ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Clarissa Aguiar de Macedo, Marcos Eduardo da Silva Baena, Kiyomi Kato Uezumi, Cláudio Campi de Castro, Cláudio Luiz Lucarelli, Giovanni Guido Cerri |
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Descritores: Mediastinite aguda, Infecção pós-cirúrgica, Mediastinite |
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Resumo: VDoutor, Médico Assistente e Diretor do Centro de Diagnósticos do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil
INTRODUÇÃO Mediastinite pós-cirurgias torácicas é definida como a infecção dos órgãos e tecidos do espaço mediastinal, o que ocorre em 0,4% a 5% dos casos, de acordo com a literatura dos últimos anos(13). É de suma importância seu diagnóstico precoce, em razão da sua alta morbidade e mortalidade, esta última oscilando entre 14% e 47%(4,5). A gravidade da infecção pós-operatória varia desde infecção de tecidos superficiais da parede torácica até mediastinite fulminante com envolvimento esternal (deiscência do esterno e osteomielite)(5). Estudos mostraram haver fatores de risco que contribuíam para a ocorrência da mediastinite, como idade avançada, sexo masculino, obesidade, hipertensão, dislipidemia, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirurgia prolongada, uso de duas artérias mamárias para ponte coronariana, tempo hospitalar prolongado, reoperação para controle de sangramento e necessidade de múltiplas transfusões sanguíneas(2,3,5). Os exames de tomografia realizados até o 15º dia da cirurgia apresentam baixa especificidade, em razão do curto tempo pós-operatório(6). Dessa forma, fica mais difícil diferenciar os achados patológicos daqueles normalmente esperados nos pós-operatórios desses tipos de cirurgias. Sintomas como febre e dor torácica, comuns após o trauma cirúrgico, podem ser causados por outros fatores, os quais motivam a realização do exame tomográfico para pesquisa de mediastinite. O quadro clínico é de grande importância quando há suspeita de mediastinite precoce. O método pode não ser conclusivo nas primeiras duas semanas após o procedimento cirúrgico. Na nossa instituição, o diagnóstico de mediastinite pós-cirúrgica é baseado nos sinais e sintomas associados aos achados de imagem de tomografia computadorizada (TC) e no resultado da cultura da secreção da ferida operatória. Os sintomas que sugerem o diagnóstico dessa entidade são: febre persistente após quatro dias da cirurgia, condição tóxica sistêmica e leucocitose (sepse), dor e instabilidade esternal e drenagem espontânea de secreção purulenta pela ferida operatória(1,79). Este estudo foi desenvolvido com base na avaliação de 22 pacientes encaminhados com suspeita clínica de mediastinite aguda pós-esternotomia, para esclarecimento diagnóstico e programação de terapêutica intervencionista precoce. Treze pacientes foram submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica e nove, a cirurgia de troca valvar. Os exames foram realizados em aparelhos tomográficos multislice com 16 canais modelo MX 8000 (Philips Medical Systems; Eindhoven, Holanda) e 64 canais modelo Aquillion (Toshiba Medical Systems; Tóquio, Japão), sendo realizados cortes axiais com espessura de 0,75 mm e 0,5 mm, respectivamente, 120 kV, e mAs calculada automaticamente. Foram realizadas reconstruções multiplanares com cortes grossos a cada 7 mm de espessura e demonstradas janelas para mediastino e osso. A utilização do meio de contraste intravenoso foi realizada de acordo com a gravidade do quadro clínico do paciente, tendo sido contra-indicada em alguns casos.
ACHADOS TOMOGRÁFICOS NA MEDIASTINITE AGUDA O critério diagnóstico da TC para mediastinite aguda pós-cirúrgica é a presença de coleção líquida no mediastino, que pode estar associada ou não a anormalidades periesternais como edema/densificação de partes moles, separação dos segmentos esternais com reabsorção óssea marginal, esclerose e osteomielite(1012). Outros achados associados incluem linfonodomegalias, derrame pleural e pericárdico, enfisema subcutâneo e consolidações pulmonares(12). Pequenas coleções e gás mediastinais podem normalmente ocorrer em pós-operatório recente de cirurgias torácicas sem a presença de infecções, limitando a eficácia da TC nas duas primeiras semanas seguintes da operação(10). Após esse período, a TC alcança quase 100% de sensibilidade e especificidade(10). Coleções mediastinais com densidades menores ou iguais a 20 UH são indicativas de conteúdo líquido. Entretanto, densidades mais altas que sugiram a presença de sangue não excluem a existência de infecção concomitante. Neste obtivemos níveis de densidade mais altos em cirurgias de troca valvar, o que é compatível com o procedimento de abertura do miocárdio para acesso à válvula, gerando maior sangramento do que a cirurgia de revascularização miocárdica. A maioria dos pacientes que realizaram TC com suspeita de mediastinite após o 15º dia de pós-operatório apresentava coleção mediastinal ou alterações esternais como separação dos segmentos, reabsorção óssea marginal, esclerose e sinais de destruição parcial (Figura 1).
INDICAÇÕES DA TC E VANTAGENS DA TC MULTISLICE NO DIAGNÓSTICO E SEGUIMENTO EVOLUTIVO DA MEDIASTINITE Pacientes com suspeita clínica de mediastinite ou infecção da ferida operatória devem ser submetidos a exame de TC para pesquisa de coleções mediastinais, densificação/edema de tecidos moles adjacentes e extensão da doença. Nos casos de drenagem espontânea de secreção pela ferida operatória, a TC assume papel importante na identificação da origem superficial ou profunda da coleção, além de definir a sua natureza. Todavia, na nossa instituição não realizamos de rotina a drenagem percutânea diagnóstica, devido à gravidade desses pacientes. Em casos selecionados, a drenagem percutânea guiada por tomografia para realização de cultura é necessária. A versão multislice propicia recursos de reconstruções em diversos planos e janelas, contribuindo especialmente para o estudo do esterno. A utilização de reconstruções como MPR e linha curva tem grande valor na visualização dessa estrutura. O plano sagital ajuda a reconhecer a extensão da doença, além de caracterizar a comunicação dos compartimentos mediastinal e parietal. Dessa forma, a drenagem espontânea da coleção pode ser prevista. No tratamento clínico, após a introdução de antibioticoterapia, a tomografia é útil no seguimento em médio e longo prazos, além da confirmação da resolução do quadro inflamatório. Após a cirurgia de desbridamento, é importante o acompanhamento tomográfico para identificar material residual e possível recidiva(13). Dos 22 pacientes avaliados com suspeita clínica de mediastinite, a tomografia identificou coleção mediastinal em 19 deles (86,3%), sendo que em 10 as coleções tinham gás no interior e em 12 (63%) havia também alterações esternais como deiscência dos segmentos, erosão óssea marginal, esclerose e sinais de destruição parcial do esterno (Figuras 2 e 3). Dois pacientes tiveram diagnóstico de osteomielite esternal decorrente de destruição óssea e coleção adjacente infectada (Figura 4). Dos três pacientes que a TC não identificou coleção mediastinal, dois tinham borramento dos planos gordurosos e o outro apresentava uma formação pré-esternal compatível com abscesso da ferida operatória (Figura 5).
Foi feita cultura de secreção de 14 pacientes, o que não ocorreu nos outros cinco por causa da pouca quantidade de secreção drenada espontaneamente pela ferida operatória e gravidade do paciente, impossibilitando a drenagem percutânea, pois estes tinham menos de 15 dias da cirurgia. Onze (78,5%) pacientes tiveram cultura positiva e três (21,4%), negativa. As culturas tiveram resultados multibacterianos, identificando-se Staphyloccocus aureus em 66%. O tempo de intervalo entre a cirurgia e a tomografia foi maior que 15 dias em 11 (50%) pacientes. Dos outros pacientes que tinham menos que 15 dias da cirurgia, três tiveram cultura positiva, dois tiveram cultura negativa e cinco não fizeram cultura por causa da pouca secreção drenada. Dos pacientes que tiveram cultura positiva (11 casos), as medidas da densidade da coleção mediastinal pela TC variaram de modo que sete (63%) tinham densidade maior que 20 UH e apenas três (27%) estavam em período de até o 15º dia de pós-operatório. Foram obtidas maiores medidas de densidades das coleções nos pacientes que se submeteram a troca valvar, o que ocorreu em 77% desses casos.
DISCUSSÃO Nos pacientes em período pós-operatório de cirurgias torácicas com quadro clínico sugestivo de mediastinite, a TC é de grande valor na detecção da presença de coleção e de suas características, incluindo a presença de gás e sinais de destruição esternal que possam indicar osteomielite(6). É capaz de diferenciar se a entidade inflamatória se encontra no mediastino ou na parede torácica anterior e, ainda, se existe abscesso drenável ou processo inflamatório difuso. A versão multislice proporciona recursos de reconstruções em diversos planos e janelas, contribuindo especialmente no estudo do esterno. A osteomielite esternal representa uma dificuldade diagnóstica para o radiologista, uma vez que o esterno é uma estrutura anatômica complexa, e associando-se ao trauma cirúrgico torna-se difícil concluir um diagnóstico definitivo. Achados de imagem de deiscência esternal com erosão e esclerose das margens dos segmentos e ainda sinais de destruição óssea são considerados sugestivos de osteomielite, principalmente se correlacionados com sinais clínicos e presença de coleção adjacente infectada. Coleções mediastinais com densidade menor ou igual a 20 UH são indicativas de conteúdo líquido, no entanto, densidades maiores, sugestivas da presença de sangue, não excluem a existência de infecção concomitante. No presente estudo foram obtidos maiores índices de coleções com altas densidades nas cirurgias de troca valvar, o que é compatível com o procedimento de abertura do miocárdio para acesso valvar, provocando maiores sangramentos que as cirurgias de revascularização miocárdica (Figura 6).
A cultura realizada da secreção drenada espontaneamente pela ferida operatória confere à TC papel importante na identificação da origem da coleção, se profunda ou superficial/parietal. Em nossa instituição não é realizada drenagem percutânea diagnóstica de rotina, em razão da gravidade desses pacientes. Os exames de tomografia realizados até o 15º dia da cirurgia perdem em especificidade, por causa do curto tempo, dificultando, dessa forma, a diferenciação dos achados patológicos daqueles esperados normalmente no pós-operatório de cirurgias torácicas. Sinais como febre, que pode surgir em conseqüência de outras causas, assim como dor torácica, que é comum ocorrer pelo trauma cirúrgico, determinam freqüentemente que se realize TC nos pacientes em pós-operatório, para pesquisa de mediastinite. O quadro clínico deve ser especialmente valorizado na suspeita de mediastinite precoce. O método poderá, por vezes, não ser conclusivo nas primeiras duas semanas após a cirurgia. Apenas 27% dos pacientes que tiveram cultura positiva estavam nessa categoria, sugerindo que a grande maioria dos pacientes apresentará quadros mais exuberantes apenas após esse período. A presença de gás no mediastino deve ser avaliada criteriosamente. A hipótese que sugere infecção por organismos produtores de gás pode ser imprópria, levando em consideração a ocorrência da comunicação do mediastino com o meio externo nesses procedimentos cirúrgicos.
CONCLUSÃO A TC de multidetectores é método de grande valor no diagnóstico e seguimento evolutivo da mediastinite aguda pós-cirúrgica, principalmente quando seus resultados são associados ao quadro clínico do paciente e tempo de evolução da doença. Tem plena contribuição no diagnóstico definitivo após as primeiras duas semanas do procedimento cirúrgico e é capaz de localizar precisamente a coleção, determinar sua natureza e identificar outras alterações associadas com o processo inflamatório.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 17/9/2007. Aceito, após revisão, em 8/1/2008.
* Trabalho realizado no Centro de Diagnóstico por Imagem do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. |