RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marise Silva Teixeira, Francisca Teresa Veneziano Faleiros, Beatriz Lotufo Griva, Yoshio Kiy, Sonia Maria Moriguchi, Altamir Santos Teixeira, Bonifácio Kategawa, Kunie Iabuki Rabello Coelho, Cláudio Antonio Rabello Coelho |
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Descritores: Hiperplasia nodular focal, Cintilografia, Tomografia computadorizada, Ultra-sonografia |
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Resumo: VProfessor Assistente da Disciplina de Radiologia do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina de Botucatu Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Botucatu, SP, Brasil
INTRODUÇÃO Hiperplasia nodular focal (HNF) é o segundo mais comum tumor hepático benigno, depois do hemangioma, e corresponde a 8% de todos os tumores hepáticos primários(1). Apresenta-se, na maioria das vezes, como um nódulo solitário com menos de 5 cm de diâmetro, embora grandes massas com mais de 15 cm de diâmetro tenham sido encontradas(1). Geralmente tem curso assintomático e, na maioria das vezes, é encontrada, incidentalmente, ao exame físico, como achado de exame de imagem ou à autópsia(2). Macroscopicamente, trata-se de lesão bem circunscrita, lobulada e não-encapsulada(3). As alterações histológicas características incluem cicatriz estrelada central densa com septos fibrosos radiados que dividem o tumor em vários nódulos(3). Microscopicamente, esses septos fibrosos são compostos de estruturas biliares rodeadas por células inflamatórias, células de Kupffer e vasos malformados incluindo artérias e capilares(3). Avanços nos estudos de imagem têm facilitado o diagnóstico sem a necessidade de laparotomia ou ressecção cirúrgica e também a diferenciação da HNF de outras afecções hepáticas benignas e do carcinoma hepatocelular(2).
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, negra, 19 anos de idade, apresentou-se aos seis anos de idade com queixa de dor no mesogástrio e distensão abdominal. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, corada e hidratada. O peso e a estatura estavam próximos ao 25º percentil de acordo com a idade cronológica (peso: 20,4 kg; estatura: 116 cm). O fígado estava palpável a 6,5 cm da borda costal direita e a 11,5 cm do apêndice xifóide, era indolor, de superfície irregular e de consistência endurecida. Os "testes de função hepática" estavam normais. O ultra-som evidenciou hepatomegalia com contornos lobulados (Figura 1). A cintilografia hepatoesplênica foi sugestiva de HNF, pois evidenciou lobo esquerdo de volume aumentado e hipercaptante (Figura 2). A laparotomia evidenciou grande massa com 20 cm × 15 cm × 10 cm na face anterior do fígado, com aspecto nodular, coloração avermelhada, consistência sólida e irrigação venosa na região central, sugerindo processo tumoral (Figura 3). Foi realizada biópsia a céu aberto, confirmando o diagnóstico de HNF sugerido pela cintilografia hepatoesplênica (Figura 4). Esses exames foram realizados à época do diagnóstico. Nesses 13 anos de seguimento foi optado por tratamento conservador e a evolução mostrou crescimento hepático documentado por ultra-som abdominal e a cintilografia hepatoesplênica evidenciou aumento do lobo esquerdo com redução heterogênea da concentração radioativa. A cintilografia das vias biliares mostrou lobo esquerdo hiperconcentrante, com aspecto mais heterogêneo. A tomografia computadorizada helicoidal de abdome, realizada com 16 anos de idade, também mostrou aspectos sugestivos de HNF (Figura 5).
DISCUSSÃO Avanços nas técnicas de imagem têm contribuído para o aumento do diagnóstico dos tumores hepáticos benignos, tendo grande importância, na prática clínica, o diagnóstico diferencial entre HNF e adenoma hepático, devido ao risco de ruptura e sangramento do último(1). O aparente aumento na incidência de HNF a partir de 1960, embora coincidindo com a época em que os anticonceptivos orais tornaram-se disponíveis nos Estados Unidos, pode ser reflexo, apenas, do maior conhecimento das técnicas diagnósticas e da melhor qualidade dos exames de ultra-som(4,5). A patogênese da HNF não é bem conhecida, se bem que existe trabalho mostrando a ocorrência simultânea de hemangioma, HNF e adenoma hepático, sugerindo ser, essas três lesões, expressão diferente de uma mesma malformação(6). Uma anormalidade vascular pré-existente poderia provocar uma resposta hiperplástica local dos hepatócitos(7). O possível papel dos hormônios sexuais, incluindo os anticonceptivos orais, no desenvolvimento de HNF, foi sugerido pela predominância no sexo feminino (80% a 95% dos casos)(8) e pelo potencial de regressão espontânea da HNF em algumas pacientes após a interrupção do uso de anticonceptivo oral(10). Entretanto, a suposição de que a HNF possa não estar associada ao uso de anticonceptivos orais é evidenciada pela ocorrência dessa lesão mesmo antes da introdução dos anticonceptivos orais e pela presença em crianças, homens e mulheres que nunca fizeram uso destes(5,8). Na realidade, o uso de anticonceptivos orais pode estar associado com a HNF, podendo até acelerar o seu crescimento, mas a responsabilidade deles na ocorrência da lesão não tem sido demonstrada(3,8). De qualquer forma, o papel dos anticonceptivos orais na HNF não está bem esclarecido e merece novos estudos(2). É fundamental a definição do tipo de lesão, e entre as lesões mais facilmente confundidas com HNF salientamos o adenoma hepático, que tem relação inequívoca com uso de anticonceptivos orais, principalmente em altas doses e por tempo prolongado(2). Ao contrário da conduta na HNF, em geral conservadora, a conduta para o adenoma hepático é a excisão cirúrgica, devido ao risco de sangramento e, principalmente, de malignização(2). Na HNF reserva-se a intervenção cirúrgica para aqueles casos que apresentam sintomas, complicações, lesões progressivas ou compressão de órgãos adjacentes(2,9). Complicações da HNF, tais como desconforto abdominal, hemorragia intratumoral e ruptura intraperitoneal, são raras, no entanto, alguns casos de ruptura intraperitoneal têm sido descritos na literatura e nessa situação a conduta cirúrgica tem sido necessária(10,11). A HNF não tem potencial para transformação maligna, embora, raramente, tem sido descrita a coexistência de HNF e carcinoma hepatocelular(8). Técnicas diagnósticas não-invasivas são cada vez mais utilizadas(3,8,12), tais como: a) ultra-som; b) tomografia computadorizada, que permite grande acurácia na diferenciação dos tipos mais comuns de tumores hepáticos com cicatriz central, incluindo HNF, carcinoma hepatocelular fibrolamelar e hemangioma de grande tamanho; c) cintilografia hepatoesplênica; d) ressonância magnética. Um achado útil no diagnóstico de HNF é a evidência de aumento da captação hepática à cintilografia hepatoesplênica, permitindo diferenciá-la de outras massas hepáticas. A ultra-sonografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética podem evidenciar massa hepática de características benignas, sendo típica, porém não universal, a presença de cicatriz central. Na angiografia pode ser encontrada configuração hipervascular radial característica, porém pouco freqüente(3). Embora as técnicas de imagem tenham grande valor no diagnóstico deste tumor, persistindo dúvidas, faz-se mister a realização da biópsia hepática, método diagnóstico de grande importância, por sua alta especificidade(3).
REFERÊNCIAS 1. Biecker E, Fischer HP, Strunk H, Sauerbruch T. Benign hepatic tumours. Z Gastroenterol 2003; 41:191200. [ ] 2. Choi BY, Nguyen MH. The diagnosis and management of benign hepatic tumors. J Clin Gastroenterol 2005;39:401412. [ ] 3. Kehagias D, Moulopoulos L, Antoniou A, et al. Focal nodular hyperplasia: imaging findings. Eur Radiol 2001;11:202212. [ ] 4. Cherqui D, Rahmouni A, Charlotte F, et al. Management of focal nodular hyperplasia and hepatocellular adenoma in young women: a series of 41 patients with clinical, radiological, and pathological correlations. Hepatology 1995;22:16741681. [ ] 5. Kerlin P, Davis GL, McGill DB, Weiland LH, Adson MA, Sheedy PF. Hepatic adenoma and focal nodular hyperplasia: clinical, pathologic, and radiologic features. Gastroenterology 1983; 84(5 Pt 1):9941002. [ ] 6. Di Carlo I, Urrico GS, Ursino V, Russello D, Puleo S, Latteri F. Simultaneous occurrence of adenoma, focal nodular hyperplasia, and hemangioma of the liver: are they derived from a common origin? J Gastroenterol Hepatol 2003;18: 227230. [ ] 7. Ohmoto K, Honda T, Hirokawa M, et al. Spontaneous regression of focal nodular hyperplasia of the liver. J Gastroenterol 2002;37:849853. [ ] 8. Vilgrain V. Focal nodular hyperplasia. Eur J Radiol 2006;58:236245. [ ] 9. Okada T, Sasaki F, Kamiyama T, et al. Management and algorithm for focal nodular hyperplasia of the liver in children. Eur J Pediatr Surg 2006;16:235240. [ ] 10. Koch N, Gintzburger D, Seelentag W, Denys A, Gillet M, Halkic N. Rupture of hepatic focal nodular hyperplasia. About two cases. Ann Chir 2006;131:279282. [ ] 11. Demarco MP, Shen P, Bradley RF, Levine EA. Intraperitoneal hemorrhage in a patient with hepatic focal nodular hyperplasia. Am Surg 2006; 72:555559. [ ] 12. Machado MM, Rosa ACF, Herman P, et al. Avaliação dos tumores hepáticos ao Doppler. Radiol Bras 2004;37:371376. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 12/1/2006. Aceito, após revisão, em 23/11/2006.
* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas de Botucatu Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Botucatu, SP, Brasil. |