Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 39 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2006

EDITORIAL
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Page(s) V to VI



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Racine Procópio Teixeira, João Roberto de Matos, Ernesto Lima Araújo Melo, Marcos Roberto de Menezes, Cezar José Albertotti, Giovanni Guido Cerri

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Endereço para correspondência

 

 

Paciente do sexo masculino, 14 anos de idade, branco, procedente de São Paulo, deu entrada no pronto-socorro com história de distensão e dor abdominal difusa associadas a vômitos há cerca de 12 horas. Relatou episódios esporádicos semelhantes anteriormente. O paciente foi encaminhado para a realização de tomografia computadorizada (Figura 1).

 

 

Achados de imagem

O exame de tomografia computadorizada demonstra sinais de hepatopatia crônica caracterizados por fígado heterogêneo de bordas rombas e contornos nodulares, esplenomegalia e exuberante circulação colateral nos territórios da veia gástrica esquerda e das veias paraesofágicas.

O pâncreas apresenta volume muito reduzido e está acentuadamente lipossubstituído, com alguns pequenos focos de tecido pancreático remanescente junto ao hilo esplênico.

As alças intestinais delgadas apresentam-se distendidas e preenchidas por material espesso com aspecto fecalóide até o nível do íleo terminal. Interessante observar que não se costuma identificar tal conteúdo nas alças intestinais delgadas de indivíduos normais. Não há distensão dos cólons.

Diagnóstico: Fibrose cística com síndrome do íleo meconial equivalente.

 

COMENTÁRIOS

A fibrose cística é a doença autossômica recessiva letal mais comum na população branca. Sua fisiopatologia decorre de uma disfunção no transporte dos íons cloreto no epitélio de todo tecido exócrino, resultando em espessamento das secreções endoluminais viscerais e ductais intraparenquimatosas(1).

Apesar das infecções pulmonares recorrentes e da insuficiência respiratória serem a principal causa de morbi-mortalidade, as complicações gastrintestinais vêm ganhando importância com o aumento da expectativa de vida desses pacientes(2).

As manifestações gastrintestinais na fibrose cística podem ser didaticamente divididas em três categorias: intestinal, pancreática e hepatobiliar.

Intestinais

A obstrução intestinal pelo íleo meconial pode estar presente ao nascimento em 10% dos pacientes. Em crianças maiores a obstrução intestinal completa ou parcial por material espesso é denominada de síndrome do íleo meconial equivalente ou síndrome de obstrução intestinal distal, ocorrendo de 10% a 47% dos pacientes com fibrose cística(3). Apresenta-se classicamente com dor na fossa ilíaca direita, perda de apetite, massa palpável e ocasionalmente vômitos, estando relacionada a insuficiência pancreática exócrina. Nos estudos radiológicos pode haver fezes no cólon direito bem como nível hidro-aéreo, dilatação e espessamento de alça delgada. Prolapso retal e intussuscepção também associam-se com o envolvimento intestinal da fibrose cística(4).

Pancreática

A complicação gastrintestinal mais comum na fibrose cística é a insuficiência pancreática, acometendo 85% dos pacientes ? destes, somente 1% a 2% evoluem com diabetes insulino-dependente. A secreção pancreática exócrina espessa leva à obstrução de ductos pancreáticos, podendo iniciar-se a partir do segundo trimestre gestacional. Conseqüentemente, as células acinares são gradativamente substituídas por tecidos adiposo e fibrótico(5) e terão variados padrões de alterações, por exemplo, substituição parcial ou completa do pâncreas por tecido adiposo, a alteração mais prevalente. Outros padrões descritos são o aumento pancreático por pseudo-hipertrofia lipomatosa, completa atrofia pancreática sem lipossubstituição, fibrose pancreática difusa ou transformação cística(2).

Dentre as principais causas de lipossubstituição pancreática devemos considerar a síndrome de Cushing, o uso prolongado de corticosteróides, a desnutrição grave, a síndrome de Shwachman, a hemocromatose e a infecção virótica(6).

Hepatobiliar

Os achados da clínica e da análise bioquímica hepática têm baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de doença hepática relacionada à fibrose cística. Assim sendo, é preconizada a avaliação da presença e gravidade da doença hepática nesses pacientes por meio da ultra-sonografia. A ressonância magnética parece ser igualmente útil para esta avaliação, apesar da falta de estudos prospectivos específicos.

Os padrões de apresentação descritos são de esteatose, cirrose biliar focal, cirrose franca com hipertensão portal, anomalias de ductos biliares intra e extra-hepáticos, espessamento ou contração da vesícula biliar e litíase vesicular(7).

 

REFERÊNCIAS

1. Boucher RC. Fibrose cística. In: Fauci AS, Braunwald E, Issellbacher KJ, editors. Harrison Medicina interna. 14ª ed. Rio de Janeiro, RJ: McGraw-Hill, 1998;1545-1548.

2. Berrocal T, Pajares MP, Zubillaga AF. Pancreatic cystosis in children and young adults with cystic fibrosis: sonographic, CT, and MRI findings. AJR 2005;184:1305-1309.

3. Littlewood JM. Cystic fibrosis: gastrointestinal complications. Br Med Bull 1992;48:847-859.

4. Agrons GA, Corse WR, Markowitz RI, Suarez ES, Perry DR. Gastrointestinal manifestations of cystic fibrosis: radiologic-pathologic correlation. RadioGraphics 1996;16:871-893.

5. Nousia-Arvanitakis S. Cystic fibrosis and the pancreas: recent scientific advances. J Clin Gastroenterol 1999;29:138-142.

6. Soyer P, Spelle L, Pelage JP, et al. Cystic fibrosis in adolescents and adults: fatty replacement of the pancreas - CT evaluation and functional correlation. Radiology 1999;210:611-615.

7. King LJ, Scurr ED, Murugan N, Williams SGJ, Westaby D, Healy JC. Hepatobiliary and pancreatic manifestations of cystic fibrosis: MR imaging appearances. RadioGraphics 2000;20:767-777.

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Racine P. Teixeira
Hospital Sírio-Libanês, Centro de Diagnóstico por Imagem
Rua Dona Adma Jafet, 91
Cerqueira César. São Paulo, SP, 01308-050
E-mail: racinedoc@yahoo.com.br

 

 

Trabalho realizado no Centro de Diagnóstico por Imagem do Hospital Sírio-Libanês (HSL), São Paulo, SP.


 
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