ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marco Aurélio de Sousa Lacerda, Helen Jamil Khoury, Teógenes Augusto da Silva, Camila Maria de Sousa Lacerda, Alexandre Ferreira Carmo, Márcio Tadeu Pereira |
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Descritores: Radiologia pediátrica, Dose-paciente, Dose-órgão |
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Resumo: VAluno de Graduação em Física, Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Colaborador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), Belo Horizonte, MG, Brasil
INTRODUÇÃO Especial atenção deve ser dada aos exames radiográficos realizados em pacientes pediátricos, uma vez que esses pacientes apresentam células com alta radiossensibilidade e maior expectativa de vida, o que aumenta, sobremaneira, o risco de ocorrência de efeitos estocásticos devidos aos exames radiológicos, em comparação aos exames de adultos(1). Além disso, as inúmeras peculiaridades inerentes à radiologia pediátrica requerem procedimentos específicos para a realização de exames radiográficos em crianças. Nesse sentido, a Comunidade Européia publicou um documento que estabelece critérios de qualidade para as radiografias clínicas realizadas em pacientes pediátricos, definindo as necessidades diagnósticas para uma radiografia normal básica, especificando critérios anatômicos e detalhes importantes da imagem, orientando quanto à escolha da técnica radiográfica e propondo valores de referência para as doses por paciente nos exames de raios X mais freqüentes(2). Cook et al.(3) elaboraram um guia similar a este, com a adição de critérios de referência, preparação do paciente, instruções práticas, fatores de exposição e doses em função da idade para quatro faixas etárias. Para o diagnóstico da sinusite, que é uma das doenças mais freqüentes em crianças, a tomografia computadorizada é considerada o padrão-ouro dos métodos de imagem(4,5). No entanto, para a investigação inicial de pacientes com suspeita de sinusite aguda, a radiografia convencional ocupa lugar de destaque(6). As incidências radiográficas habitualmente empregadas para diagnóstico da sinusite aguda são(6,7): a) Waters ou mento-naso, para avaliação preferencial dos seios maxilares; b) Caldwell ou fronto-naso, para estudo dos seios frontais, etmoidais anteriores; c) Hirtz ou submento-vértice, em que se estudam os seios etmoidais posteriores e o esfenoidal; d) incidência em perfil, que permite a avaliação de todos os seios, especialmente o frontal e o esfenoidal, o assoalho e a parede posterior dos seios maxilares, as fossas nasais e, também, a rinofaringe. Alguns estudos clínicos têm mostrado que uma única incidência de Waters (mento-naso) tem altíssimo nível de concordância com a série completa de quatro incidências(8). Com a realização de uma única incidência mento-naso em crianças pode-se ter exatidão de 87% no diagnóstico da sinusite aguda(9). Nesse sentido, o guia britânico de boas práticas em radiologia pediátrica(3) fornece critérios de qualidade apenas para as incidências mento-naso e lateral. O objetivo deste trabalho foi avaliar a freqüência das incidências radiográficas realizadas nos seios da face de pacientes pediátricos em hospitais da cidade de Belo Horizonte, MG, e também as condições de radioproteção, técnicas radiográficas empregadas, o kerma no ar de entrada e as doses nos órgãos mais expostos.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram coletados os dados dos pacientes (sexo, idade, peso e altura) e das técnicas radiográficas (kV, mA.s, distância foco-pele e tempo de exposição) empregadas em exames radiográficos dos seios da face em crianças de 1 a 16 anos de idade, em quatro hospitais da cidade de Belo Horizonte. As principais características dos aparelhos de raios-x avaliados neste estudo, para cada hospital, são mostradas na Tabela 1.
Durante a realização dos procedimentos radiográficos acompanhados nos hospitais, foram avaliadas as condições de radioproteção, por meio da observação dos seguintes quesitos: uso de protetores plumbíferos para o paciente, uso de grades antiespalhamento, cilindro de colimação e de filtração adicional no tubo. Os rendimentos dos tubos de raios-x das cinco salas dos hospitais em estudo foram determinados para diferentes valores de tensão (kV) aplicados ao tubo, mantendo-se fixa a carga (Q). Para a medida do kerma no ar foi utilizada uma câmara de ionização Radcal/MDH 10X5-6 previamente calibrada, acoplada a um eletrômetro Radcal/MDH 9015, também calibrado. A câmara foi posicionada sobre a mesa de exames, no centro do campo de radiação, a uma distância de 100 cm do foco e a 20 cm da mesa. A partir do rendimento do tubo e dos parâmetros de irradiação utilizados para cada paciente, foi possível estimar o kerma no ar incidente (INAK) e o kerma no ar de entrada (ESAK), utilizando as seguintes equações:
onde: Ri é o rendimento do tubo de raios-x para a técnica radiográfica empregada no exame, interpolado a partir da curva do rendimento em função da tensão, do tipo Ri = a . (kV)b, sendo a e b parâmetros de ajuste da curva(10); Q é o produto da corrente do tubo (I) pelo tempo de exposição (t), empregados no exame, em miliampère-segundo (mA.s); Dref. é a distância em que o rendimento foi medido (1 m); DFP é a distância entre o foco e a pele do paciente, em metros; BSF é o fator de retroespalhamento, adimensional. Este é função do tamanho de campo, da filtração do equipamento e da técnica radiográfica empregada no exame. Foi adotado, neste trabalho, um valor fixo 1,30 para o BSF(11). A partir do kerma no ar incidente, das características dos pacientes e das técnicas radiográficas empregadas nos exames, as doses nos órgãos mais expostos foram avaliadas utilizando o software PCXMC(12).
RESULTADOS A Figura 1 mostra o número de exames realizados em cada incidência radiográfica nos seios da face, para pacientes pediátricos distribuídos em três faixas etárias: 1 a 5 anos, 5 a 10 anos e 10 a 16 anos, nas cinco salas dos quatro hospitais estudados.
A Figura 2 mostra, respectivamente, para as mesmas três faixas etárias, o percentual de exames em que foram utilizados grade antiespalhamento e cilindros de colimação no tubo de raios-x, para os quatro hospitais estudados.
A Figura 3 mostra, respectivamente, o número de exames de seios da face em função da tensão do tubo de raios-x e do tempo de exposição, empregados nos quatro hospitais, para pacientes distribuídos nas mesmas três faixas etárias.
A Figura 4 mostra a distribuição dos valores de kerma ar de entrada estimados, por incidência radiográfica, para pacientes distribuídos nas três faixas etárias, em cada sala dos hospitais estudados. Na Figura 4 são mostradas, apenas, as incidências mento-naso e fronto-naso, que são as mais freqüentemente solicitadas.
A Tabela 2 mostra os valores mínimos, médios e máximos das doses nos órgãos mais expostos (cérebro, cristalino, esôfago, medula e tireóide) estimados para as incidências mento-naso e fronto-naso. Como o software PCXMC não estima a dose no cristalino, esta foi estimada, aproximadamente, pela dose na entrada da pele (Tapiovaara M, comunicação pessoal).
DISCUSSÃO A Figura 1 mostra que as incidências mais utilizadas em exames de seios da face são a fronto-naso e a mento-naso, sendo que apenas no hospital E foi constatada, com freqüência, a solicitação de apenas uma incidência mento-naso. Nos demais hospitais, as incidências fronto-naso e mento-naso eram realizadas conjuntamente. A incidência lateral foi observada apenas no hospital D, porém, em uma fração pequena dos exames avaliados (< 10%). Por esse motivo, a incidência lateral não foi incluída nas demais análises que são feitas neste estudo. Durante o acompanhamento dos exames, foi constatado, com relação aos protetores plumbíferos, que somente o hospital D fez uso de protetores de tireóide, em cerca de 25% dos exames. Nos demais hospitais, não foi constatado o uso desse tipo de protetor. Em contrapartida, pela análise da Figura 2, verifica-se que nesse mesmo último hospital e no hospital B não foram adotados, em nenhum exame, cilindros de colimação, conforme recomenda o guia britânico de boas práticas(3) e um dos principais tratados de técnica radiológica(7). A não-adoção de cilindros em exames radiográficos de seios da face pode expor, desnecessariamente, a região da tireóide (que é um órgão de alta radiossensibilidade) e do esôfago, além de aumentar a dose nos demais órgãos como o cristalino, o cérebro e a medula. Este fato pode ser constatado pela análise da Tabela 2. Por isso, é recomendada a utilização de um colimador cilíndrico acoplado ao colimador do aparelho de raios-x, para a realização de exames de seios da face. Fato interessante observado no hospital D é que uma placa de chumbo com um orifício central é colocada no chassi, de modo que a imagem fique com a aparência similar à que seria obtida caso se utilizasse o cilindro. Este fato reforça a falta de cultura de proteção radiológica, uma vez que os técnicos procuram atender as exigências médicas (visualização da imagem circular) sem a preocupação com a proteção ao paciente. A Figura 2 permite, ainda, constatar que em quase todos os exames foram utilizadas grades antiespalhamento. Isto está em desacordo com o guia britânico de boas práticas(3), que não recomenda o uso de grades em exames de seios da face de pacientes com idades inferiores a 10 anos. O uso da grade é importante porque reduz a radiação espalhada. Entretanto, também reduz a intensidade do feixe de radiação que incide no filme e, portanto, requer técnicas com maior valor de carga (mA.s), o que aumenta a dose no paciente. Como a intensidade da radiação espalhada depende, entre outros fatores, da espessura do paciente, e como os pacientes pediátricos possuem pequenas espessuras, então o uso de grades não é importante do ponto de vista de reduzir a radiação espalhada. O seu uso somente irá aumentar a dose no paciente. Na Figura 3 é mostrado o número de exames de seios da face (incidência fronto-naso e mento-naso, agrupados conjuntamente) em função da tensão do tubo e tempo de exposição. Pode-se constatar que o hospital D é o que emprega maiores valores de tensão (kV) nos exames, e os hos pitais C e E, os menores valores de tensão e maiores valores de tempo de exposição. Foi constatado, durante o estudo, que apenas o aparelho de raios-x do hospital B é capaz de fornecer valores de tempo de exposição menores que 10 ms, e, portanto, é o único dos hospitais estudados que atende as exigências mínimas dos manuais de boas práticas para a realização de exames radiográficos em crianças(2,3). No entanto, pode-se constatar que, apesar desse último hospital possuir aparelho de raios-x capaz de fornecer valores menores de tempo, ainda é considerável o número de exames realizados, nesse hospital, com tempos altos (superiores a 40 ms). Este fato colabora para que, conforme mostra a Figura 4, os valores de kerma no ar de entrada encontrados nesse hospital sejam maiores que os encontrados nos hospitais C e D, sendo inferiores apenas aos encontrados no hospital E. A Figura 4 mostra, ainda, que o hospital E apresentou grande variação nos valores de kerma no ar de entrada. Os valores médios do kerma no ar de entrada para as cinco salas dos quatro hospitais foram, respectivamente: 1.398 µGy, 829 µGy, 877 µGy, 1.168 µGy e 3.886 µGy para pacientes com idades entre 1 e 5 anos; 1.561 µGy, 1.107 µGy, 1.184 µGy, 1.327 µGy e 4.400 µGy para pacientes com idades entre 5 e 10 anos; e 1.613 µGy, 960 µGy, 1.520 µGy, 1.518 µGy e 5.091 µGy para pacientes com idades entre 10 e 16 anos. Esses valores foram todos acima dos níveis de referência propostos pelo guia britânico(3). Pode-se perceber que os valores médios encontrados no hospital E são superiores a três vezes os valores médios encontrados nos demais hospitais. Como esses valores são uma estimativa da média por incidência, a realização de duas incidências (fronto-naso e mento-naso) por paciente, que são comuns nos hospitais B, C e D, expõe o paciente pediátrico a riscos menores que os decorrentes da realização de uma única incidência mento-naso no hospital E. A análise da Tabela 2 permite constatar que, apesar do hospital E apresentar valores de kerma no ar de entrada significantemente maiores que os encontrados nos demais hospitais, as doses na tireóide e no esôfago foram menores. Isto pode ser atribuído ao uso intensivo, nesse hospital, de colimadores cilíndricos acoplados ao tubo. Os resultados encontrados ressaltam a importância da utilização do cilindro em exames radiográficos nos seios da face. Os valores de dose no cristalino estimados para os pacientes do hospital E são, provavelmente, mais baixos do que os fornecidos na Tabela 2, uma vez que estes foram aproximados pelo valor do kerma no ar de entrada. Como no hospital E se utilizam, freqüentemente, cilindros de colimação, essa aproximação tende a sobreestimar o valor da dose no cristalino. Portanto, os altos valores de dose encontrados para este órgão apontam para a necessidade de se empregar, quando tecnicamente possível, projeções póstero-anteriores, ao invés de ântero-posteriores, que foram as comumente adotadas em crianças com idades inferiores a seis anos, em todos os hospitais.
CONCLUSÕES Foi realizado estudo da freqüência, radioproteção, doses e riscos dos exames radiográficos nos seios da face de crianças em hospitais da cidade de Belo Horizonte. Foi constatado que as incidências mento-naso e fronto-naso são freqüentemente solicitadas em conjunto, na maioria dos hospitais. Este fato confere uma dose significativa para o paciente e põe em dúvida a justificativa da solicitação das duas incidências, tendo em vista os estudos clínicos apresentados na literatura(8,9). Foi constatado que os riscos para os pacientes podem ser diminuídos consideravelmente mediante otimização dos procedimentos, principalmente no que diz respeito à colimação do campo de raios-x (com a utilização de cilindros), a não-utilização de grades antiespalhamento, o emprego de altos valores de tensão e baixos valores de tempo (e, conseqüentemente, cargas). Além disso, um esforço maior por parte dos técnicos de radiologia em se empregar, quando tecnicamente possível, projeções póstero-anteriores, ao invés de ântero-posteriores, contribuiria, também, para uma redução significativa das doses no cristalino. Agradecimentos Os autores agradecem aos médicos, técnicos em radiologia, enfermeiras, diretores e demais profissionais das instituições que participaram deste estudo. O aluno Alexandre Ferreira Carmo agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de iniciação científica do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (Probic).
REFERÊNCIAS 1. International Commission on Radiological Protection. Recommendations of the International Commission on Radiological Protection. ICRP Publication 60. New York, NY: Pergamon Press, 1991. [ ] 2. European Commission. European guidelines on quality criteria for diagnostic radiographic images in paediatrics. EUR 16261. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 1996. [ ] 3. Cook JV, Shah K, Pablot S, et al. Melhor prática em radiologia pediátrica: um manual para todos os serviços de radiologia. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz, 2006. [ ] 4. Araújo Neto SA, Souza AS, Pereira IMR, Baracat ECE. Alterações incidentais dos seios da face na tomografia computadorizada do crânio e órbitas em crianças. Radiol Bras 2005;38:245?250. [ ] 5. Gebrim EMMS. Alterações incidentais dos seios da face na tomografia computadorizada em crianças. Radiol Bras 2005;38(4):III?IV. [ ] 6. Jacomelli M, Souza R, Pedreira Júnior WL. Abordagem diagnóstica da tosse crônica em pacientes não-tabagistas. J Bras Pneumol 2003;29:413?420. [ ] 7. Bontrager KL. Tratado de técnica radiológica e base anatômica. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1999. [ ] 8. Williams JW Jr, Roberts L Jr, Distell B, Simel DL. Diagnosing sinusitis by x-ray: is a single Waters view adequate? J Gen Intern Med 1992;7:481?485. [ ] 9. Ros SP, Herman BE, Azar-Kia B. Acute sinusitis in children: is the Water's view sufficient? Pediatr Radiol 1995;25:306?307. [ ] 10. American Association of Physicists in Medicine. Protocols for the radiation safety surveys of diagnostic radiological equipment. AAPM Report No. 25. New York, NY: American Institute of Physics, 1988. [ ] 11. Petoussi-Henss N, Zankl M, Drexler G, Panzer W, Regulla D. Calculation of backscatter factors for diagnostic radiology using Monte Carlo methods. Phys Med Biol 1998;43:2237?2250. [ ] 12. Tapiovaara M, Lakkisto M, Servomaa A. PCXMC: a PC-based Monte Carlo program for calculating patient doses in medical x-ray examinations. Report STUK-A139. Helsinki, Finland: Finnish Centre for Radiation and Nuclear Safety, 1997. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 24/1/2007. Aceito, após revisão, em 23/2/2007.
* Trabalho realizado no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), Belo Horizonte, MG, Brasil. |