ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Silvio Ricardo Pires, Regina Bitelli Medeiros, Simone Elias |
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Descritores: Treinamento, Mamografia digital, Monitores |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A mamografia digital já pode ser considerada uma realidade, entretanto, as interpretações das imagens, utilizando as ferramentas de software, apresentam-se como um paradigma, que exige dos profissionais conhecimentos relativos às propriedades da imagem em formato digital. É possível que este fato explique as recomendações da Food and Drug Administration (FDA) quanto à necessidade de um treinamento mínimo de oito horas na interpretação de imagens digitais para especialistas(1). Uma ferramenta chave utilizada para a compreensão das principais propriedades da imagem digital é o histograma da própria imagem, pois esta ferramenta elucida as propriedades físicas de realce para a identificação das estruturas simuladas. O histograma de uma imagem revela a distribuição dos níveis de cinza da imagem. Quanto maior a escala de tons de cinza, maior é a possibilidade de se manipular o contraste da imagem de forma suave, realçando estruturas de interesse com melhor precisão. O uso de ferramentas de pré-processamento permite alterar o contraste e o brilho de uma imagem, e desse modo manipular as informações da matriz da imagem que compõe o histograma. A resolução de contraste tem influência direta na qualidade da imagem. Considerando que as dimensões físicas de uma imagem mamográfica são fixas e que uma imagem digital é formada ponto a ponto, pode-se dizer que a resolução espacial também tem influência direta na qualidade da mamografia. Quanto maior for a matriz da imagem, menor é o tamanho do pixel; conseqüentemente, é possível identificar objetos menores com melhor precisão e sem grandes distorções(2). Uma forma de avaliação do desempenho dos profissionais, no que se refere à resposta de detectabilidade das estruturas visualizadas em uma imagem digital, é por meio da aplicação da estatística de kappa, que permite determinar a concordância entre os achados e a real posição destas estruturas, através de imagens simuladas. Os valores de kappa podem ser determinados pela equação 1.
onde: Fii são os números de argumento por categoria; Ri e Ci são a soma das linhas e colunas das categorias; N é a soma de todas as categorias. As preferências individuais ou subjetividade na interpretação das imagens parecem atuar na especificidade e sensibilidade para detecção de lesões, porém a utilização das ferramentas específicas para a manipulação das imagens talvez contribua para que sejam menos significantes no processo do diagnóstico de câncer de mama(1,3). Garantir a qualidade nas diversas etapas do processo de diagnóstico por imagem constitui também uma preocupação dos órgãos oficiais e dos especialistas, que agora se vêem diante do desafio de empregar a tecnologia digital voltada à interpretação das imagens mamográficas. A detectabilidade dependerá muito da implantação de programas de garantia de qualidade, isto é, a aplicação de processos e procedimentos na área do diagnóstico por imagem que prevê o treinamento e a capacitação dos profissionais envolvidos. Com a inclusão da mamografia digital na prática clínica faz-se necessário um treinamento específico para o domínio destes recursos, para que o especialista possa extrair as vantagens preconizadas dos sistemas digitais(1). Talvez o sistema digital minimize as preferências individuais e a subjetividade na interpretação da imagem e atue na especificidade e sensibilidade para detecção de lesões(4). Segundo recomendações da FDA, para a interpretação de imagens mamográficas é necessário um monitor de 14 bits/pixel, com 5,0 megapixels. Entretanto, existem monitores de menor custo sendo utilizados e que não possuem as referidas especificações(1,5) . Como os parâmetros do monitor podem influenciar na detectabilidade das lesões mamárias? Esta é uma questão ainda não esclarecida e que tem motivado estudos que propõem a comparação do desempenho dos profissionais quanto à detecção de sinais nas imagens digitais ao utilizar diferentes dispositivos de visualização(6). Um dos fatores que modifica a precisão do diagnóstico é a experiência do profissional. O treinamento clínico neste tipo de modalidade de imagem é crucial para a detecção precoce de tumores malignos e redução do falso-positivo(7). O objetivo deste trabalho é aplicar uma ferramenta específica para o treinamento de profissionais (radiologistas, mastologistas, residentes em radiologia, entre outros) na interpretação de exames digitais de mamografia que possibilite o reconhecimento de um padrão adequado ao diagnóstico das imagens classificadas em categorias BI-RADS®.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi desenvolvido um software denominado QualIM® Qualificação de Imagens Médicas, em Delphi 7, que gerencia uma base de dados MS-SQL Server 2000. A principal função do software é o armazenamento dos laudos, em categorias BI-RADS, resultante do treinamento na interpretação de imagens mamográficas. O software foi estruturado para a manutenção das informações contidas na base de dados, onde o acesso é realizado somente com senhas administrativas. A Figura 1 apresenta a interface de acesso ao treinamento na interpretação de imagens digitais.
O software foi desenvolvido para treinamento em estações de trabalho equipadas com monitores específicos para mamografia com resoluções de até 5,0 megapixels e 14 bits/pixel em tons de cinza. São eles: monitor Barco modelo MFGD5421 e Clinton modelo DL-3000. Podem ser inseridas na base de dados imagens adquiridas por sistemas computed radiography (CR), direct radiography (DR) ou as geradas de forma convencional (filmes) por digitalização em scanner laser Lumiscan 75 (Lumisys, Inc.; Sunnyvale, USA) no formato TIFF com 12 bits/pixel. Todas as imagens digitais obtidas no padrão DICOM foram coletadas em DVD, sem compressão de dados, e apresentam resolução espacial superior a 5,6 megapixels (matriz superior a 2.560 × 2.048 pixels). A base de dados, atualmente, contém 436 casos classificados em categorias BI-RADS e a distribuição está descrita conforme mostra a Figura 2.
O software possui uma ferramenta que converte as imagens geradas pelos sistemas CR e DR, do padrão DICOM para o formato TIFF, com a possibilidade de manter as resoluções espaciais e de contrastes originais. As imagens são procedentes de diferentes serviços e duplamente interpretadas por profissionais experientes em mamografia. Cópias desses exames, com os respectivos laudos, são inseridas na base de dados por um profissional experiente em sistemas digitais, que faz a terceira interpretação das imagens, gerando uma base de dados referenciada como "padrão-ouro". O acesso às imagens radiológicas é permitido por meio de um menu específico, onde o software QualIM foi adaptado para a exibição de imagens de exames mamográficos com até oito incidências, sendo as principais, crânio-caudal e médio-lateral (direita e esquerda) e imagens complementares. Dependendo da complexidade do caso, é possível a visualização de até seis imagens de ultra-som e duas imagens de exames anatomopatológicos de pacientes. A primeira etapa é baseada no treinamento de manipulação da imagem empregando ferramentas do software utilizando imagens simuladas de mama, em que o profissional aprende, por meio da manipulação do histograma, os principais padrões visuais da imagem para realce de estruturas suspeitas. Nesta etapa são apresentadas as ferramentas que orientam o profissional na manipulação do histograma da imagem, por meio de controles de brilho e contraste. O software exibe informações numéricas da região de interesse que auxiliam na decisão que deve ser adotada para se obter um eficiente realce da estrutura. A ferramenta de treinamento possibilita que a imagem seja rotacionada (sentidos horário/anti-horário), espelhada, além de disponibilizar lentes de aumento (zoom) e régua para medida de nódulos ou outras estruturas de interesse. A etapa seguinte consiste no treinamento da interpretação de exames digitais utilizando categorias BI-RADS. Nesta etapa é disponibilizada uma ferramenta de manipulação do realce do histograma, de forma automatizada, com a qual o usuário realiza pequenos ajustes finos, baseados nos principais conceitos previamente adquiridos. O profissional faz a interpretação do exame utilizando todos os conceitos das categorias BI-RADS estruturadas na quarta edição do Colégio Americano de Radiologia, sendo computados a concordância de suas respostas e o tempo gasto na interpretação. As informações dos laudos são armazenadas em uma interface específica, capaz de cobrir 99% de todas as possibilidades do sistema BI-RADS. Foi desenvolvida uma função no software em que, a cada acesso do profissional ao sistema de treinamento, são apresentados novos casos entre as categorias BI-RADS, expondo o profissional a uma diversidade de casos com diferentes graus de complexidade. A Figura 3 mostra um exemplo da interface de treinamento. À esquerda, a projeção médio-lateral direita com realce de uma estrutura de interesse da mama e da régua digital sobre a área ampliada. À direita, a projeção médio-lateral esquerda sem nenhuma manipulação de realce na imagem.
A Figura 4 mostra a descrição do laudo armazenado na base de dados denominado "padrão-ouro" para a avaliação dos exames mamográficos. Foi implementada uma função que apresenta, de forma automatizada, o texto do laudo a partir das informações inseridas pelo profissional em treinamento durante a interpretação do exame mamográfico, utilizando a categoria BI-RADS. Após a conclusão da avaliação, é possível ao profissional investigar todas as informações de interesse.
Foram treinados seis especialistas. O treinamento teve início em 2007 e atualmente faz parte do programa de residência em radiologia.
RESULTADOS Como resultado geral obtido, tanto na etapa de treinamento da manipulação de imagens simuladas quanto na análise das imagens mamográficas classificadas em BI-RADS, o treinamento proposto mostrou que os profissionais melhoram na detectabilidade das estruturas e a fazem em menor tempo. A Figura 5 apresenta os resultados do desempenho dos especialistas na detecção dos sinais em sistemas digitais. O gráfico expõe os valores médios de kappa e o tempo médio na interpretação de imagens que simulam mamas. O valor inicialmente apresentado foi de 0,64 para kappa, com tempo médio na interpretação da imagem de 4 minutos e 50 segundos, e o resultado final foi de 0,72 para kappa, com tempo médio na interpretação da imagem de 4 minutos. O eixo vertical à esquerda representa a evolução dos valores de kappa, e o eixo vertical à direita, o tempo em minutos.
A base de dados desenvolvida contém casos clínicos de todas as categorias BI-RADS oriundas de unidades mamográficas convencionais (com imagens digitalizadas) e digitais (geradas com tecnologias CR e DR) de diferentes centros, o que enriquece no reconhecimento de padrões visuais para o treinamento dos profissionais.
DISCUSSÃO A base de dados do software QualIM apresenta a vantagem de possuir casos clínicos de todas as categorias BI-RADS provenientes de diversas unidades mamográficas convencionais e digitais instaladas em diferentes centros. Isto possibilita que o profissional seja treinado para o reconhecimento dos padrões visuais de imagens geradas por tecnologias CR, DR e as digitalizadas. A dinâmica no armazenamento das informações expõe o profissional a uma diversidade de casos de diferentes complexidades, complementados por outras modalidades de exames, como ultra-som e exame anatomopatológico. A vantagem do software QualIM é possibilitar a importação e conversão de imagens DICOM geradas por diferentes fabricantes de CR (Agfa, Kodak, Fuji) e DR (Lorad, Siemens, General Electric) para o padrão TIFF, mantendo as características de resolução espacial e de contraste(8). A seleção de casos por grau de complexidade propiciada pelo software ajusta o nível de treinamento à experiência profissional. Existem softwares sendo aplicados em treinamento(1,8,9) que utilizam imagens somente de simuladores, o que gera certo desestímulo ao profissional no decorrer do tempo. O diferencial deste modelo de treinamento consiste no estudo de casos clínicos classificados em categorias BI-RADS, solidificando a padronização na linguagem utilizada para a interpretação das imagens(1012). Pode ainda ser efetuado com ou sem tutoria e a evolução no treinamento é dependente do desempenho individual. A interpretação de imagens em monitores tem sido amplamente estudada(3,13) com a finalidade de avaliar o desempenho dos profissionais na interpretação de imagens em comparação com o sistema convencional(13). Estudos concluem que a interpretação das imagens em monitores é bem aceita, a adaptação do especialista é rápida e a precisão e o tempo gasto na interpretação são comparáveis aos do sistema convencional, desde que o profissional esteja devidamente treinado(14,15). Para o treinamento foram observados os requisitos mínimos recomendados pela FDA(5) quanto às resoluções espaciais e de contrastes dos monitores para a interpretação das imagens digitais, bem como luminância, em ambiente apropriado(1,5).
CONCLUSÃO O software QualIM é uma ferramenta de ensino em sistemas digitais, pois auxilia o profissional a reconhecer os corretos padrões visuais de uma imagem mamográfica mediante manipulação do histograma da imagem e possibilita o treinamento na interpretação de exames mamográficos utilizando a classificação BI-RADS com melhor eficiência de detecção dos achado em menor tempo. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo apoio no financiamento do projeto, e à Coordenação Pessoal de Nível Superior (Capes), pelas bolsas de estudo acreditando na importância da realização deste trabalho.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 2/10/2007. Aceito, após revisão, em 14/7/2008.
* Trabalho realizado no Laboratório de Qualificação de Imagens Médicas (QualIM) Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. |