ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Santuzza Kelmer, Afrânio Coelho-Oliveira, Lea Mirian Barbosa da Fonseca |
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Descritores: Educação médica continuada, Telemedicina, Educação a distância, Internet, Ambiente virtual de aprendizagem |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A educação a distância é um método que propicia a atualização mais amiúde dos profissionais de saúde e pode ser definida como uma forma de ensino-aprendizagem na qual o aluno tem acesso ao material de estudo previamente elaborado, e o acompanhamento do aprendizado é conduzido pelo professor a distância. Deve ser destacado que a educação a distância não mais se caracteriza pela distância, uma vez que a virtualidade permite encontros cada vez mais efetivos que possibilitam de fato a educação(1). A integração das novas tecnologias da informática ao diagnóstico por imagem permitiu, em termos práticos, que as habilidades do radiologista pudessem ser exportadas, possibilitando o intercâmbio de informações, a redução de custos e a melhoria em eficiência, qualidade e cobertura. É possível associar à telemedicina vários formatos de educação médica continuada(2). Programas de ensino da radiologia e da medicina nuclear podem ser bem adaptáveis para a educação a distância. No Brasil, programas de educação médica continuada a distância é tema relativamente recente, mas em diversos países da Europa, Estados Unidos e Canadá existem há muito tempo. Diante das dimensões territoriais do nosso país, a educação a distância mediada pela internet desponta como uma alternativa viável(3). Após a consolidação da internet nos anos 80, foram desenvolvidos sistemas específicos softwares para a área acadêmica conhecidos como ambientes virtuais de aprendizagem(4). Estes ambientes, em geral, são compostos por ferramentas integradas que contemplam os três grandes grupos de ferramentas gerais de educação a distância: administração, coordenação e comunicação. Neste curso optamos por utilizar o ambiente virtual de aprendizagem denominado modular object-oriented dynamic learning environment (Moodle), em virtude de, além de ser um software livre, sua utilização ser extremamente fácil e atender nossos requisitos de principiantes. Este ambiente virtual de aprendizagem possui uma comunidade com mais de 130.000 usuários registrados, sendo utilizado em 75 idiomas, em 160 países e em 197 instituições no Brasil(5). O Moodle oferece ferramentas que possibilitam o controle da navegação de cada participante, identificando quais foram os acessos e o tempo de permanência em cada um. É possível refazer o caminho que o aluno percorreu durante uma navegação e em quanto tempo. Neste estudo foi idealizado o curso "Linfonodo sentinela, prevenção, diagnóstico precoce e biópsia nova técnica de abordagem do câncer de mama", na modalidade educação a distância mediada pela internet. O modelo foi elaborado para que o aluno participasse de uma experiência de aprendizado a distância que envolve, simultaneamente, outros participantes, e estruturado de forma a fomentar a troca de informações. Para viabilizar o desenvolvimento do curso foi realizado um levantamento de subsídios teóricos sobre os fundamentos pedagógicos e tecnológicos que embasam a metodologia específica para educação a distância. Foi necessária a superação das quatro etapas clássicas em educação a distância: planejamento, design, produção e serviços(6). Foi necessário levantar, identificar e analisar algumas estratégias pedagógicas não-presenciais relacionadas à aprendizagem no processo de educação a distância, viabilizando a transformação do material disponível para o curso(7). A presença de hipertextos possibilitou a navegação direta a outros textos e conteúdos, permitindo uma dinâmica de interação e velocidade de acesso a múltiplos conteúdos(8). O modelo foi baseado na metodologia da aprendizagem colaborativa, que envolve, simultaneamente, os participantes (por exemplo, o estudo de casos clínicos com o estabelecimento de perguntas), para gerar reflexões sobre o assunto e a utilização da ferramenta fórum como um espaço aberto para socializar as discussões(9,10).
MATERIAIS E MÉTODOS A coordenação geral do curso foi exercida por um único professor, que ficou responsável por concentrar o material didático, adaptar à metodologia educação a distância, aplicar o cronograma estabelecido, fazer a interface com a equipe de informática e oferecer o curso no período de outubro a dezembro de 2005. O curso foi estruturado em cinco espaços. O primeiro, "Espaço de convivência", que constava de mural, no qual as novidades e as dicas eram continuamente expostas e um fórum de debates era utilizado como "café" para troca de idéias. O segundo foi denominado "Módulo de aprendizagem" e serviu para a apresentação das aulas didáticas do curso. O terceiro foi denominado "Atividades", no qual eram realizados exercícios de fixação em forma de "caso clínico". O quarto foi denominado "Espaço interação", composto por fóruns para debates correspondentes aos casos clínicos. O quinto espaço, "Biblioteca", serviu para a publicação das referências, textos e artigos para o aprofundamento dos temas abordados. O material instrucional foi colocado à disposição dos alunos de maneira hierárquica e seqüencial, em forma de hipertexto. Foram oferecidas 14 aulas teóricas de aproximadamente 30 minutos cada e 12 atividades divididas em cinco casos clínicos e sete questões para serem comentadas nos fóruns de discussão correspondentes (Figura 1).
No decorrer das aulas existiam links que tornavam o acesso imediato aos exercícios propostos. O aluno podia acessar os links para resolver os exercícios ou continuar a seqüência do texto. Para a resolução das questões propostas e dos casos clínicos foram abertos fóruns de discussão com a intenção de promover um debate baseado na teoria do aprendizado colaborativo. Os participantes foram acompanhados pelo coordenador do curso, responsável por promover a interação entre os participantes do curso. Foram sugeridos prazos para publicação dos comentários nos fóruns de discussão. A cada novo comentário adicionado nos fóruns de discussão os participantes recebiam um e-mail enviado automaticamente pelo ambiente virtual de aprendizagem. O coordenador enviou chamadas por e-mail sempre que era publicado um material novo, convidando os alunos a participarem das atividades.
RESULTADOS Após a divulgação no Congresso Brasileiro de Mastologia, em setembro de 2005, o curso obteve 15 inscrições. Dois inscritos não tinham endereço eletrônico e desistiram, outros quatro não conseguiram efetuar a inscrição eletrônica no ambiente virtual de aprendizagem e infelizmente não conseguiram se habilitar. O curso iniciou com nove alunos. Todos eram médicos, com Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia, e quatro deles possuíam também o Título de Especialista em Mastologia. Todos trabalhavam em ambulatórios de mastologia, sendo que dois ocupavam cargo de chefia. A faixa etária variou entre 32 e 54 anos e a experiência profissional, entre oito e 27 anos, sendo cinco homens e quatro mulheres. O alcance do curso pelo método foi de quatro estados e oito municípios (Figura 2).
Os alunos participantes destacaram a oportunidade de se familiarizarem com o procedimento da biópsia do linfonodo sentinela e este foi o principal aspecto motivacional para a realização do curso. Durante o curso observou-se que as entradas no ambiente virtual de aprendizagem variaram de intensidade, conforme o conteúdo do módulo. O primeiro módulo teve seu conteúdo acessado por todos. A média de tempo de navegação foi de 15 minutos por entrada no ambiente virtual de aprendizagem e com maior freqüência após as 22h00. Os dois módulos seguintes discutiram tópicos relacionados à detecção precoce do câncer de mama, o sistema Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS®)(11), a conduta das lesões impalpáveis e a importância do estadiamento TNM (classificação dos tumores malignos)(12). Percebemos uma queda no tempo de permanência nos acessos das páginas de conteúdo nestes módulos. De regra geral, a navegação era muito rápida, indicando possível falta de interesse, provavelmente por já conhecerem o assunto. Dois alunos responderam os exercícios propostos, três acessaram todo o conteúdo, mas não participaram, e quatro alunos deixaram de acessar o curso. No último e quarto módulo, quando a técnica de biópsia do linfonodo sentinela foi apresentada, houve um acentuado aumento no tempo de permanência em cada acesso por aluno, indicando que o assunto estava indo ao encontro dos interesses pessoais dos alunos. Foi organizada uma experiência presencial e uma avaliação teórica em fevereiro de 2006. Os alunos teriam a oportunidade de presenciar as atividades práticas relacionada à biópsia do linfonodo sentinela e seriam submetidos a uma prova escrita. Nenhum aluno compareceu a esta atividade. O tempo despendido pela coordenação para o acompanhamento do curso foi de aproximadamente 10 a 15 minutos por dia, de segunda à sexta-feira, que na maioria das vezes era suficiente para a verificação dos acessos e retornos. Este trabalho foi experimental. Os dados e resultados estão disponíveis no endereço eletrônico do curso(13). Certamente serão necessárias novas análises e avaliações por trabalhos futuros.
DISCUSSÃO Na educação a distância o planejamento bem detalhado de todas as etapas é crítico; não existe a possibilidade de modificação das estratégias de ensino e isto implica redução da flexibilidade dos objetivos originais do curso. Como teve caráter experimental, não houve custo e nenhum tipo de certificação para o aluno. Sabíamos desde o início que as dificuldades em manter os alunos motivados seriam grandes(1417). Apesar de a técnica de biópsia do linfonodo sentinela ser recente no nosso meio e que por si só o tema seria suficiente para atrair os alunos, não garantiria sua participação efetiva no curso. Mesmo com o programa bem detalhado, com cronograma e carga horária, constatou-se, pela avaliação diagnóstica do perfil do aluno, que a expectativa maior era sobre a técnica de biópsia do linfonodo sentinela, que somente foi ministrado no quarto módulo. Este fato, provavelmente, desestimulou a maioria dos alunos participantes, promovendo a queda nas entradas e no tempo de permanência no ambiente virtual de aprendizagem. A utilização de estratégias pedagógicas de aprendizagem colaborativa é comprovadamente eficaz em aumentar o nível de motivação dos participantes e realização das atividades propostas(9,18,19). Porém, este método parte do pressuposto que o aluno precisa ter interesse no que está fazendo, é fundamental ter significado pessoal(19). O grande fator que move esses profissionais é a necessidade de estarem atualizados no mercado de trabalho(1417,20). Em relação ao aspecto da comunicação entre os participantes, o curso foi encarado como uma experiência assíncrona. Não houve evento com hora marcada. Apesar do ambiente virtual de aprendizagem contar com o recurso de bate-papo, optou-se por não utilizá-lo, primeiro porque esta era a primeira experiência da equipe em educação a distância e programações em tempo real iriam demandar um maior nível de domínio da técnica. Já as ferramentas assíncronas não exigem a presença simultânea dos participantes e os acessos podem ser feitos nos horários disponíveis de cada um. As informações publicadas ficam disponíveis para o acesso do grupo. Esses materiais são mais bem preparados e o produto final é, em geral, de melhor qualidade. No entanto, por ser assíncrono, torna-se mais fácil que os participantes abandonem temporariamente o curso, priorizando outras atividades(21). Para avaliação e validação das estratégias e recursos empregados, foram necessários ajustes como disponibilidade dos alunos em acompanhar o curso, tempo médio de conexão, agilidade nas perguntas e respostas e participações nos fóruns. Notou-se claramente maior desmobilização por parte dos alunos quando da ausência temporária do coordenador do curso, mostrando a fragilidade do processo suportado apenas por uma pessoa e não por uma equipe. Com base nas dificuldades do curso e com o intuito de aprimorar o programa, podemos concluir: 1) o conhecimento do perfil do aluno facilita o diálogo e a negociação das aprendizagens, que devem ser adaptadas a seus ritmos e diferenças; 2) a organização do curso deve disponibilizar informações claras, critérios de avaliação e prazos bem definidos; 3) o método fez com que os alunos gerenciassem suas aprendizagens de forma autônoma; 4) como valor agregado, criar uma comunidade virtual comprometida para continuar partilhando experiências, mesmo após o término do curso. Agradecimentos A Dênia Falcão de Bittencourt, psicóloga e professora da Pós-graduação Metodologia da Educação a Distância da UnisulVirtual/Unisul; Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) Seção RJ; ProEcho Diagnóstico por Imagem; Contempory Soluções em Informática.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 26/9/2006. Aceito, após revisão, em 4/12/2006.
* Projeto realizado no Programa de Pós-graduação em Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |