ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Arildo Corrêa Teixeira, Linei A.B.D. Urban, Ricardo Salfer Schwarz, Caroline Pereira, Thaís Cristina Cleto Millani, Ana Paula Passos |
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Descritores: Ultra-sonografia, Histeroscopia, Tamoxifeno |
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Resumo: VMédica Especializanda em Ultra-sonografia no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil
INTRODUÇÃO O tamoxifeno vem sendo utilizado há quase três décadas no tratamento adjuvante do câncer de mama, sendo também eficaz na quimioprofilaxia desta doença. Porém, apresenta como efeito colateral a proliferação do endométrio, que causa risco baixo, mas real, de desenvolvimento de câncer de endométrio(1,2). Este risco é de quase dois casos de câncer para cada 1.000 mulheres que tomaram tamoxifeno por um ano, semelhante ao das mulheres na pós-menopausa que fizeram reposição hormonal com apenas uma droga(2,3). Estudos têm demonstrado que a maioria dos casos de câncer de endométrio ocorridos em mulheres que tomaram tamoxifeno foi encontrada nos estágios iniciais e o tratamento foi instituído com sucesso; entretanto, nas pacientes que desenvolveram câncer de endométrio e cujo diagnóstico foi feito em estágios mais avançados, o prognóstico foi mais grave. Tendo em vista esses achados, foi recomendada a monitoração do endométrio das pacientes tratadas com tamoxifeno, com o intuito de diagnosticar precocemente essas lesões, seja por ultra-sonografia (US), por histeroscopia, por curetagem uterina ou por biópsia endometrial. Assim, foi objeto de interesse neste estudo avaliar as principais alterações ecotexturais do endométrio por meio da US em um grupo de pacientes tratadas com tamoxifeno, com o objetivo de avaliar anormalidades que poderiam ocorrer na mucosa uterina, e os achados correspondentes na histeroscopia e, eventualmente, na anatomia patológica.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram incluídas, retrospectivamente, 25 pacientes com câncer de mama usuárias de tamoxifeno encaminhadas ao Serviço de Ultra-sonografia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR), no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2005, que apresentavam espessamento endometrial acima de 5 mm. Nenhuma paciente havia realizado terapia hormonal ou havia apresentado doença ginecológica previamente ao diagnóstico do câncer de mama. Os dados clínicos avaliados foram idade, tempo do diagnóstico, tempo de uso do tamoxifeno e presença de sintomas. O estudo ultra-sonográfico endovaginal foi realizado com aparelho Sonoline Siena Ultrasound Imaging System (Siemens, Alemanha), com transdutor de 6,5 MHz multifreqüencial e Doppler colorido. Os itens avaliados foram a ecotextura endometrial e a medida de sua espessura em corte longitudinal, no maior diâmetro ântero-posterior, desde a interface ecogênica da junção endométrio-miométrio, de um lado ao outro. Conforme o grau de espessamento, as pacientes foram divididas em três grupos: espessamento entre 5 mm e 8 mm, entre 9 mm e 15 mm, e acima de 15 mm. A ecotextura foi descrita como homogênea, heterogênea com áreas císticas e com imagem de pólipo no interior. Para fazer a histeroscopia, empregou-se o vídeo-histeroscópio marca Storz, com ótica de 4,1 mm e camisa diagnóstica de 5,0 mm. Utilizou-se um sistema de iluminação com fonte Xenon. A expansão da cavidade uterina foi obtida por meio do gás CO2, com pressão controlada entre 80 mmHg e 100 mmHg. Durante o exame histeroscópico foram biopsiadas as áreas consideradas suspeitas ou de interesse. Os achados histeroscópicos foram descritos como normais (endométrio sem alterações) ou anormais (atrofia, atrofia cística, pólipo e/ou hiperplasia). A análise desses tecidos foi efetuada por patologistas do Departamento de Anatomia Patológica da UFPR. Os resultados da anatomia patológica foram considerados normais, se fosse encontrado endométrio de maturação regular, ou anormais, se fossem encontrados atrofia, pólipos, hiperplasia simples com ou sem atipias, hiperplasia complexa com ou sem atipias, miomas ou carcinoma endometrial.
RESULTADOS A idade média das 25 pacientes selecionadas foi de 62,6 anos (variando entre 37 e 77 anos). O tempo médio do diagnóstico do câncer foi de 4,3 anos (variando entre um e 13 anos) e o tempo médio do uso de tamoxifeno foi de três anos (variando entre um e sete anos). A dose administrada foi de 20 mg/dia para todas as pacientes. Vinte pacientes eram assintomáticas no momento do exame e as outras cinco apresentaram sangramento. No estudo ultra-sonográfico endovaginal, a espessura endometrial média foi de 16,4 mm (variando entre 5 mm e 58 mm). Dezesseis por cento (4/25) apresentaram espessamento endometrial entre 5 mm e 8 mm, 40% (10/25), entre 9 mm e 15 mm e 44% (11/25), acima de 15 mm. A ecotextura foi homogênea em 80% (20/25) dos casos, com áreas císticas em 16% (4/25) e com imagem de pólipo em 4% (1/25). No estudo histeroscópico, realizado no máximo após 56 dias da US endovaginal, observaram-se 40% (10/25) dos casos com atrofia, 16% (4/25) com atrofia cística, 28% (7/25) com pólipos e 16% (4/25) com lesão hiperplásica. O estudo anatomopatológico foi obtido em 17 casos. O material foi insuficiente em 11,7% (2/17). Nos demais casos, com material adequado, observou-se endométrio normal em 40% (6/15), atrofia em 6,6% (1/15), pólipo em 33,3% (5/15) e hiperplasia em 13,3% (2/15). Foi encontrado um caso (1/15) de adenocarcinoma endometrióide (6,6%). A correlação entre o tempo médio de uso do tamoxifeno e os achados à US, histeroscopia e histologia é mostrada na Tabela 1. A Tabela 2 correlaciona os dados clínicos aos achados de imagem (US e histeroscopia) e anatomopatológicos. A Tabela 3 demonstra a correlação entre os dados da US, histeroscopia e anatomia patológica.
DISCUSSÃO O efeito do tamoxifeno como potente agente antiestrogênico é bem estabelecido na literatura, sendo usado com sucesso na terapia adjuvante do câncer de mama. Já o seu efeito em outros tecidos, como no útero, por exemplo, é mais complexo, agindo ao mesmo tempo como potente agonista e antagonista do estrogênio(2,4). O mecanismo de ação, como o de outros agentes antiestrogênicos, seria o antagonismo à molécula do estrogênio nos seus receptores específicos. Age ligando-se competitivamente ao receptor de estrógeno no tecido tumoral e em outros tecidos, formando um complexo nuclear que diminui a síntese de DNA, inibe os efeitos do estrógeno e causa a parada de crescimento celular. Porém, diversos autores referem que o mecanismo de ação do tamoxifeno é complexo e ainda não está adequadamente elucidado(4?6). A presença de doença endometrial relacionada ao hiperestrogenismo em 53,2% das pacientes deste estudo (pólipos, hiperplasia e carcinoma endometrial) confirma, em concordância com a literatura, que a terapia com tamoxifeno aumenta a incidência de lesão endometrial relacionada ao efeito agonista do tamoxifeno, embora a grande maioria não progrida para câncer(2). Não há consenso, em trabalhos na literatura, entre a duração da terapia e o grau da lesão endometrial(1,3,6). Gerber et al.(3), em estudo prospectivo com 274 mulheres, não encontraram relação entre o tempo de uso de tamoxifeno e a espessura endometrial. Le Donne et al.(1) não observaram relação entre a duração da terapia e o grau de lesão endometrial, mas a incidência de câncer endometrial foi maior em pacientes expostas ao tamoxifeno por mais de quatro anos. No nosso estudo não encontramos relação entre a presença de lesão endometrial e o tempo de uso do tamoxifeno. Entretanto, o único caso de carcinoma ocorreu em uma paciente usuária de tamoxifeno por mais de cinco anos, sugerindo que o uso prolongado de tamoxifeno pode ter relação com o aumento da incidência do câncer de endométrio. O comprometimento endometrial secundário ao tratamento com tamoxifeno deve ser pronta e corretamente diagnosticado. A US é um método de diagnóstico por imagem não-invasivo de baixo custo, bem tolerado pelas pacientes, que quando realizado pela via endovaginal pode visualizar indiretamente a cavidade uterina. Vários autores descreveram as alterações endometriais em pacientes com câncer de mama tratadas com tamoxifeno. Zarbo et al.(7), em estudo prospectivo, acompanharam 219 mulheres com câncer de mama tratadas com tamoxifeno, durante seis anos, e descreveram prevalência de 26,9% de alterações endometriais, representadas principalmente por pólipos e atrofia cística. No Brasil, Feitosa et al.(6) observaram prevalência de 36,7% de alterações endometriais, representadas por pólipos em 26,6% e atrofia cística em 46,6%. Nosso estudo mostrou prevalência de 33,3% de pólipos, 13,3% de hiperplasia e 6,6% de carcinoma.
Dos aspectos ultra-sonográficos avaliados, observamos que as principais anormalidades são a espessura e os aspectos ecotexturais do endométrio. Quanto à espessura, sabe-se que o endométrio na pós-menopausa é representado por tênue linha branca e homogênea que não deve ultrapassar 5 mm. A partir dessa medida, quanto maior a espessura, menor é a acurácia da US para afastar comprometimento endometrial. Ou seja, quando o endométrio tem espessura maior que 5 mm, não significa que haja lesão endometrial, mas sim que o estudo ecográfico não é capaz de afastar sua presença. Vários estudos demonstraram que as pacientes usuárias de tamoxifeno têm espessura endometrial entre 6 mm e 10 mm em cerca de 40% a 54% dos casos(8,9). Gerber et al.(3) relataram espessura média de 9,2 mm no grupo de pacientes usuárias de tamoxifeno, em comparação com 3,5 mm no grupo-controle. O problema é que muitos desses casos representam, na realidade, apenas atrofia confirmada pela histeroscopia e anatomia patológica. Para evitar procedimentos desnecessários, Gerber et al.(3) sugeriram que o valor de corte para o aprofundamento diagnóstico nas pacientes em uso de tamoxifeno deveria ser de 10 mm. Já Franchi et al.(10) sugeriram um valor de corte de 9 mm, após estudo de 163 pacientes, tanto assintomáticas como sintomáticas. Os autores dividiram as pacientes em dois grupos e observaram 60% de alterações à histologia no grupo acima de 9 mm, e somente 6,1% no grupo abaixo ou igual a 9 mm. Entretanto, é importante ressaltar que o caso de carcinoma endometrial observado em nosso estudo ocorreu em uma paciente sintomática com espessura endometrial de 7 mm, sugerindo que pacientes sintomáticas devem ser investigadas, independentemente da espessura. Os achados ecotexturais têm importância cada vez maior na diferenciação de benignidade e malignidade. Nas pacientes em pós-menopausa que não fazem uso de reposição hormonal o padrão de atrofia do endométrio observado ao estudo ultra-sonográfico pode simular aspecto espessado, ocasionando grande número de diagnósticos falso-positivos, pois quando submetidas a histeroscopia ou a curetagem uterina, essas pacientes apresentam padrão de atrofia endometrial. Nos casos de pacientes em uso de tamoxifeno nota-se o mesmo padrão ecotextural do endométrio das pacientes em pós-menopausa, associado a pequenas áreas císticas, simulando muitas vezes neoplasia. O aparente aumento da espessura endometrial associada a áreas císticas é decorrente do poderoso efeito antiestrogênico do tamoxifeno sobre o útero, que causa edema e cistificação de glândulas endometriais, enquanto o epitélio permanece atrófico(1,3,11). Cecchini et al.(12) encontraram 41% de endométrio com aparência ecográfica de anormalidade, dos quais 46% eram falso-positivos. No nosso trabalho, observou-se que 56,6% das usuárias de tamoxifeno que apresentavam espessamento à US traduziram-se como atrofia e atrofia cística à histeroscopia, demonstrando também alto percentual de falso-positivo. Também se observou baixa acurácia para identificar hiperplasia e pólipos, pois a maioria não foi individualizada à US. Vários estudos têm enfatizado a importância da histeroscopia na avaliação da cavidade endometrial. Isto porque a histeroscopia permite a visualização direta da cavidade endometrial, com a realização de biópsia dirigida para o diagnóstico definitivo(1,5). Apresenta, como inconveniente, ser exame invasivo e caro, necessitando de equipamentos e profissionais especializados. Neste estudo, a histeroscopia mostrou elevada acurácia para o diagnóstico de pólipos, hiperplasia e alterações neoplásicas. A presença de sintomas, como o sangramento vaginal, aumenta o risco da paciente usuária de tamoxifeno apresentar lesão endometrial aos exames de imagem. Deligdisch et al.(2) encontraram mais alterações patológicas no grupo de pacientes com sintomas (52% das pacientes com pólipos e 62% com carcinoma apresentavam sangramento), em comparação com o grupo assintomático. Gerber et al.(3) descreveram atrofia em 73% das pacientes assintomáticas, enquanto somente 25% das sintomáticas apresentavam esse achado. Nosso estudo observou que a presença de sintomas relaciona-se com a presença de lesão à histeroscopia (todas as pacientes sintomáticas apresentavam lesão relacionada ao hiperestrogenismo, caracterizada por pólipos ou hiperplasia) e à histologia (todas as pacientes sintomáticas apresentavam pólipo, hiperplasia ou adenocarcinoma). Todavia, a ausência de sintomas não significa ausência de lesão, pois 41,6% das pacientes assintomáticas apresentaram pólipo ou hiperplasia ao estudo anatomopatológico.
CONCLUSÕES As pacientes tratadas com tamoxifeno necessitam de controle rigoroso do endométrio, devido ao risco aumentado de desenvolvimento de câncer de endométrio. Para a monitoração do endométrio, a US endovaginal periódica deve ser recomendada como método de triagem inicial, pois o prognóstico está na dependência do diagnóstico precoce. Em caso do encontro de alterações endometriais suspeitas de neoplasia, há necessidade da realização de histeroscopia para visualização direta da cavidade endometrial e realização de biópsia dirigida para o diagnóstico definitivo. A presença de sangramento vaginal aumenta o risco das pacientes apresentar lesão endometrial, portanto, todas merecem estudo anatomopatológico, independentemente dos achados de imagem. Nosso estudo mostrou que o emprego isolado da US na avaliação dessas pacientes, baseando-se apenas no aumento da espessura do endométrio, apresenta alto índice de falso-positivos (56%), causando intervenções cirúrgicas desnecessárias, mas há consenso, na literatura, que valores de corte acima de 9?10 mm merecem aprofundamento diagnóstico. É importante enfatizar a necessidade da associação entre os sintomas clínicos e os achados de imagem como critérios na definição da conduta para essas pacientes.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 22/2/2007. Aceito, após revisão, em 10/4/2007.
* Trabalho realizado no Serviço de Ecografia da Maternidade do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Clínica DAPI ? Diagnóstico Avançado por Imagem, Curitiba, PR, Brasil. |