ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Nitamar Abdala, Ricardo Abdala da Silva Oliveira, João de Deus da Costa Alves Junior, Tulio Spinola |
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Descritores: Coluna vertebral, Punção espinhal, Aprendizagem, Modelos anatômicos, Vertebroplastia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A vertebroplastia percutânea é um procedimento radiológico que consiste na punção e injeção de acrílico no corpo da vértebra(1). Está indicada nos casos de fraturas secundárias a osteoporose, nos hemangiomas com comportamento maligno e nas metástases(1,2). Estudos atuais ressaltam analgesia(3), melhora da amplitude dos movimentos(3,4) e reforço na matriz óssea(1), após o procedimento. A vertebroplastia percutânea faz parte do arsenal terapêutico de diversas especialidades, dentre as quais a radiologia intervencionista(5). Com o objetivo de capacitar o profissional médico com esta técnica, workshops(6,7) oferecem substrato teórico e treinamento prático. Nesta proposta de ensino, modelos simuladores são preciosas ferramentas, pois permitem aprimorar a habilidade e a confiança dos médicos estagiários em procedimentos complexos e de risco, manter a habilidade adquirida com exercícios simulados quando não se estiver executando um procedimento terapêutico e, finalmente, prover campo de pesquisa(8). Mediante tais considerações, os autores propõem o desenvolvimento e a avaliação de modelo simulador para treinamento de punção transpedicular para vertebroplastia percutânea.
MATERIAIS E MÉTODOS Simulador Os segmentos vertebrais foram desenvolvidos a partir de moldes de vértebras lombares humanas, preenchidos por uma solução à base de metacrilato e gesso (Figura 1A). Para compor a camada esponjosa, na porção central de cada corpo vertebral foi inserido um naco circular de esponja embebida em solução de metacrilato. As vértebras confeccionadas foram então agrupadas em número de cinco, compondo o segmento lombar da coluna vertebral. Para tanto, os espaços discais foram preenchidos por fragmentos de esponja banhadas de solução de polidimetilsiloxano e sílica, reproduzindo os discos intervertebrais (Figura 1B). Para a manutenção do devido alinhamento dos corpos vertebrais, tiras de etil-vinil-acetato foram interpostas nos processos espinhosos e as facetas articulares foram coladas com pasta de polidimetilsiloxano e sílica. O próximo passo consistiu na reprodução de um tronco humano. Para tal, empregou-se um manequim plástico de uso comercial, denominado gabinete, com uma ampla fenda dorso-lombar que permitia acesso ao seu interior. No interior do gabinete, uma prateleira de madeira foi fixada com parafusos e porcas de pressão nas paredes do manequim. Sobre a prateleira foram colocadas duas tiras de etil-vinil-acetato medindo 2 cm de espessura, 30 cm de comprimento e altura variando de 4 cm no terço médio a 5 cm nas extremidades. Esta estrutura permitiu a locação de forma estável da coluna vertebral sobre a prateleira e a manutenção da postura em lordose (Figura 1C). Por fim, o acesso ao interior do gabinete foi limitado por uma película de etil-vinil-acetato, fixa às bordas do gabinete (Figura 1D), representando a pele. Procedimento Cada aluno deveria realizar três sessões de dez punções por dia, com intervalo de uma semana entre as punções. Para o procedimento foi utilizada agulha de vertebroplastia percutânea Gallini® 13 gauge, sob fluoroscopia, em angiógrafo modelo Philips Integris V5000, conforme a técnica descrita por Cotten et al.(1) (Figura 2A). Qualquer falha detectada na confecção do modelo durante o procedimento determinaria a exclusão do determinado procedimento, para efeito de resultado na curva de aprendizado. Ao final de cada sessão de treinamento aplicou-se solução de metacrilato, com oclusão do pertuito de punção, permitindo novo uso da vértebra modelo, em até no máximo três reutilizações. A documentação dos procedimentos foi realizada em CD e filmes radiográficos (Figuras 2B e 2C). Avaliação do modelo O modelo foi avaliado por seis especializandos em neurorradiologia familiarizados com o método, porém sem experiência em vertebroplastia. Todos os participantes da avaliação responderam questionário quanto à possibilidade ou não de visualização da coluna no interior do gabinete vedado, sem auxílio radiológico; se havia ou não grande semelhança anatômica fluoroscópica do modelo com a imagem de uma coluna vertebral real; se os pedículos eram visualizados tanto à radioscopia e à radiografia; se era ou não possível a identificação e individualização das camadas cortical e esponjosa à fluoroscopia e à radiografia; se os avaliadores percebiam as diferenças entre as peças novas e as reutilizadas; se tinham alguma sugestão para melhorar o modelo.
RESULTADOS Foram consideradas adequadas 172 punções das 180 realizadas. As oito punções eliminadas ocorreram devido a deslocamento posterior da vértebra durante a punção, por falha na fixação da vértebra na estrutura do gabinete. Após a realização das punções, todos os avaliadores preencheram o formulário de similaridade. De forma unânime, todos responderam não ser possível a visualização da coluna no interior do gabinete lacrado sem auxílio radiológico. Todos confirmaram que havia grande similaridade anatômica, boa visualização do pedículo e das camadas cortical e esponjosa por meio da fluoroscopia e radiografia, bem como nítida percepção tátil dessas camadas à punção. Não foram observadas diferenças significativas entre as peças novas e as restauradas, durante os procedimentos. Como sugestões, três avaliadores destacaram o baixo peso do simulador, permitindo mobilidade do tronco durante as punções. Por sua vez, quatro salientaram a necessidade dos planos intermediários, simulando a musculatura, tal qual os procedimentos in vivo.
DISCUSSÃO Segundo Kneebone e ApSimon(9), o modelo de aprendizado baseado apenas na observação é discutível por não estimular o total envolvimento do aluno e não produzir treinamento efetivo. Assim, para aquisição de habilidade, em especial na área cirúrgica e de procedimentos intervencionistas, a prática sustentada é necessária. Por outro lado, a utilização de pacientes para a prática e ganho de experiência por aprendizes na fase inicial de sua formação torna-se inaceitável por problemas de ordem ética e médica legal. Assim, o uso de um modelo surge como uma opção de treinamento, ganho e avaliação de habilidades adquiridas pela prática repetida e segura(10). O uso de modelos animais apresenta a desvantagem do custo elevado e pouca reprodutibilidade, além de dificuldades de natureza ética(9,11). Outra dificuldade seria a questão anatômica, pois sua variabilidade nos modelos animais pode representar uma desvantagem no estabelecimento de um paradigma, como ressaltado por Gailloud et al.(11), em artigo sobre desenvolvimento de modelos in vitro para fístulas durais. Com relação ao desenvolvimento de modelos in vitro, Bartynski et al.(12) e Kerber et al.(13) compartilham do interesse comum em modelos alternativos e, para tanto, desenvolveram modelo de malformação arteriovenosa para simulação de embolização terapêutica, com o intuito de treinamento e pesquisa. Nesse contexto, nossa proposição vem ao encontro da idéia de elaborar um modelo simulador não-animal para garantir qualificação técnica do profissional intervencionista na realização de vertebroplastia percutânea previamente ao procedimento em pacientes. Segundo Kneebone(10), em artigo sobre educação médica, os simuladores podem ser rotulados naqueles baseados em modelos físicos, nos modelos com base na realidade virtual e nos ditos modelos híbridos. O modelo desenvolvido no presente estudo pode ser classificado como um modelo simulador físico. Como tal, traz grande apelo tecnológico pela gama de materiais utilizados na manufatura. Por outro lado, são limitados apenas a um segmento do corpo, e por serem inanimados não permitem ampla interação com o operador(10). Panjabi(14) classifica os modelos de coluna espinhal cervical destinados a estudo biomecânico como modelos físicos, ressaltando sua simplicidade, baixo custo e pouca variabilidade, considerações igualmente pertinentes ao modelo simulador proposto neste trabalho. Por outro lado, esse autor afirma que os simuladores físicos de coluna denotam pouca importância à anatomia óssea e às propriedades físicas das partes moles adjacentes, sendo utilizados principalmente para teste de instrumentação cirúrgica. Com relação ao quesito anatomia, nossos resultados diferem da afirmação de Panjabi(14), pois apesar de ter havido pouca preocupação com estruturas paravertebrais, na opinião de todos os observadores (100% de respostas positivas) houve grande similaridade anatômica do modelo com o aspecto de um paciente. Isto provavelmente decorreu do fato de a manufatura deste modelo ter sido baseada em moldes para a reprodução das peças, tal como descrito por Gailloud et al.(11), e também a estratificação das camadas vertebrais, permitindo grande similaridade visual fluoroscópica e percepção tátil durante a punção vertebral. Outro fator a se discutir é a reutilização das peças. A restauração permitiu oclusão satisfatória do sítio de punção, e como foi colocada uma manta de etil-vinil-acetato cobrindo o modelo, não foi possível a visualização direta das áreas restauradas pelo operador, tampouco via fluoroscópica. Isto provavelmente ocorre devido ao material esponjoso da camada interna reocupar o espaço logo após a retirada da agulha, reduzindo, assim, o custo do treinamento. De acordo com as sugestões de três avaliadores, entendemos que algumas características devem ser alteradas para aumentar a similaridade do modelo. Dentre elas, o peso do simulador deve ser aumentado para que não haja mobilidade do tronco durante as punções, e os planos intermediários devem ser criados para que haja a sensação tátil de se atravessar os planos, em especial a musculatura, durante o procedimento de punção.
CONCLUSÃO O modelo simulador avaliado possui características de similaridade a procedimentos in vivo e deve ser considerado como potencial ferramenta de treinamento médico em punções transpediculares. As sugestões mencionadas corroboram o intuito da busca de aprimoramento material e ganho de realismo.
REFERÊNCIAS 1. Cotten A, Boutry N, Cortet B, et al. Percutaneous vertebroplasty: state of the art. RadioGraphics 1998;18:311320. [ ] 2. Lin DDM, Gailloud P, Murphy K. Percutaneous vertebroplasty in benign and malignant disease. Neurosurg Quart 2001;11:290301. [ ] 3. Levine SA, Perin LA, Hayes D, Hayes WS. An evidence-based evaluation of percutaneous vertebroplasty. Manag Care2000;9:5663. [ ] 4. Evans AJ, Jensen ME, Kip KE, et al. Vertebral compression fractures: pain reduction and improvement in functional mobility after percutaneous polymethylmethacrylate vertebroplasty retrospective report of 245 cases. Radiology 2003; 226:366372. [ ] 5. Strother CM. Interventional neuroradiology. AJNR Am J Neuroradiol 2000;21:1924. [ ] 6. Faculty will discuss percutaneous vertebroplasty versus kyphoplasty as well as current standards and research. The afternoon hands-on workshop will highlight [on line]. [cited 2004 Sept 24]. Available from: https://www.eddesign.com/May/Treating0502.html [ ] 7. Minimally Invasive Spinal Surgery Workshop. Vertebroplasty new technique on percutaneous discectomy [on line]. Course Chairman: Dr. Kwai Fung. Prince of Wales Hospital. [cited 2004 Sept 24]. Available from: http://www.olc-cuhk.org/eng/calendar/program/20040805MISS.asp [ ] 8. Schijven MP, Jakimowicz J. The learning curve on the Xitact LS 500 laparoscopy simulator: profiles of performance. Surg Endosc 2004;18:121127. [ ] 9. Kneebone R, ApSimon D. Surgical skills training: simulation and multimedia combined. Med Educ 2001;35:909915. [ ] 10. Kneebone R. Simulation in surgical training: educational issues and practical implications. Med Educ 2003;37:267277. [ ] 11. Gailloud P, Muster M, Piotin M, et al. In vitro models of intracranial arteriovenous fistulas for the evaluation of new endovascular treatment materials. AJNR Am J Neuroradiol 1999;20:291295. [ ] 12. Bartynski WS, O'Reilly GV, Forrest MD. High-flow-rate arteriovenous malformation model for simulated therapeutic embolization. Radiology 1988;167:419421. [ ] 13. Kerber CW, Hecht ST, Knox K. Arteriovenous malformation model for training and research. AJNR Am J Neuroradiol 1997;18:12291232. [ ] 14. Panjabi MM. Cervical spine models for biomechanical research. Spine 1998;23:26842700. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 25/9/2006. Aceito, após revisão, em 30/11/2006.
* Trabalho realizado na UMDI Diagnósticos, Mogi das Cruzes, SP, e no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), São Paulo, SP, Brasil. |