ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): José Ulisses Manzzini Calegaro, Sandra Mara Pessano Teixeira |
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Descritores: Exposição ocupacional, Dose efetiva, Monitoração individual externa, Iodoterapia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O tratamento do câncer diferenciado da tireóide tem adotado, na última década, a tireoidectomia total como modalidade inicial de tratamento para contemplar sua multicentricidade variável. A ablação de tecido remanescente com 131I permite empregar terapia hormonal supressiva, a qual evita a proliferação de eventuais núcleos de células cancerosas residuais, bem como utilizar níveis séricos de tireoglobulina para o acompanhamento da doença(1). Por esses motivos, houve aumento razoável na terapia complementar com 131I. Alguns procedimentos rotineiros são realizados pelos auxiliares de enfermagem que dão assistência a um ou dois pacientes durante a internação para a terapia com 131I, e dessa forma são expostos às emissões das radiações emitidas pelos pacientes. Essa exposição varia conforme o número de pacientes internados, a(s) atividade(s) administrada(s), a distância mantida em relação aos pacientes e o tempo de permanência na enfermaria. O objetivo deste estudo é avaliar as situações de exposição e as doses efetivas dos auxiliares de enfermagem na assistência a pacientes em terapia com 131I, no período de 1993 a 2003, com dois tipos de monitores individuais: filmes dosimétricos e dosímetros termoluminescentes(2,3).
MATERIAIS E MÉTODOS Foram realizados levantamentos sobre as situações de exposição dos auxiliares de enfermagem durante a assistência aos pacientes em terapia com 131I e as suas doses. Para delinear as situações de exposição dos auxiliares de enfermagem, foi elaborado um questionário sobre a descrição das tarefas, que foi respondido por eles (Quadro 1). O questionário solicitava a descrição das tarefas rotineiras situações comuns e as situações em que os pacientes tinham alguma dificuldade na locomoção situações incomuns. Foi questionado sobre a freqüência do atendimento, as distâncias mantidas e os tempos médios de permanência na enfermaria terapêutica para a realização de cada tarefa, sendo considerados dois pacientes internados, durante dois dias. As descrições das situações e estimativas encontram-se na Tabela 1. Os porcentuais das situações comuns e não-comuns foram estimados segundo os registros do serviço.
A soma dos tempos despendidos nas tarefas durante as internações foi comparada com os tempos de permanência na enfermaria terapêutica utilizados como referência no serviço(4), considerando-se as atividades e os porcentuais de ocorrência dessas doses administradas. Esses resultados comparativos estão apresentados na Tabela 2.
As doses efetivas nos dois períodos consecutivos e em dois tipos de monitores individuais foram comparadas aos limites máximos de doses anuais exigidas(5) (Figura 2). Para tal, levantamentos foram realizados sobre as atividades administradas, no período de 1993 a 2003 (Figura 1), e sobre as doses efetivas dos três auxiliares de enfermagem encarregados da assistência aos pacientes internados (Tabela 3). No período de 1993 a 1999, a monitoração individual utilizada foi o filme dosimétrico, fornecido pelo Laboratório de Proteção Radiológica do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco. No período de 2000 a 2003, foram utilizados monitores termoluminescentes fornecidos pela firma Sapra Landauer Ltda.
O filme dosimétrico consiste de um filme radiográfico, no qual o escurecimento é provocado pela incidência das radiações ionizantes através de vários filtros, usados para diferenciar as diferentes energias da radiação incidente, sendo possível estimar a dose de radiação recebida pelo usuário(3). A sensibilidade de um filme dosimétrico varia de acordo com o fabricante, mas o limite mínimo de uma dose é da ordem de 0,20 mSv(2). A dosimetria termoluminescente utiliza pequenos cristais de fluoreto de lítio (LiF) que armazenam a energia da radiação incidente e emitem luz. Esta é medida por um tubo de fotomultiplicadora e a soma é usada para estimar a dose de radiação(3). Os dosímetros termoluminescentes são considerados mais sensíveis do que os filmes dosimétricos, pois o limite inferior é de aproximadamente 0,10 mSv(2). Nos dois períodos já citados, os auxiliares de enfermagem foram orientados em relação aos principais fatores de proteção radiológica: distância, quando viável, uso de blindagens (biombo ou avental plumbífero) em procedimentos de longa duração e tempo máximo de permanência a uma distância de um metro dos pacientes(4). Também foram instruídos para que os procedimentos de rotina ou emergência não sejam realizados durante os 30 minutos após a administração da dose(6), e para evitarem a realização dos procedimentos em frente ao paciente, pois na localização anatômica frontal a área de exposição é maior do que no perfil(7,8). Em ambos os períodos os monitores foram mantidos em local seguro e isento de radiação ionizante. O tratamento estatístico empregou o teste do qui-quadrado.
RESULTADOS Foi observado que o tempo médio de permanência dos auxiliares de enfermagem na enfermaria terapêutica, em situações comuns, é em torno de 24 minutos e acha-se dentro do tempo máximo de permanência respeitado pelo serviço(4), sendo que o porcentual de freqüência de pacientes sem problemas de locomoção é de 98%. Em situações incomuns, o tempo médio de permanência é de 79 minutos, considerado acima do tempo de referência utilizado, todavia, o porcentual de ocorrência de pacientes com problemas de locomoção é menor que 2%, índice considerado baixíssimo. No período avaliado, o porcentual de doses administradas foi de 80,89% para doses de 3.700 MBq de atividade; 7,93% para doses de 7.400 MBq; 5,08% para doses de 5.500 MBq; 4,07% para doses menores que 3.700 MBq; e 2,03% para doses de 9.250 MBq. A quantidade média de pacientes tratados, no período de 1993 a 1999, foi de 30 pacientes, ao passo que no período de 2000 a 2003 foram atendidos 73 pacientes/ano. Dessa forma, a atividade média administrada de 1,30 × 105 MBq/ano aumentou para 2,98 × 105 MBq/ano, isto é, ocorreu um aumento de 2,3 vezes (Figura 2). No período de 1993 a 1999 houve dez registros de doses em filmes dosimétricos, todos em nível de registro. Considera-se M, doses inferiores a 0,20 mSv (Tabela 3). No período de 2000 a 2003 também houve dez registros de doses nos dosímetros termoluminescentes, sendo que uma se situou no nível de investigação (1,30 mSv). Neste caso, M representa dose inferior a 0,10 mSv (Tabela 3). No primeiro período, o porcentual dos dosímetros lidos foi de 77,6%, enquanto no segundo período o porcentual dos dosímetros lidos aumentou para 83,3%. É relevante considerar que são índices porcentuais razoáveis para a realização desse estudo. A Figura 2 ilustra que os registros das doses, tanto para o sistema de filme dosimétrico ou para o termoluminescente, foram muito inferiores ao limite permitido(5). Não houve diferença estatística significante entre as doses registradas.
DISCUSSÃO O tempo de exposição dos atendentes, em situações comuns, na enfermaria terapêutica está dentro do tempo de referência seguido pelo serviço(4), e a ocorrência das situações de maior exposição aos profissionais (situações incomuns) é considerada irrelevante. Durante o período do estudo, a atividade administrada de 131I duplicou, mas foi verificado que a exposição registrada para cada auxiliar não teve o aumento correspondente de 2,3 vezes. Os registros não ilustram aumento na monitoração individual realizada com monitores termoluminescentes durante o período de duplicação da atividade. Nota-se que o porcentual de monitores lidos foi maior. Nos períodos avaliados, as doses dos profissionais foram consideradas baixíssimas em relação aos limites exigidos pela legislação vigente(5). Nos dois tipos de monitores individuais foram verificadas doses muito abaixo dos limites anuais exigidos. Dessa forma, consideramos importante a elaboração de tabelas de tempos e de distâncias adequadas para as diferentes atividades administradas, que permitirá o controle e a redução da exposição dos profissionais de enfermagem na assistência à terapia com 131I. Podemos sugerir que os serviços que operam com atividade igual ou abaixo das aqui registradas não tenham necessidade de monitoração individual obrigatória, desde que as orientações sejam definidas em relação ao tempo de permanência e às distâncias apropriadas. Ressaltamos a importância da revisão das exigências da legislação que devem estar diretamente relacionadas ao nível da atividade do material radioativo empregado e à freqüência dos procedimentos. Há poucos trabalhos sobre exposição ocupacional do pessoal de enfermagem. Um deles mostra o baixo nível registrado: 1,5 mSv/ano(9). É o que outros autores têm apontado: os níveis situam-se muito abaixo dos níveis permissíveis(10,11). Se o limite de doses permissíveis para a população em geral é de 1,0 mSv/ano; se há regiões no Brasil com níveis de radiação natural entre 7,0 mSv e 12,0 mSv/ano(12); se os níveis aqui assinalados são, freqüentemente, não-passíveis de registro, parece-nos haver um exagero nas recomendações legais existentes. Essas considerações nos remetem a uma conclusão: a orientação adequada dos princípios de proteção radiológica parece ser suficiente para efetiva proteção da enfermagem envolvida no tratamento de pacientes com 131I.
CONCLUSÃO A exposição à radiação ionizante nos atendentes de enfermagem bem orientados quanto aos procedimentos básicos de proteção radiológica é baixa. É possível sugerir que as exigências de monitoração individual externa possam ser menores em outros serviços que possuam uma demanda menor de pacientes do que o Núcleo de Medicina Nuclear do Hospital de Base do Distrito Federal.
REFERÊNCIAS 1. Schlumberger M, Berg G, Cohen O, et al. Follow-up of low-risk patients with differentiated thyroid carcinoma: a European perspective. Eur J Endocrinol 2004;150:105112. [ ] 2. Extracts from IAEA's Resources Manual in Nuclear Medicine. World Federation of Nuclear Medicine and Biology. World J Nucl Med 2004; 3:82104. [ ] 3. Phelps ME, Sorenson JA. Radiation safety and health physics. In: Sorenson JA, Phelps MB, editors. Physics in nuclear medicine. 2nd ed. Philadelphia, PA: WB Saunders, 1987;537538. [ ] 4. Riccabona G. 131I therapy for thyroid disease. Innsbruck, Austria: Ed. Oris Group, 1999;10. [ ] 5. Comissão Nacional de Energia Nuclear. Diretrizes básicas de radioproteção. Norma CNEN-NN 3.01, Resolução nº 27, 2005, pág.14, seção 5.4.2, subseção 5.4.2.1. [ ] 6. Castronovo Jr FP, Beh RA, Veilleux NM. Iodine 131 therapy patients: radiation dose to staff. Radiat Prot Dosim 1986;15:4549. [ ] 7. Castronovo Jr FP, Beh RA, Veilleux NM. Dosimetric considerations while attending hospitalized I-131 therapy patients. J Nucl Med Technol 1982;10:157160. [ ] 8. Andrade JR, Ferlin BL, Spiro MEB, Bernausk MEB, Pinto ALA, Bacelar A. Determinação das curvas de isoexposição em pacientes submetidos a iodoterapia. Porto Alegre, RS: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000. [ ] 9. Watanabe M, Ishikawa N, Ito K. Examination of occupational exposure to medical staff (primarily nurses) during 131I medical treatments. Kaku Igaku 2004;41:2531. [ ] 10. Siekierzynski M. Problems with radiation protection for adjuvant radiotherapy of thyroid cancer. Wiad Lek 2001;54 Suppl 1:307311. [ ] 11. Williams CE, Woodward AF. Management of the helpless patient after radioiodine ablation therapy are we being too strict? Nucl Med Commun 2005;26:925928. [ ] 12. Freire-Maia N. Radiogenética humana. São Paulo, SP: Edusp,1972;5592. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 30/10/2006. Aceito, após revisão, em 5/2/2007.
* Trabalho realizado no Núcleo de Medicina Nuclear do Hospital de Base do Distrito Federal, Secretaria de Estado de Saúde, Brasília, DF, Brasil. |