Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 40 nº 5 - Set. / Out.  of 2007

ATUALIZAÇÃO
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Page(s) 345 to 348



O uso de FDG-PET/TC scan no planejamento da radioterapia em câncer do pulmão não de pequenas células

Autho(rs): Sergio L. Faria, Robert Lisbona, Jerry Stern, Slobodan Devic, Luis Souhami, Carolyn R. Freeman

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Texto em Português English Text

Descritores: Radioterapia, Tomografia por emissão de pósitron, PET scan, Planejamento, Câncer do pulmão

Keywords: Radiotherapy, PET scan, Planning, Lung cancer

Resumo:
Radioterapia é uma importante alternativa de tratamento curativo em pacientes com câncer do pulmão não de pequenas células. Entretanto, pulmões são muito sensíveis à radiação e isto aumenta a importância em se delimitar o volume a ser irradiado com precisão. Ultimamente, a tomografia por emissão de pósitron (PET) e a tomografia computadorizada (TC) são feitas de forma combinada, e a literatura sugere que seu impacto no planejamento da radioterapia é significativo. Ao se utilizar exames de PET/TC no planejamento da radioterapia é importante reconhecer e adaptar-se às diferenças entre os equipamentos de diagnóstico e de tratamento. Este texto discute alguns dos problemas técnicos que devem ser resolvidos quando se incorpora PET no planejamento radioterápico.

Abstract:
Radiation therapy represents an important alternative for curative treatment of patients with nonsmall cell lung cancer. However, an accurate definition of the volume to be irradiated becomes even more important, considering that lungs are highly sensitive to radiation. Most recently, combined FDG-PET/CT scan has been utilized, and the literature reports its significant role in the planning of radiation therapy, since it seems to influence the target-volume delineation in cases of lung cancer. Differences between diagnostic and treatment equipments must be taken into consideration when FDG-PET/CT scan is utilized in the planning of radiation therapy. The present study discusses some of the many technical problems that must be solved when PET is incorporated into the planning of radiation therapy for non-small cell lung cancer.

VMD, Professor Associado do McGill University Health Centre (MUHC), Montréal, Québec, Canadá
VIMB, FRCP, Chefe do Departamento de Rádio-Oncologia da McGill University, Montréal, Québec, Canadá

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Radioterapia é usada com freqüência como tratamento curativo em câncer do pulmão. Uma possível complicação desse tratamento é a pneumonite actínica, uma vez que a dose de radiação necessária para erradicar o câncer (> 50 Gy) é sempre maior do que a dose de tolerância do pulmão (ao redor de 20 Gy)(1).

Em relação à radioterapia do câncer do pulmão não de pequenas células (non-small cell lung cancer ? NSCLC), o volume-alvo não tem sido mais todo o mediastino, mas apenas as áreas envolvidas por tumor(2). Com isso, é possível aumentar a dose de radiação no tumor sem aumentar a toxicidade nos tecidos normais.

Como saber quais são as áreas envolvidas? A definição das áreas envolvidas por tumor pode vir de procedimentos invasivos, como a mediastinoscopia, mas em geral depende de exames radiológicos, particularmente da tomografia computadorizada (TC).

No planejamento radioterápico pode ser difícil definir com precisão o volume tumoral a ser tratado (chamado de gross tumor volume ? GTV). Há casos em que não se consegue distinguir o câncer de áreas não-tumorais igualmente densas na TC, como, por exemplo, atelectasia ou regiões normais do mediastino. Essa dificuldade explica a existência de uma variação significativa entre diferentes observadores no contorno dos campos de radioterapia em câncer do pulmão(3).

Um exame de imagem funcional como o FDG-PET scan, que consegue distinguir o câncer de outras áreas igualmente densas na TC, mas não-tumorais, vem ao encontro do desejo do radioterapeuta de ter um alvo biológico a ser delimitado. Artigos recentes mostram que o uso do FDG-PET/TC altera de forma significativa cerca de metade dos planejamentos feitos apenas com TC(4,5) e sugerem que seu uso deveria ser rotina no tratamento curativo de pacientes com NSCLC pela radioterapia(6) .

O Serviço de Rádio-Oncologia da Universidade McGill trabalha há dois anos em conjunto com o Serviço de Medicina Nuclear com um equipamento de PET/TC adaptado para o planejamento de radioterapia. Este artigo tem o objetivo de discutir aspectos ligados à implementação de FDG-PET/TC no planejamento de radioterapia, e particularmente ao contorno do GTV nos pacientes portadores de NSCLC.

PET/TC versus PET

FDG-PET scan é o nome abreviado para o teste de medicina nuclear chamado, em inglês, de positron emission tomography, tendo como marcador o 18F-flúor-deoxi-2-glicose (18FDG).

O teste detecta um metabolismo aumentado de glicose que costuma ser maior em tumores malignos quando comparado com tecidos normais. Por ser um exame funcional, não mostra as regiões anatômicas tão bem quanto a TC. Os equipamentos modernos de PET vêm integrados com a TC, com a vantagem de ambos os exames (PET e TC) serem feitos no mesmo lugar, um em seguida do outro e com o paciente na mesma posição. A TC é usada para correção de atenuação e para localizar melhor pequenos linfonodos ou áreas de tecido mole não-tumorais. Embora não haja "fatos significativamente evidentes" para justificar o uso do PET/TC no lugar do PET sozinho, como em outros aspectos técnicos da radioterapia, é difícil não aceitar que o PET/TC veio para ficar(7).

Mesa e posição do paciente

A Figura 1 mostra dois exames de TC de um mesmo paciente em duas situações: a primeira com a mesa curva e a segunda com a mesa reta e os braços para cima, que é a típica posição de tratamento radioterápico. Essa é a primeira dificuldade a ser superada. As mesas de PET/TC vêm dos fabricantes com o formato curvo. O tratamento de radioterapia é sempre feito em mesas retas e com os pacientes com os braços para cima, para permitir a entrada de campos laterais. Assim, o exame de PET/TC a ser empregado no planejamento de radioterapia deve também ser feito com mesa reta e a sala de exame deve ter as mesmas facilidades existentes no serviço de radioterapia (incluindo lasers para a definição do isocentro, etc.). Esse aspecto é importante para que seja possível fazer uma fusão apropriada das imagens do PET/TC com as imagens da TC de simulação usadas no planejamento da radioterapia, e para que a posição do paciente possa ser bem reproduzida nas diferentes salas de exames e tratamento.

 

 

PET pode dar falsos resultados

Há muitas publicações mostrando que o FDG-PET é melhor do que a TC sozinha na detecção de câncer do pulmão e por isso é útil em definir a extensão do tumor, mas o PET não é exato(8,9). A Figura 2 mostra um exemplo de resultado PET falso-negativo. O nódulo pulmonar suspeito clinicamente de neoplasia maligna não mostrou hipermetabolismo algum no PET, mas a ressecção cirúrgica confirmou tratar-se de um adenocarcinoma.

 

 

A Tabela 1 mostra a comparação da sensibilidade e da especificidade entre TC e FDG-PET em pacientes com câncer do pulmão tipo NSCLC(8). Vê-se que o FDG-PET é melhor que a TC para detectar câncer, mas ainda há um risco de 10?20% de falso-negativo ou falso-positivo com o FDG-PET. Essa informação é importante porque os pacientes encaminhados para tratamento radioterápico curativo vêm sem cirurgia, portanto, sem confirmação histológica das alterações verificadas nos exames de imagem, e cabe ao radioterapeuta a responsabilidade de definir o volume-alvo (GTV). A Figura 1 ilustra essa dificuldade. Trata-se de paciente fumante, apresentando hemoptise, inoperável clinicamente, com TC mostrando massa tumoral no pulmão direito e linfonodos no mediastino, como este traqueal medindo 2 cm. Pela TC, este linfonodo foi considerado como positivo para câncer. A biópsia com agulha revelou que o tumor pulmonar era um adenocarcinoma. O FDG-PET scan pré-tratamento foi positivo no tumor pulmonar mas foi negativo nos linfonodos do mediastino. É impossível dizer com certeza se o linfonodo traqueal aumentado é ou não câncer, sem histologia, ou, em outras palavras, saber se o linfonodo mediastinal deve ou não ser incluído no GTV. Neste caso, uma mediastinoscopia revelou que o linfonodo, apesar do tamanho, não era câncer.

 

 

Tempo de aquisição e movimento

Por causa da respiração, o tumor e órgãos no tórax se movimentam(10). Com os equipamentos de FDG-PET/TC disponíveis no mercado, o tempo de aquisição da TC é de alguns segundos, mas o tempo de aquisição do PET é da ordem de 30 a 45 minutos. Dessa forma, o tumor visto na TC reflete apenas uma das posições onde ele se movimenta durante a respiração, enquanto a imagem vista pelo PET reflete toda a área desse movimento. A Figura 3 ilustra essa diferença. Como o tratamento radioterápico também demora alguns minutos, talvez seja mais apropriado seguir o volume mostrado pelo PET do que pela TC de simulação.

 

 

Definir a extensão tumoral pelo FDG-PET/TC

Agora apresenta-se caso em que o PET/TC foi feito com os braços para cima e em mesa reta, com as marcações apropriadas para fusão com as imagens da TC de simulação de planejamento da radioterapia, e as áreas positivas (hiperativas) reveladas pelo PET vão ser incluídas no contorno do GTV. Resta ao radioterapeuta contornar o volume-alvo a ser tratado. Infelizmente, o tamanho da área hiperativa vista no PET scan muda significativamente, dependendo da janela escolhida, como ilustrado na Figura 4.

 

 

Nas publicações existentes, diferentes métodos foram usados para definir o GTV pelo FDG-PET.

a) Método visual, sem nenhuma definição física ou matemática, em que as imagens são colocadas lado a lado e o médico decide. Foram as primeiras publicações sobre o uso de PET no planejamento de radioterapia(11).

b) Uma porcentagem do valor hipermetabólico mais alto (em inglês chamado de threshold) define o limite tumoral. O valor de 40% tem sido usado baseado em estudos em simuladores(12,13). Este contorno pode ser obtido automaticamente por um programa relativamente simples de software no computador. Infelizmente, nada garante que áreas com valores de threshold menores que 40% não tenham células cancerosas ativas e isso acontece em áreas necróticas, por exemplo.

c) Um certo valor de standard uptake value (SUV) vai definir o volume tumoral, por exemplo, valores de SUV acima de 2,5, em que a maioria dos médicos especialistas em medicina nuclear considera uma atividade provavelmente positiva para NSCLC(9). Aqui também um programa de software pode dar o contorno automaticamente pelo computador, mas não se pode garantir que áreas com SUV menor que 2,5 não tenham células cancerosas.

Até o presente momento não se sabe qual é o método ideal para se utilizar o FDG-PET no contorno do GTV. O que fazer? Como não existe orientação consensual de como definir com precisão a margem dos tumores baseados no PET scan, a recomendação é que todos os fatores devem ser considerados na delimitação do GTV e o bom senso clínico deve ser usado em cada caso(14). Recentemente, foi aberto pelo Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) o estudo RTOG-0515 intitulado "A comparative study of gross tumor volume definition with or without PET fusion for patients with NSCLC". O objetivo é determinar o impacto da fusão do PET/TC na delimitação do GTV comparado com a TC. Nesse protocolo, reconhecendo-se a dificuldade na definição das margens tumorais pelo PET, a orientação é que "todo volume tumoral (tumor primário e linfonodos) deve ser contornado baseando-se apenas na TC feita no exame de PET/TC".

CONCLUSÃO

Não existe um método de imagem com 100% de sensibilidade e especificidade para câncer do pulmão. Assim, para definir e delinear o volume a ser tratado, além das informações clínicas, o radioterapeuta depende dos métodos de imagem disponíveis e o mais usado ainda é a TC. O FDG-PET/TC tem mostrado ser um exame melhor que a TC na determinação da extensão de câncer do pulmão. Para uns, o FDG-PET tem sido colocado como "indispensável" para o planejamento da radioterapia em NSCLC; para outros, o valor do FDG-PET/TC como instrumento clínico tem sido superestimado(7). Embora o papel do FDG-PET/TC na otimização da radioterapia seja polêmico(8,9), não parece haver dúvida que é um teste de imagem extremamente útil na avaliação da extensão tumoral nos pacientes com NSCLC e, portanto, na delimitação do GTV. No presente momento não se sabe se o planejamento de radioterapia baseado no FDG-PET vai melhorar os resultados de tratamento e/ou qualidade de vida dos pacientes portadores de NSCLC.

PET realizado com FDG representa um importante primeiro passo na aplicação dessa técnica em oncologia. Outros marcadores têm sido estudados e devem abrir enormes possibilidades no diagnóstico, estadiamento de câncer e no planejamento da radioterapia.

 

REFERÊNCIAS

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2. Rosenzweig KE, Sim SE, Mychalczak B, Braban LE, Schindelheim R, Leibel SA. Elective nodal irradiation in the treatment of non-small-cell lung cancer with three-dimensional conformal radiation therapy. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2001; 50:681?685.         [  ]

3. Hamilton CS, Denham JW, Joseph DJ, et al. Treatment and planning decisions in non-small cell carcinoma of the lung: an Australasian patterns of practice study. Clin Oncol (R Coll Radiol) 1992; 4:141?147.         [  ]

4. Ciernik IF, Dizendorf E, Baumert BG, et al. Radiation treatment planning with an integrated positron emission and computer tomography (PET/CT): a feasibility study. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2003;57:853?863.         [  ]

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6. Mac Manus MP, Wong K, Hicks RJ, Matthews JP, Wirth A, Ball DL. Early mortality after radical radiotherapy for non-small cell lung cancer: comparison of PET-staged and conventionally staged cohorts treated at a large tertiary referral center. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2002;52:351?361.         [  ]

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8. Gregoire V. Is there any future in radiotherapy planning without the use of PET: unraveling the myth... Editorial. Radiother Oncol 2004;73:261?263.         [  ]

9. Paulino AC, Johnstone PA. FDG-PET in radiotherapy treatment planning: Pandora's box? Editorial. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2004;59:4?5.         [  ]

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11. Nestle U, Walter K, Schmidt S, et al. 18F-deoxyglucose positron emission tomography (FDG-PET) for the planning of radiotherapy in lung cancer. High impact in patients with atelectasis. Int J Radiat Oncol Biol Phys 1999;44:593?597.         [  ]

12. Erdi YE, Rosenzweig, K, Erdi AK, et al. Radiotherapy treatment planning for patients with non-small cell lung cancer using positron emission tomography (PET). Radiother Oncol 2002;62: 51?60.         [  ]

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14. Mac Manus M. Role of PET-CT in the optimization of thoracic radiotherapy. Lung Cancer (Suppl 3) 2005;49:S74?75.         [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Prof. Dr. Sergio L. Faria
McGill University Department of Radiation Oncology
1650 Av. Cedar, 5th floor
Montréal, Québec H3G 1A4 Canada
E-mail: sergio.faria@muhc.mcgill.ca

Recebido para publicação em 14/6/2006. Aceito, após revisão, em 20/9/2006.

 

 

* Trabalho realizado no Departamento de Rádio-Oncologia da McGill University, Montréal, Québec, Canadá.


 
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