ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Rodrigo Gobbo Garcia, Carlos Leite de Macedo Filho, Alexandre Maurano, Miguel José Francisco Neto, Mauro Miguel Daniel, Laercio Alberto Rosemberg, Marcelo Buarque de Gusmão Funari |
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Descritores: Biópsias, Drenagem percutânea, Procedimentos intervencionistas, Anatomia pélvica, Abscessos pélvicos |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A realização de biópsias e drenagens percutâneas guiadas por métodos de imagem são procedimentos bem estabelecidos dentro da prática radiológica intervencionista, respondendo pela maior parte dos procedimentos não-vasculares em muitos departamentos de imagem. Quando bem executadas, constituem ferramentas seguras e eficazes no manejo minimamente invasivo de diversas afecções clínicas e cirúrgicas(1-8). No entanto, as lesões pélvicas mais profundas quase sempre representam um desafio para o radiologista intervencionista, por causa da interposição de grande número de estruturas anatômicas dentro do espaço pélvico, que, além de ser relativamente pequeno, é circunscrito por rígido arcabouço ósseo. As alças intestinais, a bexiga, as estruturas neurovasculares e os órgãos ginecológicos em pacientes do sexo feminino constituem obstáculos a serem cuidadosamente contornados, sempre que possível. Para que o procedimento seja bem sucedido é fundamental o planejamento da via de acesso, que necessita de um conhecimento detalhado da anatomia pélvica(1). As principais vias para a abordagem das lesões pélvicas profundas são: transabdominais (anterior e lateral), extraperitoneal ântero-lateral, transvaginal, transretal e transglútea. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da anatomia seccional pélvica normal e demonstrar as diversas vias de acesso para biópsias e drenagens pélvicas guiadas por ultra-sonografia (US) e por tomografia computadorizada (TC), discutindo as vantagens e possíveis complicações inerentes a cada uma delas.
ANATOMIA PÉLVICA NORMAL O planejamento de um acesso seguro para biópsia de lesões pélvicas profundas requer o conhecimento da anatomia complexa da região. É imprescindível a familiaridade com a localização e com o aspecto normal das várias estruturas anatômicas principais, como demonstramos na TC (Figuras 1 e 2).
A escolha da via de acesso e do método a ser utilizado vai depender da localização da lesão e da acessibilidade ao método a ser utilizado. Sempre que possível utilizamos a US, por tratar-se de um método de menor custo, que possibilita controle do procedimento com imagens em tempo real, sem emissão de radiação ionizante. Quando a lesão é inacessível pela US, utilizamos a TC e, mais recentemente, a flúor-TC.
ACESSO TRANSABDOMINAL ANTERIOR OU LATERAL Nesta via de acesso a agulha é inserida através da musculatura da parede abdominal inferior e do peritônio. Deve-se evitar os vasos epigástricos que estão próximos aos retos abdominais e os vasos ilíacos circunflexos profundos que ascendem ao longo da parede abdominal anterior próximo da crista ilíaca. É importante também evitar a transfixação de alças intestinais, que ocupam a maior parte da pelve superior e são estruturas bastante móveis, podendo mudar constantemente de posição durante o curso do procedimento. Quando não for possível desviar dos segmentos intestinais interpostos, o acesso pelas alças pode ser realizado com agulhas finas (20 G ou 22 G). As lesões-alvo desta técnica são as localizadas acima, anteriormente ou lateralmente à bexiga urinária. A grande vantagem deste acesso é o fato de que o paciente freqüentemente permanece em posição supina, mais confortável em procedimentos mais demorados. Ilustramos esta técnica com um caso de drenagem de abscesso que se formou secundariamente a uma diverticulite complicada. Optamos por fazer o procedimento guiado por US, com posterior controle tomográfico (Figuras 3 e 4).
ACESSO ÂNTERO-LATERAL EXTRAPERITONEAL Esta técnica envolve a transfixação do músculo iliopsoas para se evitar a lesão dos vasos ilíacos circunflexos profundos. As lesões-alvo preferenciais são as localizadas medialmente ao músculo iliopsoas, como linfonodomegalias nas cadeias ilíacas profundas e obturatórias. A principal vantagem deste acesso é a segurança de sua execução, uma vez que a agulha avança lateralmente à borda óssea ilíaca, sem riscos de lesões viscerais ao longo de seu trajeto. Dessa maneira, agulhas de maior calibre podem ser empregadas (16 G e 18 G), permitindo coletas de amostras mais representativas. Outro aspecto vantajoso é o posicionamento confortável do paciente em decúbito dorsal, o que é bastante favorável para doentes obesos, com colostomia ou incisões/feridas na parede anterior do abdome. Um risco potencial deste acesso é a lesão do nervo femoral, situado entre os ventres musculares do ilíaco e do psoas. No entanto, em nossa experiência com cerca de 15 casos, nunca observamos complicação semelhante. A desvantagem desta via de acesso é que o procedimento costuma ser mais doloroso quando comparado ao acesso transabdominal, exigindo analgesia ou sedação mais profundas. Realizamos biópsia de lesão pélvica profunda transfixando o músculo iliopsoas por meio de agulhas coaxiais (que permitem coleta de diversos fragmentos pelo mesmo acesso), evitando contato com estruturas vasculares (Figuras 5 e 6).
ACESSO TRANSGLÚTEO Neste procedimento o paciente geralmente é posicionado em decúbito ventral ou em decúbito lateral. Esta técnica também é denominada de transciática, pois a agulha irá passar pelo forame isquiático maior (Figura 2). Quando possível, a agulha irá transfixar o ligamento sacroespinhoso, localizado abaixo do nível do músculo piriforme, para evitar a lesão dos vasos glúteos e do plexo sacral que estão localizados anteriormente ao músculo. As lesões elegíveis para o emprego desta técnica são as posteriores à bexiga urinária e massas anexiais (Figuras 7 e 8). Este acesso tem as vantagens de evitar a transfixação do peritônio, minimizar riscos de lesões ao intestino, bexiga e vasos ilíacos, e permitir acesso estável à agulha que irá transfixar uma massa muscular estática, isenta dos movimentos respiratórios da parede abdominal. A desvantagem recai no posicionamento pouco confortável do decúbito ventral, trazendo mais dificuldades à ventilação e manejo anestésico.
ACESSOS TRANSVAGINAL E TRANSRETAL Estas técnicas são simples e seguras e, freqüentemente, representam a única via de acesso para algumas doenças pélvicas. A aspiração de massas císticas e a biópsia de massas sólidas podem facilmente ser executadas por via transvaginal ou por via transretal utilizando-se um transdutor endocavitário e um guia de biópsia (Figuras 9, 10, 11 e 12). A maior vantagem é a facilidade de execução por orifícios naturais da pelve, constituindo acesso bastante valioso na abordagem de lesões situadas no fundo de saco, bem como na região anexial e prostática. Por se tratar de um procedimento semi-estéril ou mesmo contaminado (via transretal), cuidados adicionais devem ser tomados com relação ao preparo do paciente. Recomendamos a antissepsia da cavidade vaginal e retal com iodopovidona, além da realização de fleet-enema em procedimentos transretais. É mandatória a introdução de antibioticoterapia profilática intravenosa (cefoxitina 1 g ou clindamicina 1g + gentamicina 80 mg + ampicilina 1g), podendo-se ainda manter ao longo de cinco dias uma dose de 300 mg de clindamicina a cada seis horas(5). As coleções e os cistos devem ser aspirados por completo, de modo a evitar superinfecções por flora retovaginal(5). A via de acesso transvaginal permite, ainda, a colocação de drenos, nos casos de abscessos tubo-ovarianos, abscessos pós-operatórios e complicações de afecções intestinais (doença de Crohn, apendicite ou diverticulite).
COMPLICAÇÕES As complicações sérias desses métodos são extremamente raras. As principais complicações são reações vasovagais, dor, sangramento local e infecção. A maioria dos hematomas encontrados no trajeto da agulha é reabsorvida espontaneamente. A familiaridade com a anatomia pélvica e a avaliação laboratorial no pré-procedimento para excluir pacientes com alto risco de sangramento reduzem a possibilidade de sangramentos significativos. A transfixação do músculo piriforme na via transglútea pode causar irritação do plexo sacral e do nervo ciático, que geralmente regride em 24 horas.
CONCLUSÕES O conhecimento da anatomia pélvica facilita a escolha adequada das vias de acesso para a realização de procedimentos intervencionistas guiados por US ou por TC, aumentando sua eficácia. A familiaridade com materiais e técnicas intervencionistas percutâneas, aliada à avaliação dos fatores de risco, reduzem o aparecimento de complicações.
REFERÊNCIAS 1. Gupta S, Nguyen HL, Morello FA Jr, et al. Various approaches for CT-guided percutaneous biopsy of deep pelvic lesions: anatomic and technical considerations. Radiographics. 2004;24:175-89. [ ] 2. McDowell R, Mueller P. Pelvic fluid collections: anatomy for interventional procedures. Semin Intervent Radiol. 1995;12:177-90. [ ] 3. Higgins J, Letourneau J. Percutaneous biopsy of abdominal masses. In: Casteñeda-Zuniga W, editor. Interventional radiology. Philadelphia: Williams & Wilkins; 1997. p. 1691-718. [ ] 4. Schweiger GD, Yip VY, Brown BP. CT fluoroscopic guidance for percutaneous needle placement into abdominopelvic lesions with difficult access routes. Abdom Imaging. 2000;25:633-7. [ ] 5. O'Neill MJ, Rafferty EA, Lee SI, et al. Transvaginal interventional procedures: aspiration, biopsy, and catheter drainage. Radiographics. 2001;21:657-72. [ ] 6. Harisinghani MG, Gervais DA, Hahn PF, et al. CT-guided transgluteal drainage of deep pelvic abscesses: indications, technique, procedure-related complications, and clinical outcome. Radiographics. 2002;22:1353-67. [ ] 7. Harisinghani MG, Gervais DA, Maher MM, et al. Transgluteal approach for percutaneous drainage of deep pelvic abscesses: 154 cases. Radiology. 2003;228:701-5. [ ] 8. Ryan RS, McGrath FP, Haslam PJ, et al. Ultrasound-guided endocavitary drainage of pelvic abscesses: technique, results and complications. Clin Radiol. 2003;58:75-9. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 26/2/2008. Aceito, após revisão, em 10/6/2008.
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia e Procedimentos Guiados por Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil. |