Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 39 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2006

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 113 to 118



A tomografia computadorizada de alta resolução na avaliação da toxicidade pulmonar por amiodarona

Autho(rs): Daniela Peixoto Consídera, Edson Marchiori, Arthur Soares Souza Jr., Gláucia Zanetti, Dante L. Escuissato, Emerson L. Gasparetto, César de Araújo Neto, Ronaldo de Souza Leão Lima, Sérgio Salles Xavier, Roberto Coury Pedrosa

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Texto em Português English Text

Descritores: Tomografia computadorizada, Amiodarona, Toxicidade pulmonar

Keywords: Computed tomography, Amiodarone, Pulmonary toxicity

Resumo:
OBJETIVO: Avaliar as principais alterações identificadas na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax em pacientes com toxicidade pulmonar pela amiodarona. MATERIAIS E MÉTODOS: Foram avaliadas dez tomografias computadorizadas de alta resolução de tórax de pacientes com pneumonite pela amiodarona, seis desses pacientes do sexo masculino e quatro do sexo feminino, com idade média de 73,5 anos. RESULTADOS: Os achados tomográficos mais relevantes foram opacidades lineares ou reticulares em seis casos (60%), pequenos nódulos com densidade elevada em seis casos (60%), consolidações densas em três casos (30%) e aumento da densidade do parênquima hepático em cinco de oito casos em que havia estudo tomográfico do abdome superior (62,5%). CONCLUSÃO: A tomografia computadorizada de alta resolução é um exame importante na avaliação de pacientes com toxicidade pulmonar pela amiodarona, devendo ser realizada sempre que houver suspeita deste diagnóstico. O achado de espessamento de septos interlobulares associado a lesões com aumento de densidade é altamente sugestivo deste diagnóstico.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the main findings of chest high-resolution computed tomography in patients with amiodarone pulmonary toxicity. MATERIALS AND METHODS: Ten patients - six male and four female, average age of 73.5 years - with amiodarone-induced pneumonitis have undergone chest high-resolution computed tomography. RESULTS: The most relevant tomographic findings were linear or reticular opacities in six cases (60%), small high density nodules in six cases (60%), dense consolidations in three cases (30%) and increased density in the hepatic parenchyma in five of eight cases in which there was a superior abdomen CT scan (62.5%). CONCLUSION: The high-resolution computed tomography is a valuable non-invasive test for evaluating patients with amiodarone pulmonary toxicity and should always be performed when one suspects of the presence of this disease. The finding of interlobular septa thickening associated with increased density of lesions is highly suggestive of this diagnosis.

VProfessor Assistente de Radiologia da Universidade Federal do Paraná
VIMédico Pesquisador do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
VIIProfessor Assistente de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia
VIIIMédicos do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A amiodarona é um agente farmacológico que tem sido utilizado clinicamente desde o início da década de 60, na Europa. Inicialmente, foi usada devido às suas propriedades vasodilatadoras e antianginosas e, posteriormente, por suas ações antiarrítmicas. Atualmente, a amiodarona é utilizada para controlar arritmias atriais e ventriculares, principalmente as de maior risco de vida(1,2).

Praticamente, todos os pacientes em uso da droga por um longo período desenvolvem efeitos colaterais(3). A amiodarona é conhecida por ter a capacidade de causar reações adversas em, virtualmente, qualquer sistema no organismo. Os mais freqüentes são os cutâneos, oculares, cardíacos, gastrintestinais, tireoidianos, neurológicos, hepáticos e pulmonares. Na maioria dos pacientes, estes efeitos são bem tolerados e costumam ser atenuados por uma redução na dosagem da droga, de forma que a descontinuação do uso da amiodarona raramente é necessária(4).

De todos os efeitos adversos, a pneumonite é o mais sério e o que limita de forma mais importante o seu uso clínico(1,2,5,6). Cerca de 5% a 15% dos pacientes tratados com a droga podem desenvolver sinais e sintomas consistentes com toxicidade pulmonar, e 10% a 25% destes pacientes podem morrer desta complicação(3).

O reconhecimento precoce da toxicidade pulmonar pela amiodarona é difícil. Os sinais e sintomas são similares àqueles próprios da doença de base do paciente e têm início insidioso(2). Os exames complementares também não são definitivos no diagnóstico, pois são inespecíficos(7). A radiografia de tórax mostra opacidades intersticiais e alveolares com distribuição variável. A tomografia computadorizada (TC), especialmente a TC de alta resolução (TCAR), pode evidenciar espessamento septal bilateral, consolidações com aumento em sua atenuação, derrame pleural, atenuação em vidro fosco, formação de massas pulmonares e, em estágios mais avançados, achados de fibrose(4,7–11).

Dessa forma, esta complicação deve ser sempre lembrada, para que a principal conduta seja precocemente implementada: a suspensão do uso da droga(1,2,10).

O objetivo deste trabalho é descrever as principais alterações identificadas na TCAR do tórax em pacientes com toxicidade pulmonar pela amiodarona.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho foram analisadas, retrospectivamente, dez TCAR do tórax de pacientes provenientes de cinco instituições diferentes, localizadas no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Os pacientes foram incluídos no estudo após exaustiva avaliação clínica, radiológica e laboratorial, com a intenção de afastar outros possíveis diagnósticos. Os critérios de inclusão foram o quadro clínico e os achados tomográficos compatíveis, e a melhora clínica após a conduta terapêutica adequada. Os critérios de exclusão foram a presença de doenças pulmonares associadas, investigações clínica e tomográfica incompatíveis com o diagnóstico e ausência de resposta terapêutica apropriada.

As TCAR do tórax foram realizadas em diversos tomógrafos, com cortes axiais de 1 a 2 mm de espessura e 10 mm de incremento, em inspiração profunda, desde os ápices até as bases pulmonares. Os exames foram registrados em janela de parênquima, com largura entre 1.000 e 1.500 unidades Hounsfield (UH) e centro entre –650 e –750 UH. Foram registrados também em janela para o mediastino, com largura entre 350 e 400 UH e centro entre 40 e 60 UH.

A análise das TCAR foi feita por dois observadores, de forma independente, e o resultado final foi decidido por consenso. O estudo incluiu a avaliação do parênquima pulmonar quanto à presença de consolidação, atenuação em vidro fosco, espessamento de septos intra e interlobulares, opacidades nodulares densas, distorção arquitetural, derrame e/ou espessamento pleural e aumento da densidade do parênquima hepático. Os critérios de definição destes achados são os definidos no Glossário de Termos da Sociedade Fleischner(12) e na proposta de Terminologia do Colégio Brasileiro de Radiologia(13).

 

RESULTADOS

Dez pacientes foram estudados, sendo seis do sexo masculino (60%) e quatro do sexo feminino (40%). A faixa etária variou entre 64 e 83 anos, com média de 73,5 anos.

O estudo das alterações pulmonares parenquimatosas evidenciou o padrão de acometimento misto, com doença do espaço aéreo e do interstício, em quatro pacientes (40%), destacando-se opacidades lineares e reticulares, e espessamento de septos interlobulares associado a atenuação em vidro fosco e consolidações. O achado de doença puramente intersticial ocorreu em quatro pacientes (40%) e o de ocupação somente do espaço aéreo ocorreu em dois pacientes (20%).

Na TCAR do tórax, os achados mais freqüentes foram as opacidades lineares ou reticulares (Figuras 1 a 6), especialmente representadas por espessamento de septos interlobulares, e a presença de pequenos nódulos com densidade elevada (Figuras 2, 3, 5 e 6). Estes achados foram observados, cada um, em seis pacientes (60%). Consolidações densas (Figura 6) foram constatadas em três pacientes (30%). Nódulos densos com dimensões maiores que 1 cm ocorreram em um paciente (10%). Opacidades em vidro fosco (Figuras 1 e 4) ocorreram em três pacientes (30%). Sinais tomográficos de distorção arquitetural (Figuras 1 e 3) foram evidenciados em dois pacientes (20%). Bronquiectasias foram vistas em um paciente (10%).

 

 

 

 

 

 

 

 

Dessa forma, lesões parenquimatosas com atenuação elevada, na forma de pequenos nódulos ou de consolidações, foram observadas em oito dos pacientes estudados (80%).

A análise do aumento da densidade do parênquima hepático foi possível nas tomografias em que houve registro do estudo da porção superior do abdome, fato que ocorreu em oito dos dez pacientes de nossa casuística. Destes, foi observado aumento da atenuação do fígado em cinco casos (62,5%).

Derrame pleural foi observado em apenas um dos pacientes.

As alterações tomográficas predominaram nas porções inferiores e posteriores dos pulmões, ocorrendo desta forma em oito pacientes (80%). Em todos eles houve acometimento de ambos os pulmões.

Os achados tomográficos encontram-se representados no Gráfico 1.

 

 

DISCUSSÃO

A amiodarona é um agente farmacológico que possui diversos efeitos adversos, dentre eles, a toxicidade pulmonar, a qual constitui a reação que mais limita o seu uso(1–6). Ao contrário do que ocorre com os outros efeitos colaterais da droga, que podem ser reconhecidos pela própria história clínica ou por exames laboratoriais, a pneumopatia pela amiodarona requer avaliação complementar para que se chegue ao seu diagnóstico(4,7–11). A tomografia computadorizada pode ser utilizada, uma vez que apresenta achados mais específicos deste diagnóstico que a radiografia de tórax, contribuindo na distinção entre os efeitos causados pelo uso do fármaco e outros possíveis diagnósticos diferenciais. É também muito útil no diagnóstico inicial e no acompanhamento de pacientes com este quadro(1,2,9–11,14).

Dos dez pacientes estudados neste trabalho, seis (60%) eram do sexo masculino e quatro (40%), do sexo feminino. Na literatura observa-se também predomínio da toxicidade pulmonar pela amiodarona no sexo masculino(1,7–9,11,15). A idade dos pacientes variou de 64 a 83 anos, com média de 73,5 anos, sendo estes dados semelhantes aos observados na literatura(1,9,11,15). A predominância de pacientes do sexo masculino e de faixa etária mais elevada deve-se, provavelmente, à maior associação de homens idosos com doença arterial coronariana e, conseqüentemente, de arritmias que indiquem o uso da amiodarona(9).

As manifestações tomográficas dos pacientes com toxicidade pulmonar pela amiodarona são variáveis. Comumente, os pacientes apresentam associação de achados tomográficos(1,15), e isto também foi observado em nosso estudo.

Os achados predominantes nos pacientes estudados foram um padrão de doença mista, com ocupação do interstício e do espaço aéreo, em quatro pacientes (40%), e um padrão de doença puramente intersticial, também em quatro pacientes (40%), totalizando a presença de acometimento intersticial, seja na forma isolada ou associado ao acometimento do espaço aéreo, em 80% dos pacientes analisados. Somente em dois pacientes (20%) houve doença puramente do espaço aéreo. Outros autores encontraram achados semelhantes(4, 10,11), sendo que Terra Filho(10) observou alterações mistas ou somente intersticiais também em 80% dos seus casos. Esse acometimento preferencial do interstício pulmonar é corroborado pelo fato de que a pneumonia intersticial não usual é a manifestação histopatológica mais comum na toxicidade pulmonar pela amiodarona(1,14).

As principais alterações tomográficas encontradas nos pacientes estudados foram as opacidades lineares ou reticulares (60%), especialmente representadas por espessamento de septos interlobulares, pequenos nódulos com densidade elevada (60%), consolidações densas (30%), nódulos densos com dimensões maiores que 1 cm (10%), atenuação em vidro fosco (30%), sinais tomográficos de distorção arquitetural (20%), bronquiectasias (10%) e alterações pleurais (20%). Dentre esses pacientes, oito possuíam estudo tomográfico incluindo a porção superior do abdome. Destes oito pacientes, cinco (62,5%) apresentaram aumento da densidade do parênquima hepático. Esta distribuição de alterações tomográficas encontra-se em concordância com diversos estudos da literatura(1,2,6,10).

Espessamento de septos interlobulares, evidenciado em seis pacientes (60%), foi também relatado em vários estudos da literatura, resultando da presença de tecido conjuntivo, edema ou células inflamatórias, principalmente macrófagos com citoplasma espumoso, infiltrando esses septos(1,8,10). A presença de macrófagos com aspecto espumoso ou xantomatoso é bastante freqüente nesses pacientes, porém é achado inespecífico(10,11).

A demonstração de lesões com atenuação elevada, como nódulos ou consolidações, é um aspecto conhecidamente sugestivo de toxicidade pulmonar pela amiodarona, apesar dos diversos trabalhos consultados não referirem o percentual deste achado(7–9,11,14). Em nosso estudo, pequenos nódulos com densidade elevada foram vistos em seis pacientes (60%), consolidações densas em três (30%) e nódulos densos com dimensões maiores que 1 cm em um paciente (10%). Na sua totalidade, estes achados foram observados, isolados ou associados, em oito pacientes (80%). Estes focos de densidade aumentada resultam do alto conteúdo de iodo da molécula da amiodarona, a qual é incorporada principalmente por pneumócitos tipo II(14).

Um outro aspecto observado foi a presença de opacidades em vidro fosco, encontradas em três pacientes (30%). A literatura refere freqüências variáveis deste achado. Em alguns estudos, o achado de opacidades em vidro fosco não chega a ser descrito. Outros trabalhos, como o de Siniakowicz et al.(9), relatam a sua presença em cerca de 40% dos casos, enquanto Vernhet et al.(11) referem a presença da atenuação em vidro fosco em 100% de seus casos, sendo este aspecto, entretanto, inespecífico desta toxicidade(10).

Distorção arquitetural, identificada em 20% dos casos, e bronquiectasias de tração, vistas em 10%, foram achados pouco freqüentes em nossa análise. Estes dados condizem com a literatura(9,11).

Vários autores assinalam a presença de aumento da densidade do parênquima hepático como um sinal bastante específico da pneumopatia pela amiodarona, porém pouco sensível. Há freqüências relatadas entre 62% e 91%(1,9,11,14). Em nossa casuística, a elevação da atenuação do fígado foi vista em cinco pacientes de um total de oito em que tivemos acesso ao estudo tomográfico da porção superior do abdome (62,5%). Este dado encontra-se, portanto, em concordância com os relatados na literatura.

Nosso estudo mostrou predomínio das alterações nas porções inferiores e posteriores dos pulmões, apresentando-se com estas características em oito pacientes (80%), e de forma bilateral em todos os pacientes analisados. Esta distribuição é amplamente referida na literatura(2,7,9,10), sendo também descrita como assimétrica e com predomínio na regiões periféricas dos pulmões.

Em conclusão, o achado na TCAR de lesões parenquimatosas com densidade elevada, na forma de nódulos ou consolidações, especialmente quando associado com aumento da densidade do parênquima hepático, é altamente sugestivo de toxicidade pulmonar por amiodarona.

 

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Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Edson Marchiori
Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso
Petrópolis, RJ, 25685-120
E-mail: edmarchiori@bol.com.br

Recebido para publicação em 1/7/2005.
Aceito, após revisão, em 25/7/2005.

 

 

* Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.


 
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