ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Ester Moraes Labrunie, Edson Marchiori |
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Descritores: Obesidade mórbida, Cirurgia bariátrica, Obstrução intestinal, Complicação, Radiologia, Tomografia computadorizada |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A obesidade é uma doença crônica caracterizada pelo excesso de gordura corporal. Ela tem sofrido aumento em proporções epidêmicas em todo o mundo. Está associada a uma série de doenças correlatas, que acabam acarretando mortalidade precoce(1,2). É considerada obesidade mórbida quando o índice de massa corporal (IMC) é maior que 40 kg/m², ou ainda, maior ou igual a 35 kg/m² em pacientes que apresentem alguma doença correlata à obesidade (chamadas de comorbidades)(2,3). Em resposta ao crescimento epidêmico mundial da obesidade, novos tratamentos foram propostos e aprimorados, destacando-se, entre eles, os avanços na cirurgia(4). A técnica cirúrgica atualmente considerada maiz eficaz para o tratamento da obesidade mórbida é a gastroplastia com derivação em Y de Roux(4). Com o aumento na freqüência de realização das cirurgias bariátricas, torna-se necessário que o radiologista tome conhecimento das técnicas empregadas, bem como das alterações anatômicas e funcionais decorrentes desses tratamentos(5). O estudo radiológico pós-operatório, a pesquisa de complicações e seu diagnóstico precoce são problemas cada vez mais freqüentes para o radiologista em sua prática diária. Limitações técnicas impostas pelo próprio biotipo e condições clínicas desses pacientes podem dificultar o diagnóstico. A análise minuciosa e criteriosa dos exames é um desafio para a equipe cirúrgica em conjunto com o radiologista. Avaliações incorretas ou demora no diagnóstico das complicações podem retardar o tratamento e até colocar em risco a vida do paciente. A obstrução do intestino delgado ocorre em cerca de 1,3% a 5% dos casos, notadamente nos pacientes submetidos à videolaparoscopia(4). Na laparoscopia há menor trauma cirúrgico, com menor formação de bridas, porém com incidência maior de hérnias internas(4). Inversamente, a maior formação de aderências na laparotomia parece reduzir a propensão à formação de hérnias internas(5). O objetivo deste trabalho foi discutir os aspectos radiológicos observados em 10 pacientes que desenvolveram obstrução intestinal como complicação de gastroplastia redutora pela técnica de Higa, para tratamento de obesidade mórbida.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados 10 pacientes submetidos a gastroplastia redutora e derivação gastroentérica em Y de Roux pela técnica de Higa, que apresentaram obstrução intestinal no pós-operatório, entre novembro de 2001 e abril de 2006. Os casos foram obtidos em sete instituições hospitalares, sendo as cirurgias realizadas por cinco equipes distintas. Quatro pacientes eram do sexo masculino (40%) e seis eram do sexo feminino (60%), com idades variando entre 23 e 54 anos (média de 37,2 anos). Nove pacientes foram submetidos à cirurgia por videolaparoscopia (90%) e um, por laparotomia (10%). Foram analisados 15 exames, sendo nove tomografias computadorizadas, dois exames de seriografia esofagogastrojejunal (SEGJ) e quatro rotinas de abdome agudo. Todos os 10 pacientes obtiveram confirmação cirúrgica. Os achados radiológicos foram confrontados com o relato operatório. Foram pesquisados nos exames sinais indicativos de obstrução e sua possível etiologia. Em relação ao tempo decorrido entre a cirurgia e desenvolvimento da obstrução intestinal, elas foram classificadas em precoces (aquelas ocorridas até o sétimo dia de pós-operatório) e tardias (após o 30° dia de pós-operatório).
RESULTADOS A obstrução intestinal ocorreu em alça de delgado nos 10 pacientes, sendo cinco por hérnia interna, três por brida, um por hérnia umbilical e um por intussuscepção gástrica. Em quatro casos a obstrução foi precoce (até o sétimo dia de pós-operatório), sendo dois secundários a hérnia interna transmesocólica e dois por brida em íleo distal. Nos outros seis casos, a obstrução ocorreu tardiamente (entre três meses e cinco anos de pós-operatório), sendo três relacionados a hérnia interna (duas transmesocólicas e uma pelo defeito mesentérico na anastomose inferior), um provocado por hérnia umbilical, um por brida associada a volvo do delgado e um por intussuscepção do estômago excluído para dentro do arco duodenal. Todos os pacientes com obstrução intestinal foram submetidos a reintervenção cirúrgica. Nos três casos provocados por brida, a obstrução ocorreu em alça ileal distal (Figura 1). Um caso ocorreu no local da inserção do instrumental de laparoscopia, associado a volvo do delgado. Em todos foi possível identificar, no exame de tomografia computadorizada (TC), a zona de transição de calibre das alças distendidas para o segmento distal não-distendido. Dois desses pacientes apresentaram, à cirurgia, associação com volvo do segmento delgado acima da obstrução. Este aspecto pôde ser sugerido no exame de TC realizado em um dos pacientes, devido a deslocamento anterior da linha de grampeamento da anastomose jejuno-jejunal. As hérnias internas ocorreram em cinco pacientes operados por videolaparoscopia, sendo quatro do tipo transmesocólico (Figura 2) e uma no defeito mesentérico criado na confecção da alça de Roux e anastomose jejuno-jejunal. Observou-se, nos quatro pacientes com hérnia transmesocólica, distensão da alça alimentar até sua passagem pelo mesocólon transverso. Em um destes, observou-se ainda migração supramesocólica da anastomose inferior, evidenciada pela linha hiperdensa de grampeamento cirúrgico. No paciente com hérnia no defeito mesentérico (Figura 3), foi observada distensão da alça biliopancreática e estômago excluído. O caso de hérnia umbilical ocorreu tardiamente, no único paciente deste grupo submetido a cirurgia por laparotomia. Identificou-se um caso de intussuscepção do estômago excluído para dentro do arco duodenal, com deslocamento secundário do colédoco. Este último aspecto pôde ser mais bem observado pelo estudo de colangiografia por ressonância magnética (Figura 4).
DISCUSSÃO Segundo Blachar et al.(4), as obstruções que ocorrem entre três dias e três meses de pós-operatório são mais freqüentemente secundárias a bridas. As hérnias internas em geral ocorrem mais tardiamente. Nossa casuística apresenta dados diferentes dos relatados por estes autores. Nos 10 pacientes estudados, em quatro a obstrução foi precoce (até o sétimo dia de pós-operatório) e em seis foi tardia (após o 30º dia de pós-operatório). Bridas e hérnias internas ocorreram em ambos os grupos. Observamos casos precoces de hérnia interna transmesocólica com cinco e sete dias de pós-operatório e bridas tardias (cinco anos). Assim, parece que o tempo decorrido entre a cirurgia bariátrica e o início dos sintomas não deve ser levado em conta na avaliação etiológica da obstrução. Dos 10 casos de obstrução, apenas um (secundário à hérnia umbilical) ocorreu em paciente operado primariamente por laparotomia. Todos os casos de hérnia interna e brida ocorreram pós-cirurgia por vídeo. Este número, no entanto, é pequeno para considerações estatísticas. É relatada, na literatura, maior incidência de hérnias internas em laparoscopias(4) e bridas em laparotomias(5). Segundo Blachar et al.(3), a maior incidência de hérnias internas pós-laparoscopia, quando comparado à laparotomia, seria devido a uma menor propensão à formação de bridas nesta via cirúrgica. Outro fator predisponente pode estar relacionado à redução da gordura intraperitoneal no pós-operatório, com conseqüente aumento do defeito mesentérico(3). O retardo no diagnóstico e, portanto, na reintervenção cirúrgica desses pacientes pode levar à gangrena de segmento intestinal, sendo necessária enterectomia de comprimentos variáveis de delgado, aumentando a morbidade e a mortalidade da complicação(6). Observamos dois pacientes com distensão intestinal na rotina de abdome agudo, que foram inicialmente interpretados como íleo adinâmico, retardando o diagnóstico e o tratamento. Nos dois casos, retrospectivamente, a TC realizada na época demonstrava zona de transição de calibre de alças delgadas, caracterizando a obstrução. Ambos os pacientes tiveram o pós-operatório bastante arrastado e complicado. Em ambos foi, ainda, evidenciada à cirurgia, a presença de fístula de anastomose, possivelmente secundária ao aumento de tensão na linha de grampeamento e à distensão a montante da obstrução, conforme mecanismo proposto por Luján et al.(5). A obstrução de intestino delgado pode cursar com sintomas inespecíficos, como dor abdominal intermitente de longa duração, ou apresentar-se com dor abdominal aguda, associada a náusea, vômitos e constipação(6). Ambas as apresentações ocorreram em nossa casuística. Um paciente, que apresentava taquicardia como única alteração clínica pós-operatória, realizou TC pré-alta hospitalar, sendo evidenciadas alterações compatíveis com hérnia supramesocólica precoce. O paciente foi prontamente operado, com excelente recuperação. A TC tem-se tornado o método de imagem de eleição para investigação de sintomas abdominais, principalmente nos pacientes submetidos à cirurgia de derivação gástrica(6). Pacientes com sintomas abdominais inespecíficos e vagos devem ser prontamente submetidos a TC com contraste oral e venoso(7). Ela, além de diagnosticar a obstrução, permite avançar na etiologia diagnóstica, sendo indicativa de hérnias transmesocólica, mesentérica, umbilical e intussuscepção gástrica. Permite, também, avaliar sofrimento/espessamento de alça intestinal e complicações correlatas como pneumoperitônio, fístulas e coleções. Nos 10 pacientes que acompanhamos com obstrução intestinal, nove realizaram TC, todas com achados anormais. Nos dois casos em que houve retardo no diagnóstico, a revisão retrospectiva das imagens já indicava distensão abdominal com zona de transição de calibre no delgado. Blachar et al.(3,8) discutiram os aspectos tomográficos de hérnia interna e afirmaram que alguns achados podem sugerir o diagnóstico, quando analisados criteriosamente. As alterações mais significativas por eles relatadas, e também observadas em nossa casuística, foram: distensão de delgado, sugerindo obstrução; agrupamento de alças de delgado (notadamente no quadrante superior esquerdo do abdome); ingurgitamento e deslocamento dos vasos mesentéricos, ausência de gordura omental recobrindo as alças distendidas/herniadas e ascite. Um aspecto por nós observado e não-relatado nesse trabalho, em paciente com hérnia transmesocólica, foi a migração da linha de grampeamento da anastomose inferior para o andar supramesocólico, visualizada como artefato linear hiperdenso na junção das alças alimentar e biliar. Radiografias com contraste oral também são bastante sensíveis para hérnia interna(9). Em nossa casuística, foi realizado exame simples e/ou contrastado do abdome em quatro pacientes, sendo todos anormais e indicativos de distensão intestinal e/ou obstrução. O diagnóstico de hérnia transmesocólica pode ser sugerido pela presença de agrupamento e distensão supramesocólica de alças delgadas. O exame radiológico convencional pode também evidenciar distensão intestinal por obstrução de outras etiologias (em nossa casuística por brida, com ou sem volvo de delgado). A intussuscepção intestinal é complicação rara nesta cirurgia(7,10,11). Nós observamos um caso de intussuscepção tardia, do estômago excluído para dentro do arco duodenal. O aspecto da TC era bastante sugestivo de invaginação. A complicação secundária foi o desenvolvimento de icterícia, por estiramento e dilatação do colédoco, mais bem visualizados na ressonância magnética. Seu diagnóstico deve ser precoce, pois é relatada mortalidade de 10% em 48 horas e de 50% após 72 horas(11).
REFERÊNCIAS 1. Moura LG Jr, Guimarães SB, Castro-Filho HF, Machado HF, Feijó FC, Vasconcelos PRL. Capella's gastroplasty: metabolites and acute phase proteins changes in midline and bilateral arciform approaches. Arq Gastroenterol 2004;41:215219. [ ] 2. Blachar A, Federle MP. Gastrointestinal complications of laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass surgery in patients who are morbidly obese: findings on radiography and CT. AJR Am J Roentgenol 2002:179:14371442. [ ] 3. Blachar A, Federle MP, Pealer KM, Ikramuddin S, Schauer PR. Gastrointestinal complications of laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass surgery: clinical and imaging findings. Radiology 2002; 223:625632. [ ] 4. Blachar A, Federle MP, Pealer KM, Abu Abeid S, Graif M. Radiographic manifestations of normal postoperative anatomy and gastrointestinal complications of bariatric surgery, with emphasis on CT imaging findings. Semin Ultrasound CT MR 2004;25:239251. [ ] 5. Luján JA, Frutos MD, Hernández Q, et al. Laparoscopic versus open gastric bypass in the treatment of morbid obesity: a randomized prospective study. Ann Surg 2004;239:433437. [ ] 6. Onopchenko A. Radiological diagnosis of internal hernia after Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg 2005;15:606611. [ ] 7. Srikanth MS, Keskey T, Fox SR, Oh KH, Fox ER, Fox KM. Computed tomography patterns in small bowel obstruction after open distal gastric bypass. Obes Surg 2004;14:811822. [ ] 8. Blachar A, Federle MP, Dodson SF. Internal hernia: clinical and imaging findings in 17 patients with emphasis on CT criteria. Radiology 2001; 218:6874. [ ] 9. Carmody B, DeMaria EJ, Jamal M, et al. Internal hernia after laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass. Surg Obes Relat Dis 2005;1:543548. [ ] 10. Duane TM, Wohlgemuth S, Ruffin K. Intussusception after Roux-en-Y gastric bypass. Am Surg 2000;66:8284. [ ] 11. Sandrasegaran K, Rajesh A, Lall C, Gomez GA, Lappas JC, Maglinte DD. Gastrointestinal complications of bariatric Roux-en-Y gastric bypass surgery. Eur Radiol 2005;15:254262. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 8/9/2006.
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |