Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 39 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2006

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 27 to 31



Avaliação radiográfica da idade óssea em crianças infectadas pelo HIV por via vertical

Autho(rs): Helena Willhelm de Oliveira, Elaine Bauer Veeck, Paulo Henrique Couto Souza, Ângela Fernandes

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Descritores: Idade óssea, HIV, Crianças, Eklöf e Ringertz, Greulich e Pyle

Keywords: Skeletal age, HIV infection, Children, Eklöf & Ringertz, Greulich & Pyle

Resumo:
OBJETIVO: O presente trabalho teve por objetivo avaliar o desenvolvimento de crianças infectadas pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) por contaminação vertical, comparando-se dois métodos determinantes da idade óssea. MATERIAIS E MÉTODOS: Analisou-se uma amostra de 100 crianças, com idades variando de 4 anos e 2 meses a 11 anos e 9 meses, que realizaram radiografias de mão e punho tecnicamente padronizadas e que, posteriormente, foram analisadas segundo os critérios dos métodos de Greulich e Pyle (1959) e de Eklöf e Ringertz (1967). RESULTADOS: Os resultados obtidos mostraram diferenças estatísticas entre os métodos de análise radiográfica do desenvolvimento esquelético utilizados, com destaque para a maior sensibilidade em relação ao método de Eklöf e Ringertz (p < 0,05). O grupo feminino apresentou diferenças estatisticamente significantes entre os casos controle e HIV+ (sete casos) quando avaliados por este método (p < 0,05). CONCLUSÃO: Constatou-se, com a presente pesquisa, que houve a influência do HIV sobre o desenvolvimento esquelético neste grupo de pacientes.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the development of children with vertically transmitted HIV infection by comparing two methods for bone age assessment. MATERIALS AND METHODS: A total of 100 children aged between 4 years and two months and 11 years and 9 months were studied. The hands and wrists of the children were X-rayed using standard techniques and the films were subsequently analyzed according to the Greulich & Pyle (1959) and by Eklöf & Ringertz (1967) methods. RESULTS: The results showed statistically significant differences between the two methods, with the Eklöf & Ringertz method being distinguished by higher sensitivity (p < 0.05). In the group of female patients statistically significant differences were seen between control and HIV+ cases (seven cases) when assessed using this method (p < 0.05). CONCLUSION: The study showed that HIV influenced skeletal development in this group of patients.

IIIProfessor Adjunto do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde - Curso de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

O crescente aumento dos índices de prevalência e incidência da infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) na população infantil mundial tem motivado vários estudos sobre o assunto. Diferentes trabalhos relatam que a principal forma de aquisição do HIV na infância é a transmissão vertical, isto é, da mãe para o filho, podendo ocorrer durante a vida intra-uterina, no parto ou através do aleitamento materno(1-4). Contreras(5) relata, em seus trabalhos, que a evolução da doença em crianças é mais rápida e a carga viral prediz o curso da infecção. Além destes, outros estudos também referem as alterações e os distúrbios de desenvolvimento que podem afetar o crescimento de crianças infectadas pelo HIV(1,6-8).

Langlade(9) enfatiza a importância de se diagnosticar uma desarmonia de crescimento e refere o método inspecional de Greulich e Pyle(10), que preconiza a comparação de radiografias, obtidas da mão e punho, com as de um Atlas, realizadas em um grupo de crianças saudáveis americanas, a partir de idades cronológicas sucessivas. Tal padrão fornece um meio prático de descrever a condição esquelética de outras crianças da mesma faixa etária(10). Outro método de avaliação do desenvolvimento ósseo em crianças e adolescentes é o de Eklöf e Ringertz(11), cujos parâmetros de análise e comparação são determinados por medidas lineares de centros específicos de ossificação da mão e punho(11).

Esses métodos, com destaque para o de Greulich e Pyle(10), apesar do período em que foram realizados, ainda são muito utilizados em pesquisas atuais sobre a avaliação do crescimento esquelético(12-15). Um desses trabalhos foi realizado em crianças brasileiras(15).

Ainda comentando sobre o padrão de desenvolvimento ósseo, sabe-se, recentemente, que o vírus HIV interfere no metabolismo cálcico e, conseqüentemente, no crescimento de crianças infectadas, que apresentam, dessa forma, perda de massa óssea e insuficiência de cálcio(16).

Alguns trabalhos recentes têm utilizado imagens radiográficas digitalizadas com o objetivo de aperfeiçoar os métodos de avaliação radiográfica(17-19).

O presente trabalho pretendeu avaliar as alterações de crescimento ósseo pelos métodos de Greulich e Pyle(10) e de Eklöf e Ringertz(11), em radiografias da mão e punho convencionais e digitalizadas, respectivamente, de crianças HIV+ e não infectadas, de ambos os sexos, objetivando a comparação dos métodos entre si e dos subgrupos controle e HIV+ em cada sexo, independentemente.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Os pacientes HIV+ atendidos encontravam-se sob tratamento terapêutico de anti-retrovirais, com acompanhamento contínuo dos sintomas e carga viral. Este grupo, assim como o de crianças saudáveis, estavam com idades entre 4 anos e 2 meses e 11 anos e 9 meses. Realizaram-se 100 radiografias da mão e punho esquerdos das crianças, tecnicamente padronizadas a uma distância de 1,52 m, em aparelho de raios X (Orthophos Siemens, Benshein, Germany) com regime de 66 kVp e 6 mA, com filme T-MAT (Kodak, Rochester, USA), processados em equipamento automático AT 2000 (Air Techniques, Nova York, USA) (Figura 1). As radiografias foram realizadas no período de janeiro de 1999 a setembro de 2000, mediante aprovação do Comitê Científico e de Ética das Instituições onde o estudo foi realizado e com o consentimento informado de cada responsável(20).

 

 

Das 100 radiografias, 51 pertenciam ao grupo do sexo feminino, e destas, 23 eram HIV+ e 28 eram não infectadas. As outras 49 radiografias eram do grupo do sexo masculino, sendo que, destas, 24 eram HIV+ e 25 eram não infectadas. Os grupos foram emparelhados nos critérios de idade, condição socioeconômica, sexo e raça.

Para a análise radiográfica pelo método de Greulich e Pyle(10), cada radiografia foi avaliada utilizando-se o mesmo negatoscópio com máscara, em uma sala em penumbra, e comparada com as imagens do Atlas(10), tendo-se a cautela de utilizar, também, os padrões mais velhos e mais jovens do que os da idade cronológica encontrada no Atlas. Após identificada a idade óssea, na radiografia avaliada, compararam-se, detalhadamente os ossos, individualmente e suas epífises. Para seguir uma seqüência padronizada na avaliação, iniciou-se pela distal do rádio e da ulna, seguido pelos ossos carpais (na seqüência que eles aparecem: capitato, hamato, piramidal, semilunar, escafóide, trapézio, trapezóide e pisiforme), os metacarpais e, finalmente, as falanges. Os sesamóides adutor e flexor do polegar aparecem nesta ordem, comumente, após a ossificação do pisiforme ter-se iniciado. Estas análises foram realizadas por um único observador, com formação especializada em radiologia, repetindo-as em três momentos diferentes (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

Na análise radiográfica do método de Eklöf e Ringertz(11), segundo os próprios autores, o padrão de crescimento de vários ossos da mão e punho fornece valores estatísticos lineares e contínuos quando analisados por um período de crescimento entre 1 e 15 anos de idade(11).

Para determinar o padrão normal de crescimento, nesse intervalo, os autores selecionaram dez parâmetros correspondentes ao comprimento e largura de ossos da mão e punho, que forneceram elevados coeficientes de correlação entre a idade estudada e as medidas em questão. Os parâmetros foram os seguintes: largura distal da epífise radial, comprimento e largura do osso capitato, comprimento e largura do osso hamato, comprimento do segundo, terceiro e quarto metacarpais, comprimento da segunda e terceira falanges proximais.

Os autores elaboraram um quadro, contendo os valores padrões obtidos em cada um dos dez parâmetros relacionados ao sexo masculino e, outro, para o sexo feminino. Dessa forma, para a análise do método de Eklöf e Ringertz(11), a presente pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira, todas as radiografias de mão e punho foram escaneadas e, na segunda, as imagens obtidas foram analisadas pelo programa de imagens digitalizadas Image Tool, versão 1.27 (Uthscsa, Texas, USA).

Para o escaneamento das radiografias de mão e punho, utilizou-se um "scanner" (SnapScan 1236, Agfa) de mesa, equipado com leitor de transparência, e as imagens foram arquivadas em extensão TIFF ("tagged image file format"). Para a sua análise, utilizou-se o recurso de medições lineares do programa Image Tool, previamente calibrado.

Para estas medições, selecionaram-se pontos anatômicos referenciais para cada parâmetro de análise do método de Eklöf e Ringertz(11). Após exibida, a imagem foi ampliada para que os limites dos ossos a serem mensurados se tornassem mais destacados. Solicitou-se a função "analysis", que tem a opção "distance", possibilitando as mensurações lineares necessárias (Figura 4). As leituras, assim como no método de Greulich e Pyle(10), foram repetidas, por três vezes, em momentos diferentes.

 

 

Em casos em que os limites dos referidos centros de ossificação não eram bem visíveis, utilizou-se o recurso de inversão da imagem, facilitando a sua identificação.

 

RESULTADOS

As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados encontrados nos métodos de Greulich e Pyle(10) e Eklöf e Ringertz(11), quando comparados os grupos masculino e feminino, respectivamente. Estas tabelas mostram que houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois métodos, quando comparados entre si, em ambos os grupos de pacientes (p < 0,05).

 

 

 

 

Nos subgrupos masculinos não houve diferença significativa entre os dois métodos (Tabela 3). Pode-se observar, na Tabela 4, que no subgrupo HIV+ uma criança estava acima, 15 eram compatíveis e 7 estavam abaixo da idade óssea esperada (p > 0,012), enquanto no subgrupo controle todos foram compatíveis, de acordo com Eklöf e Ringertz, mas pelo método de Greulich e Pyle não houve diferenças significativas entre os dois subgrupos.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho lançou mão de dois métodos clássicos, o de Greulich e Pyle(10) e o de Eklöf e Ringertz(11), para a avaliação do crescimento esquelético de crianças saudáveis e infectadas pelo HIV, de ambos os sexos, com idades entre 4 anos e 2 meses e 11 anos e 9 meses, contaminadas por via vertical. Estes métodos foram utilizados com base na afirmação de Tavano(15), quando salienta que, apesar de terem sido realizados em outros grupos étnicos, estes métodos são aplicáveis e apresentam altos níveis de correlação com a idade cronológica em estudos realizados em crianças brasileiras.

Conforme os resultados em que ambos os métodos foram comparados entre si, considerando os grupos masculino e feminino de crianças estudadas, observaram-se diferenças estatísticas significativas entre eles. Este resultado está condizente com a natureza de cada método utilizado. No caso do método de Greulich e Pyle(10), procedeu-se a uma avaliação inspecional e comparativa, ou seja, de maneira subjetiva, observaram-se as radiografias do Atlas, comparando-se com a amostra deste estudo, sendo realizada três vezes, em momentos diferentes, pelo mesmo observador. No método de Eklöf e Ringertz(11), realizou-se análise comparativa, com critérios objetivos, uma vez que valores numéricos foram analisados entre os dados obtidos com o método e aqueles encontrados na população de estudo do presente trabalho. Portanto, ambos os métodos foram passíveis de serem realizados em um grupo de crianças brasileiras, infectadas e não-infectadas pelo HIV. Porém, de acordo com os resultados expressos nas Tabelas 1 e 2, salienta-se a importância de que os métodos possuem limitações próprias, considerando seus parâmetros de classificação e, conseqüentemente, não devem ser utilizados de maneira aleatória no controle de uma mesma amostra, já que geraram resultados estatisticamente diferentes (p < 0,05).

A população deste estudo está de acordo com os dados de alguns trabalhos epidemiológicos que destacam que a principal forma de contaminação de crianças pelo HIV é a vertical(2,5,21). Ressalta-se que trabalhos precedentes, também da mesma linha de pesquisa, como o de Fernandes et al.(22), correlacionaram achados clínicos quanto às alterações de desenvolvimento dentário com o mesmo grupo de crianças estudadas nesta pesquisa, não tendo obtido diferenças significativas.

Segundo diferentes trabalhos científicos, parece evidente que o crescimento de pacientes infectados pelo HIV é afetado. Para o grupo de crianças do sexo masculino, não foram observadas diferenças estatísticas significativas entre os subgrupos controle e HIV+ (Tabela 3), em ambos os métodos, contradizendo os resultados de outros autores(3,6,7,23,24).

Entretanto, observaram-se diferenças estatísticas significantes entre os subgrupos controle e HIV+, no grupo do sexo feminino, quando avaliados pelo método de Eklöf e Ringertz(11). Neste aspecto, cabe sedimentar algumas considerações sobre períodos de crescimento, que são extremamente variáveis entre meninos e meninas, de acordo com outros autores(25-27).

Como avaliação complementar, foi observado que no grupo do sexo feminino as diferenças entre os subgrupos controle e HIV+ foram com idades acima dos oito anos, ratificando os achados de Jospe e Powell(28), quando relataram um caso clínico sobre a deficiência de crescimento em uma criança do sexo feminino infectada pelo HIV, e de Ursi(25), que comenta sobre o surto de crescimento que ocorre dos seis aos oito anos de idade, de forma mais acentuada para as meninas, o que sugeriu uma influência do vírus nesses casos.

Sobre as análises radiográficas realizadas em ambos os métodos, ressalta-se a importância do aprimoramento tecnológico, instituído na avaliação pelo método de Eklöf e Ringertz(11), mediante as imagens digitalizadas, justificando sua maior sensibilidade neste estudo. Salienta-se também o cuidado na calibração do programa Image Tool, quanto às medições em milímetros, também preconizados por outros autores(17-19).

Com base nos resultados obtidos, concluiu-se que existem diferenças estatísticas quanto aos métodos de análise radiográfica do desenvolvimento esquelético, com destaque para a maior sensibilidade do método de Eklöf e Ringertz(11) (p < 0,05). Além deste aspecto, constatou-se que houve influência do HIV no desenvolvimento esquelético no grupo feminino quando se compararam os subgrupos controle e HIV+, avaliados por este método.

 

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Endereço para correspondência:
Profa. Dra. Elaine Bauer Veeck
Avenida Cristóvão Colombo, 3084, conj. 708/709
Higienópolis. Porto Alegre, RS, 90560-002
E-mail: ebveeck@zaz.com.br

Recebido para publicação em 20/11/2004. Aceito, após revisão, em 2/5/2005.

 

 

* Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em pacientes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS.


 
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