Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 40 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2007

EDITORIAL
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Page(s) IV to V



Gadolínio e fibrose nefrogênica sistêmica: o que todo médico deve saber

Autho(rs): Claudia da Costa Leite

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O alerta da Food and Drug Administration (FDA) (http://www.fda.gov/bbs/topics/NEWS/2007/NEW01638.html), em junho de 2006, sobre a fibrose nefrogênica sistêmica (FNS)/fibrose cutânea sistêmica obriga-nos a rever os nossos conceitos de segurança do gadolínio. Depois do RSNA de 2006, no nosso serviço passamos a discutir a indicação do gadolínio em pacientes com insuficiência renal, mas até esse momento não tínhamos colocado regras estritas para a utilização desse contraste nesses casos. Aí, em junho/2007, foi internado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo um paciente com essa doença, e confesso que até realmente ver o primeiro paciente com essa síndrome, que está associada à administração de gadolínio, tinha aquele velho sentimento de que "isso não vai acontecer aqui". O impacto foi tão efetivo que hoje já estamos calculando o clearance de creatinina antes de administrar o gadolínio em pacientes com insuficiência renal moderada ou grave. Posso dizer que o quadro é dramático e que todo médico deve estar ciente da possibilidade do desenvolvimento dessa doença.

Até fevereiro deste ano foram descritos 200 casos de FNS. Esta doença é sistêmica e, como o nome indica, causa fibrose tecidual generalizada; no início foi descrito o quadro cutâneo, por isso pode ser encontrada a nomenclatura de fibrose cutânea sistêmica (http://www. pathmax.com/dermweb).

Esse quadro é desenvolvido em pacientes após a administração intravenosa de gadolínio para realização de ressonância magnética ou angio-ressonância, angiografias ou angio-TC e que apresentam doença renal em fase moderada-estágio 4 (clearance de creatinina < 60 ml/min/1,73 m²) ou grave-estágio 5 (< 15 ml/min/1,73 m²), especialmente naqueles que necessitam de diálise (http://www.massmedboard.org). Há descrição também de desenvolvimento de FNS em pacientes com síndrome hepatorrenal(1), e nestes casos a avaliação da função renal é ainda mais difícil, pois o fígado deixa de produzir creatinina e, portanto, seu nível sanguíneo não traduz o quadro renal. A exata causa do desenvolvimento da FNS nos pacientes com insuficiência renal, geralmente dialítica, após o uso de gadolínio não é bem compreendida, porém, biópsias teciduais de casos de FNS detectam gadolínio nessas amostras. Os efeitos são dose-dependentes e cumulativos, ou seja, o risco para desenvolver a doença aumenta a cada nova administração do contraste paramagnético. O quadro é progressivo e rápido (cerca de 2–12 semanas após), podendo o paciente ficar confinado a uma cadeira de rodas em poucas semanas devido a contraturas, fraqueza muscular e artralgias. O endurecimento da pele das extremidades e contraturas das articulações leva à imobilidade. Além da pele, o envolvimento de outros órgãos como pulmão, sistema músculo-esquelético, coração, diafragma e esôfago também é descrito, podendo ser assintomático. Essa doença pode estabilizar, mas não há relatos de remissão. Até o momento, a maioria dos casos descritos de desenvolvimento dessa doença estava associada ao uso de gadodiamida (Omniscan®; GE Healthcare, Princeton, NJ), entretanto, há casos descritos associados ao uso de gadopentetato de dimeglumina (Magnevist®; Berlex Imaging, Montville, NJ) e de gadoversetamida (OptiMARK®; Mallinkrodt, St. Louis, MO) ou associação desses agentes, tanto com o uso de doses de 0,1 mmol/kg como doses maiores(2).

Por isso, os médicos devem avaliar cuidadosamente a necessidade do gadolínio nesses pacientes. Muitas dúvidas precisam ser sanadas para uma correta indicação desses agentes tão úteis no diagnóstico por imagem nesses pacientes: Como ocorre a interação da insuficiência renal e o gadolínio desencadeando essa doença? Como outros fatores de risco (como distúrbios eletrolíticos com aumento de cálcio, potássio ou zinco) facilitam esse processo? É necessária a presença de acidose metabólica para que esse quadro ocorra? Por que os primeiros casos só foram descritos em 1997, mas o gadolínio já era usado em pacientes com insuficiência renal antes disso?

Enquanto isso, a FDA americana sugere as seguintes recomendações:

– O gadolínio, especialmente em doses altas, deve ser utilizado em pacientes com insuficiência renal avançada (filtração glomerular < 15 ml/min/1,73 m²) somente se estritamente necessário. É prudente instituir diálise imediatamente após a administração de gadolínio, apesar de não haver dados determinando a utilidade deste procedimento para prevenir a NFS. Em pacientes com insuficiência renal após a diálise a excreção de gadolínio foi de 78%, 96% e 99%, respectivamente, depois da primeira à terceira sessões de hemodiálise. Apesar do desenvolvimento da FNS estar associado a somente alguns sais do gadolínio, a FDA sugeriu prudência em relação ao uso deste contraste.

Não há descrição do desenvolvimento da FNS sem insuficiência renal, sendo que 90% dos casos já eram dialíticos e os demais estavam no estágio 4 ou 5. Mesmo em pacientes com doença renal grave ou terminal, a chance de desenvolver FNS parece ser de 3–5%, entretanto, dada a gravidade da doença, muita cautela é recomendada(3).

Kuo et al., em artigo publicado em março de 2007 na revista Radiology(2), sugerem algumas recomendações a serem seguidas nesses pacientes:

1) Comprovação de ausência de problema renal: checar a creatinina, o clearance de creatinina, os eletrólitos, além de considerar doses reduzidas para pacientes idosos, hipertensos e/ou diabéticos, na ausência dos dados anteriores.

2) Discutir com o médico solicitante as alternativas de diagnóstico por imagem nesses pacientes. Benefícios e riscos devem ser pesados caso a caso.

3) Em casos de insuficiência renal moderada ou grave em que será prescrito o gadolínio, devem ser assinados termos de consentimento pelo médico solicitante, bem como pelo paciente ou seu responsável legal.

4) Se realmente for necessária a administração de gadolínio nesses casos, a menor dose possível deve ser administrada.

5) Durante o exame de ressonância magnética, realizar o máximo possível de seqüências sem contraste visando a obter o diagnóstico sem a necessidade do contraste.

6) Em pacientes em programa de hemodiálise é recomendada a realização de hemodiálise assim que possível, no máximo três horas após a administração de gadolínio. Se for seguro, realizar outra hemodiálise 24 horas após.

7) Em pacientes em programa de diálise peritoneal é necessário assegurar que não haverá período em que a cavidade peritoneal esteja "seca". Nas 48 horas após a administração de gadolínio recomenda-se a realização de vários ciclos de diálise.

8) Não é recomendada a administração de gadolínio se há a possibilidade da existência de espaços dos quais o gadolínio não pode ser removido, como no líquido amniótico.

9) Se já houver o diagnóstico de FNS, não é recomendada nova injeção de gadolínio.

A FNS é uma doença desfigurante e debilitante que não tem tratamento ou prevenção efetivos(1). Sua gravidade obriga-nos a lembrar do pensamento hipocrático, que prega primum non nocere, e em pacientes com insuficiência renal grave e moderada o gadolínio pode estar associado a graves conseqüências.

Agradecimentos: Ao Prof. Dr. Edson Amaro Júnior e à Dra. Paula Arantes, pela revisão deste editorial.

 

Referências

1. Broome DR, Girguis MS, Baron PW, Cottrell AC, Kjellin I, Kirk GA. Gadodiamide-associated nephrogenic systemic fibrosis: why radiologists should be concerned. AJR Am J Roentgenol 2007;188:586–592.

2. Kuo PH, Kanal E, Abu-Alfa AK, Cowper SE. Gadolinium-based MR contrast agents and nephrogenic systemic fibrosis. Radiology 2007;242:647–649.

3. Kanal E, Barkovich AJ, Bell C, et al. ACR guidance document for safe MR practices: 2007. AJR Am J Roentgenol 2007;188: 1447–1474.


 
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