ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Edson Marchiori, Gláucia Zanetti, Dante L. Escuissato, Arthur Soares Souza Jr., César Araújo Neto, Luiz Felipe Nobre, Klaus L. Irion, Rosana Rodrigues, Alexandre Dias Mançano, Domenico Capone, Suzane Mansur Fialho, Carolina Althoff Souza |
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Descritores: Pneumonia lipoídica exógena, Tomografia computadorizada de alta resolução, TCAR, Pneumonias aspirativas, Pulmões |
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Resumo: VProfessor Assistente de Radiologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil
INTRODUÇÃO Várias complicações pulmonares podem ser causadas por aspiração de diferentes substâncias para as vias aéreas e os pulmões. A pneumonia lipoídica exógena é uma condição incomum, resultante da inalação ou aspiração de óleos de origem animal, vegetal ou mineral(1). A forma mais freqüente é a causada por aspiração de óleo mineral, usado como laxativo oral(2). A apresentação clínica não é específica e depende da idade do paciente, do volume aspirado, e se a aspiração foi aguda ou crônica(3). O diagnóstico da pneumonia lipoídica exógena é baseado na história de exposição a óleo, em radiografia de tórax e/ou tomografia computadorizada (TC) compatíveis, e na presença de macrófagos com corpos de gordura no escarro ou no lavado broncoalveolar. Se o diagnóstico permanece incerto, a biópsia transbrônquica ou a biópsia a céu aberto podem ser necessárias(4). A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) desempenha papel fundamental na investigação. O objetivo do presente trabalho foi apresentar os achados na TCAR observados em pacientes adultos com pneumonia lipoídica exógena, causada por aspiração de óleo mineral.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado estudo observacional descritivo retrospectivo das TC de oito pacientes adultos, com o diagnóstico confirmado de pneumonia lipoídica exógena. Esses exames foram reunidos, aleatoriamente, dos arquivos nosológicos de oito instituições médicas, em cinco diferentes Estados da Federação, no período de março de 1994 a junho de 2006. Quatro pacientes eram do sexo feminino e quatro, do sexo masculino, com idades variando de 46 a 88 anos, média de 69,4 anos. Todos apresentavam tosse, sendo em quatro deles associada a dispnéia. Como fatores predisponentes, dois pacientes tinham megaesôfago, um tinha doença de refluxo gastroesofagiano, um tinha doença de Parkinson, e outro, paralisia cerebral. Um sexto paciente queixava-se de engasgos freqüentes. Em quatro pacientes o diagnóstico foi confirmado por meio de lavado broncoalveolar, um foi submetido a biópsia pulmonar, e em três o diagnóstico foi feito pela associação do quadro clínico com o achado de densidades de gordura na TCAR. Nenhum paciente apresentava, no momento do exame, evidência clínica ou laboratorial de infecção associada. Todos faziam uso de óleo mineral por via oral, com finalidades laxativas. Os exames, devido às múltiplas instituições envolvidas, foram realizados em diferentes tomógrafos, sendo em todos eles usada a técnica de alta resolução, com cortes desde os ápices até as bases pulmonares. As imagens foram obtidas com cortes finos (1 mm ou 2 mm de espessura), com o paciente em decúbito dorsal, em inspiração, utilizando-se filtro de alta resolução espacial para reconstrução das imagens (filtro de osso), com incremento de 10 mm, sem a infusão intravenosa de meio de contraste iodado. As imagens foram obtidas e reconstruídas em matriz de 512 × 512 e fotografadas para avaliação dos campos pulmonares com aberturas de janela variando de 1.200 UH a 2.000 UH, e nível variando entre ?300 UH e ?700 UH. Para avaliação do mediastino, a variação das janelas foi de 350 UH a 500 UH, e de centro, entre 10 UH e 50 UH. Os exames foram avaliados por dois observadores, de forma independente, e os casos discordantes foram resolvidos por consenso.
RESULTADOS Os achados tomográficos mais comuns foram as consolidações e as opacidades em vidro fosco, associadas ou não a espessamento de septos interlobulares (padrão de pavimentação em mosaico). Em seis pacientes foram observadas consolidações com broncogramas aéreos e densidades de gordura de permeio, sendo únicas em dois casos ? uma no lobo inferior direito (Figura 1) e a outra no lobo médio (Figura 2). Nos outros pacientes, as consolidações eram múltiplas (Figuras 3 e 4). Em quatro pacientes estavam rodeadas por áreas de atenuação em vidro fosco. Todas apresentavam áreas com densidade de gordura no interior, variando de ?34 UH a ?74 UH.
Dois pacientes apresentavam áreas de atenuação em vidro fosco associadas a espessamento de septos interlobulares, caracterizando o padrão de pavimentação em mosaico (Figuras 5 e 6). Em três casos foi observado espessamento de septos interlobulares, sendo dois com pavimentação em mosaico e um na periferia de uma das áreas de consolidação. Comprometimento pleural ou linfonodal relacionado à doença não foi observado em nenhum dos pacientes. Em seis pacientes as lesões eram bilaterais, predominando nas regiões posteriores, e dois eram unilaterais.
DISCUSSÃO A pneumonia lipoídica exógena é uma condição incomum, resultante da inalação ou aspiração de óleos para dentro dos pulmões(1). A forma crônica é devida a aspiração ou inalação repetida, por longo período de tempo, e a forma aguda é secundária a aspirações acidentais e maciças de material lipídico, como a descrita tradicionalmente em "engolidores de fogo" (pessoas que se apresentam em shows "engolindo" ou "cuspindo" fogo)(5,6). Os óleos podem ser de natureza animal, vegetal ou mineral(2). A maioria dos casos ocorre por inalação ou aspiração de óleo mineral(2). Em adultos, a causa mais comum é o uso de óleo mineral para tratamento de constipação, seguida pelo uso de gotas nasais oleosas para tratamento de rinite crônica(7). Nos Estados Unidos, anualmente, dois a três milhões de pessoas recebem catárticos e laxativos prescritos por médicos. Além disso, deve ser levado em conta a automedicação, já que o óleo mineral não necessita de receita médica(3). A quantidade ingerida pode ser impressionante. No Brasil, o óleo mineral é distribuído gratuitamente pela rede pública de saúde, facilitando ainda mais seu uso(8). Doenças gastrintestinais, fístula gastroesofagiana, doenças psiquiátricas, doenças neurológicas que alteram a deglutição ou o reflexo de tosse, e perda da consciência são fatores predisponentes para aspiração de conteúdo orofaríngeo ou gástrico. O material oleoso fica sobrenadante dentro do estômago, entrando preferencialmente na via aérea, quando aspirado(2,9,10). A aspiração de óleos minerais comumente ocorre de forma imperceptível, por não provocar respostas protetoras das vias aéreas, como o fechamento glótico e a tosse(11). Introduzidos no nariz, podem fácil e silenciosamente atingir a árvore brônquica durante o sono, sem desencadear tosse(7), além de serem expelidos com dificuldade por modificarem o sistema de transporte mucociliar(12). Os macrófagos fagocitam o material oleoso e vão aumentando em número, até preencherem os espaços alveolares. Posteriormente, eles são incorporados às paredes alveolares e, através dos canais linfáticos, alcançam o septo interlobular, determinando seu espessamento(11,13,14). A proliferação fibrótica, às vezes extensa, secundária à aspiração repetida(11,14), pode ser associada a considerável perda de volume pulmonar(15). A fibrose pode progredir e o óleo coalescer, formando grandes gotas de gordura, circundadas por tecido fibroso e células gigantes, criando uma massa tumoral chamada parafinoma(4). A apresentação clínica não é específica, variando de acordo com a idade do paciente, a quantidade e qualidade do óleo aspirado, e se a aspiração foi aguda ou crônica(3,16,17). Quanto aos sintomas, são observados desde pacientes assintomáticos, até quadros graves que ameaçam a vida(17). Em idosos, estas pneumonias instalam-se geralmente de forma crônica e progressiva, sem repercussão clínica, podendo ser achado de necropsia(18). Há dissociação do quadro clínico e radiográfico na maioria dos casos de pneumonia lipoídica. Enquanto os pacientes são assintomáticos há exuberância de imagens radiográficas, que são descobertas casualmente em radiografias realizadas de rotina(1,8). O quadro clínico pode mimetizar pneumonia bacteriana, com episódio súbito de febre e tosse(19). Mais freqüentemente, a pneumonia lipoídica se apresenta com sintomas de tosse crônica, algumas vezes produtiva, e dispnéia. Dor torácica, hemoptise, perda de peso e febre intermitente são achados menos comuns(2). Embora a história de ingestão ou inalação de óleo seja um dado de extrema importância, raramente é fornecido espontaneamente pelo paciente, dificultando o diagnóstico(13,16). Muitas vezes este dado só é obtido retrospectivamente, após anamnese dirigida. Por sua apresentação clínica e radiológica inespecífica, a pneumonia lipoídica pode mimetizar várias outras doenças(3), especialmente câncer de pulmão(20). O diagnóstico da pneumonia lipoídica exógena é baseado na história de exposição a óleo, em exames radiológicos compatíveis, e na presença de macrófagos com corpos de gordura no escarro ou no lavado broncoalveolar. Se o diagnóstico permanece incerto, a biópsia transbrônquica ou a biópsia a céu aberto podem ser necessárias(4). Na radiologia convencional os achados na pneumonia lipoídica são pouco específicos(13), e as alterações da doença aparecem com padrões e distribuição variáveis(15). A TCAR é o melhor método de imagem para o diagnóstico de pneumonia lipoídica(20). A TC pode evidenciar consolidações alveolares, opacidades em vidro fosco, anormalidades de interstício, espessamento de septos interlobulares e do interstício intralobular e lesões nodulares (pequenos nódulos centrolobulares pouco definidos)(10,11). Padrão de pavimentação em mosaico, que consiste em espessamento de septos interlobulares sobrepostos a opacidades em vidro fosco, é freqüentemente observado(1,21,22). O sinal mais característico da pneumonia lipoídica é a presença de consolidações pulmonares com atenuação de gordura(1,3,18,22), ou seja, valores de atenuação negativos(7), principalmente quando associadas com a história de exposição ao óleo, que ajuda a estabelecer o diagnóstico. Densidades negativas entre ?150 UH e ?30 HU são altamente sugestivas de gordura intrapulmonar(3,23). Estas medidas podem não ser exatas quando houver fibrose pulmonar e/ou exsudato inflamatório envolvendo o material oleoso, o que eleva os valores de atenuação(11,18).
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 2/12/2006. Aceito, após revisão, em 8/1/2007.
* Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |