns trabalhos mostram que o valor de ND,ar é mais alto na calibração com feixes de 60Co em objetos simuladores do que com feixes de elétrons de altas energias(12,13). Assim sendo, este trabalho foi realizado com o objetivo de analisar algumas técnicas de calibração de dosímetros clínicos, determinando o fator de calibração ND,ar para câmaras de placas paralelas nos feixes de radiação gama de 60Co do Laboratório de Calibração de Instrumentos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (LCI-IPEN/São Paulo) e com feixes de elétrons de altas energias do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).
MATERIAIS E MÉTODOS Os fatores de calibração das câmaras de ionização de placas paralelas foram determinados usando-se quatro sistemas de medidas: uma câmara cilíndrica (sistema A) com o fator de calibração em termos de kerma no ar e, conseqüentemente, com um fator de calibração em termos de dose absorvida no ar, conhecida em feixes de 60Co como câmara referência, e três câmaras de placas paralelas (sistemas B, C e D). Todas as câmaras acopladas a seus respectivos eletrômetros e suas especificações estão apresentadas na Tabela 1.
Os parâmetros empregados no cálculo do valor de ND,ar são fornecidos pelo protocolo TRS 381 (Tabela 2). Como se espera uma diferença nos valores do fator de calibração ND,ar entre os dois métodos de medidas (i.é, em feixes de 60Co e de elétrons), deve ser tomada atenção máxima para minimizar os erros e reproduzir as condições de calibração (Tabela 3) recomendadas pelo protocolo TRS 381.
O posicionamento das câmaras durante a calibração, no LCI-IPEN e no HIAE, foi obtido com o auxílio de sistemas de raios laser, que foram alinhados com os centros geométricos dos sistemas de colimação. As câmaras foram posicionadas paralelas à direção dos feixes, e para reduzir a incerteza aleatória na medida da carga, as medidas foram obtidas por meio de dez leituras consecutivas correspondentes a uma medida (tomando-se o valor médio) em cada tensão. 1. Sistemas de radiação Foram utilizados um irradiador com uma fonte de 60Co, Philips, modelo XR2000, do LCI-IPEN, e um acelerador linear, Varian, modelo Clinac 2100C, pertencente ao HIAE, com dois feixes de fótons com energias nominais de 6 e 18 MeV e cinco feixes de elétrons com energias nominais de 4, 6, 9, 12 e 16 MeV. As condições ambientais, tanto do LCI-IPEN como da Radioterapia do HIAE, foram controladas por meio de sistemas de ar condicionado, desumidificadores, e com auxílio de um barômetro portátil, um termômetro digital e um higrômetro. 2. Sistemas de medidas Foram utilizados sistemas de medidas com câmaras de ionização acopladas aos seus respectivos eletrômetros Keithley, modelo 35614 EBS, e a um eletrômetro Physikalisch-Technische Werkstätten (PTW), modelo 10002, cujas especificações estão apresentadas na Tabela 1. O sistema de referência utilizado foi uma câmara Nuclear Enterprises (NE), tipo dedal, modelo 2505/3A, série 2080, com rastreabilidade ao Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes (LNMRI), Rio de Janeiro, RJ. O tempo de estabilização dos sistemas constituídos pelas câmaras e seus eletrômetros foi de 30 minutos antes do início das medidas. 3. Objetos simuladores Foram utilizados os seguintes objetos simuladores ("phantoms"): a) Simulador de água fabricado pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), com dimensões de 30 X 30 X 30 cm³, cujo material das suas paredes e dos suportes das câmaras de ionização é acrílico (PMMA), pertencente ao IPEN. b) Simulador sólido, projetado e fabricado no IPEN, com dimensões de 30 X 30 X 20 cm³, cujo material das placas e dos suportes das câmaras de ionização é acrílico (PMMA), pertencente ao IPEN. c) Simulador de água, PTW, com dimensões de 40 X 40 X 40 cm³, cujo material das suas paredes e dos suportes das câmaras de ionização é acrílico (PMMA), pertencente ao HIAE. 4. Parâmetros do feixe de elétrons As propriedades dosimétricas dos feixes clínicos de elétrons dependem significantemente do espectro de energia (ou distribuição de energia). Este espectro pode ser caracterizado por meio de parâmetros como para a energia nominal de 16 MeV: (Ep)0 = 16,70 MeV, a energia mais provável na superfície do objeto simulador; ()² = 15,85 MeV, a energia média na superfície do objeto simulador; (Ep)z = 11,19 MeV, a energia mais provável numa profundidade de referência; Ez/E0 = 0,706.
RESULTADOS 1. Calibração num objeto simulador em feixes de 60Co A calibração das câmaras de ionização de placas paralelas foi feita em feixes de 60Co no irradiador Philips, do LCI-IPEN. A câmara de placas paralelas foi calibrada em comparação com uma câmara de ionização cilíndrica previamente calibrada dentro de um simulador de água. As câmaras foram posicionadas alternativamente numa profundidade de referência num simulador, e o fator ND,ar foi obtido da comparação das doses absorvidas com as duas câmaras. Neste método, o ponto efetivo de medidas para as câmaras fica a uma profundidade de referência de 5 cm, isto é, o centro da superfície frontal da cavidade de ar da câmara de placas paralelas é definido num ponto efetivo da câmara cilíndrica, que é igual a 0,6.r na frente do centro da câmara (r é o raio da cavidade). Porém, por razões práticas, coloca-se o centro da câmara cilíndrica numa profundidade de 5 cm e faz-se a correção para o efeito de deslocamento com um fator (). Este fator de deslocamento garante que o centro de qualquer câmara de ionização cilíndrica usada num simulador esteja a uma mesma profundidade, independente do diâmetro da câmara. A Figura 1 apresenta um diagrama de montagem experimental utilizada para medidas em 60Co.
Por meio da expressão (1), foi obtido ND,ar para a câmara de placas paralelas: onde: : fator de calibração da câmara em termos de dose absorvida no ar; MRef e Mpp: (M = . fT,p . kh . PS) - leituras das câmaras de ionização cilíndrica e de placas paralelas, respectivamente, para correções ambientais de referência: pressão e temperatura, (fT,p), e umidade relativa do ar (kh); e para correção da recombinação (Ps); : fator de correção para atenuação da parede da câmara cilíndrica de referência; : fator que leva em conta a "não equivalência de ar" do material no eletrodo central de uma câmara de ionização; : 1 - 0,004.r, onde r é o raio interno da câmara de referência em mm, para um feixe de 60Co, segundo Johansson et al.(14), artigo no qual a publicação TRS 381(10) se baseia. : fator de correção de atenuação da parede da câmara de placas paralelas. Neste procedimento, os fatores de calibração das câmaras de ionização são obtidos em termos de kerma no ar e, conseqüentemente, são determinados os fatores de calibração em termos de dose absorvida no ar, (ND,ar), em feixes de radiação gama do 60Co. As medidas realizadas no Laboratório de Calibração de Dosímetros Clínicos do IPEN, para determinação de ND,ar (mGy/nC), utilizando simuladores de água e de PMMA (conforme Tabela 3), e a câmara de referência NE 2505/3A do sistema A com os sistemas B e C do LCI-IPEN e sistema D do HIAE são apresentados na Tabela 4.
Para as medidas realizadas no simulador sólido é necessário fazer a correção na leitura da medida, Mplást, pela expressão: Mpp = . hm, onde hm = 1,00975 para uma profundidade máxima de referência; no caso do 60Co, são 5 cm de água, para se obter o fator de calibração nas condições de referência. Na Tabela 4 é possível observar que, ao se comparar simultaneamente os dois métodos de calibração (na água e no PMMA), o comportamento da câmara de ionização de placas paralelas do sistema C pode ser considerado excelente, com uma variação percentual entre os métodos de apenas 0,05%. O sistema D apresenta, na comparação, variação percentual de 2,1%. Cada valor corresponde à média de vários fatores, obtidos em diferentes datas, com uma incerteza que não ultrapassa 1,4%. No cálculo das incertezas associadas foram levados em consideração a incerteza do equipamento na calibração do sistema no laboratório padrão, os fatores ambientais (temperatura, pressão e umidade relativa do ar), as incertezas no instrumento de medida experimental, o tempo de estabilidade das câmaras e os fatores de perturbação das câmaras para cada tipo de radiação. 2. Calibração com feixes de elétrons A calibração das câmaras de ionização de placas paralelas foi realizada em feixes de elétrons com energia nominal de 16 MeV num acelerador linear, modelo Clinac 2100C, pertencente ao HIAE. Neste método, as medidas foram obtidas num simulador sólido utilizando-se a mesma metodologia do simulador de água, em que as câmaras de placas paralelas foram calibradas em comparação com uma câmara de ionização cilíndrica previamente calibrada e com ND,ar conhecido numa profundidade de referência (para os elétrons de energia nominal de 16 MeV foi de 2 g/cm² em água). Foram feitas correções nas medidas, Mplást, realizadas com o objeto simulador de placas sólidas, que deve ser de mesmo material da câmara de placas paralelas e nas condições de referência da Tabela 3. A Figura 2 apresenta um diagrama da montagem experimental utilizada para as medidas no acelerador linear.
O fator de calibração ND,ar é calculado utilizando-se a expressão (1); os parâmetros de correção empregados no cálculo segundo o protocolo TRS 381 são dados na Tabela 2. Neste procedimento, os fatores de calibração das câmaras de ionização foram obtidos em termos da dose absorvida no ar, determinados em feixes de elétrons com energia nominal de 16 MeV. Os resultados das medidas efetuadas no HIAE, ND,ar (mGy/nC), utilizando-se os simuladores de água e de PMMA (Tabela 3), e a câmara de referência NE 2505/3A do sistema A, os sistemas B e C do LCI-IPEN e o sistema D do HIAE, são apresentados na Tabela 4. Nesta tabela, comparando-se os dois métodos de calibração (na água e no objeto simulador de PMMA), o sistema C apresenta uma diferença percentual menor que 0,1% e o sistema D, uma diferença máxima de 0,8%. A incerteza máxima associada ao fator de calibração é de 1,8% nas calibrações com câmaras de placas paralelas, que está dentro do limite recomendado pelos protocolos da IAEA(3,11).
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Os resultados encontrados mostram que os valores de ND,ar para as câmaras de placas paralelas determinados em feixes de 60Co são 1,2% mais altos que o valor obtido em feixes de elétrons de altas energias. Pode-se relacionar esta diferença nas séries de medidas, como em alguns trabalhos publicados(12,13,17), mas isto logo é descartado, pois na medida de carga a máxima incerteza entre as medidas é de ± 0,15% para cada tensão. Atribui-se esta discrepância aos fatores de correção de atenuação da parede das câmaras de placas paralelas, dados pelo protocolo, que não devem estar coerentes quando se realiza a calibração em feixes de fótons. McEwen et al.(18) mostraram que as câmaras de ionização de placas paralelas do tipo Markus não são muito confiáveis em suas respostas em relação a outras câmaras em feixes de elétrons, devido à grande variação do fator de perturbação deste tipo de câmara, em função da energia Ez, isto é, pode ocorrer grande variação de Pu em função de E. O comportamento da câmara de ionização de placas paralelas do sistema C pode ser considerado excelente, com uma diferença percentual de apenas 0,05% entre os dois métodos de calibração utilizando dois objetos simuladores diferentes. Os resultados deste estudo estão perfeitamente dentro do que as recomendações internacionais sugerem para uma calibração deste tipo de câmara e em relação à incerteza total associada ao fator de calibração da câmara, tanto em termos de dose absorvida no ar em feixes de radiação gama de 60Co como de elétrons. Agradecimentos As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo auxílio financeiro parcial no desenvolvimento deste projeto; ao Sr. Marcos Xavier, pelo suporte técnico; à Dra. Laura Natal Rodrigues, por sugestões importantes no texto; ao Hospital Israelita Albert Einstein, pela oportunidade de utilização do acelerador linear; e em especial ao Dr. José Carlos Cruz, pelas discussões proveitosas.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 10/5/2005. Aceito, após revisão, em 27/8/2005.
* Trabalho realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - Comissão Nacional de Energia Nuclear, São Paulo, SP. |