RELATO DE CASO
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Autho(rs): Alexandra Maria Vieira Monteiro, Cláudio Márcio Amaral de Oliveira Lima, Érica Barreiros Ribeiro, Fernanda Camurati de Oliveira, Silvia Miranda, Luiz Eduardo Miranda |
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Descritores: Cérebro, Recém-natos, Hemorragia atípica, Hemorragia na fossa posterior, Ultrassonografia, Imagem por ressonância magnética |
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Resumo: VMédico Neonatologista, Chefe da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal da Casa de Saúde São José (CSSJ-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
INTRODUÇÃO As doenças cerebrovasculares representam importante causa de injúria cerebral em neonatos(1). A localização e a etiologia da hemorragia no cérebro de recém-nascidos já são bem conhecidas e descritas na literatura(2). No entanto, o entendimento da etiologia da hemorragia em localização atípica ainda não foi bem estabelecido. Segundo a literatura, a localização das lesões hipóxicas do recém-nascido tende a acompanhar a sua circulação fisiológica, sendo predominantemente hemorrágicas no prematuro e localizadas na matriz germinativa e regiões peri e/ou intraventricular, pela distribuição ventrículo-petal(2), e no recém-nascido a termo, predominantemente isquêmicas e localizadas nos núcleos da base e regiões córtico-subcorticais, pela circulação ventrículo-fugal(2). A fisiopatologia das lesões hipóxicas no período neonatal decorre, em geral, da perda da autorregulação cerebral com consequente dano cerebral de aspecto e graus distintos, em acordo com o grau de desenvolvimento do sistema vascular cerebral nas diferentes idades gestacionais(3). O uso dos métodos de imagem, nesta faixa etária, tem propiciado o diagnóstico precoce e preciso de lesões, destacando-se a ultrassonografia transfontanela (USTF), por apresentar vantagens diferenciadas, quando comparada aos demais exames, por exemplo, e por ser método não invasivo, reprodutível, de fácil transporte e sem a necessidade de sedação(4). Outrossim, a ressonância magnética (RM) é, sem dúvida, o método padrão ouro para o diagnóstico, porém, a necessidade de sedação e a permanência em ambientes refrigerados restringem, ainda, seu uso frequente neste grupo etário(5,6). O objetivo deste estudo foi, mediante considerações acerca de dois casos de apresentação atípica de hemorragia em recém-nascidos, em uma população internada em uma unidade de terapia intensiva neonatal, correlacionar os achados da USTF com a RM, a localização da hemorragia com as manifestações clínicas, descrever os possíveis fatores etiológicos e a evolução neurológica até o presente momento.
RELATO DOS CASOS No período de março de 2004 a abril de 2007 foram internados e submetidos a ultrassonografia (US) 777 recém-nascidos, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal da Casa de Saúde São José, no município do Rio de Janeiro. Destes, dois foram diagnosticados por meio de USTF como apresentações de localização atípica de hemorragia no cérebro e posteriormente confirmados pela RM, considerado método padrão ouro para o diagnóstico. Caso 1 - Recém-nascido do sexo feminino, prematuro, trigemelar, de baixo peso (1.470 g), grupo sanguíneo AB, fator Rh positivo, bolsa rota no ato, Apgar 3/6. Foi reanimado com ventilação por pressão positiva sob tubo orotraqueal. Em razão de bilirrubina total máxima de 14,5 mg/dl, ficou em fototerapia por oito dias. Apresentou doença da membrana hialina, sendo feita uma dose de surfactante nas primeiras horas de vida. Teve alta da UTI após 31 dias de internação, com ganho ponderal de 790 g (peso de 2.260 g). Realizou-se ecocardiograma no primeiro dia de vida, que evidenciou forame oval patente e persistência do canal arterial sem repercussão clínica significativa, e hipertensão arterial pulmonar leve. USTF, realizada com dois dias de vida, evidenciou dilatação ventricular supratentorial simétrica e bilateral e lesão hiperecogênica no hemisfério cerebelar direito medindo 2,7 × 2,1 cm, e RM do crânio, realizada aos 29 dias de vida, identificou o hematoma no hemisfério cerebelar direito e na porção póstero-inferior do hemisfério cerebelar esquerdo, sem dilatação do sistema ventricular (Figura 1). Angiorressonância (angio-RM) foi normal. Caso 2 - Recém-nascido do sexo masculino, a termo, peso ao nascer de 2.145 g, grupo sanguíneo B, fator Rh positivo, parto normal com bolsa rota no ato com 37 semanas, Apgar 6/8, reanimado com ventilação por pressão positiva sob máscara. Retardo de crescimento intrauterino e policitemia sintomática precoce. Internação na UTI por hipoglicemia. Evoluiu com abalos e hipoglicemia (glicemia de 26 mg/dl), com melhora dos abalos após a correção da hipoglicemia. Realizou-se exossanguíneo transfusão parcial por cateter umbilical venoso. Realizou-se ecocardiograma um dia após o nascimento, que diagnosticou persistência do canal arterial pequena com fluxo diastólico. Tempo de internação de 10 dias. Realizaram-se USTF no quinto dia de vida, que evidenciou imagem ecogênica com centro hipoecoico medindo cerca de 2,0 cm no lobo occipital esquerdo, e RM do crânio com angio-RM no oitavo dia de vida, que identificou hematoma, com pequeno nível líquido, no lobo occipital esquerdo (Figura 2).
DISCUSSÃO Em acordo com a literatura, verificamos baixa frequência, exatamente 0,25% de casos, de localização atípica de hemorragias no cérebro de recém-nascidos. Ghazi-Birry et al.(4) fundamentam que esta localização pode ser explicada pela presença de matriz germinativa não apenas na região caudotalâmica, mas também em outras regiões como no corno occipital e temporal dos ventrículos laterais, e na região cerebelar infratentorial. A matriz germinativa, nestas localizações, raramente dá origem a sangramentos após 32 semanas de gestação, pois, praticamente, já desapareceu. Nos casos atípicos, admite-se que ocorra a persistência desta matriz, aumentando, portanto, a incidência de sangramentos(2). As hemorragias intracranianas são frequentes no recém-nascido prematuro, sendo a enfermidade com a maior prevalência nesta faixa etária(7), podendo afetar até 40% daqueles com idade gestacional abaixo de 32 semanas e peso inferior a 1.500 g(5). Por outro lado, são menos frequentes em recém-nascidos a termo, com prevalência de 26% nos assintomáticos após parto vaginal(8). Essas hemorragias estão comumente associadas a apneia, bradicardia e convulsões, e vários fatores estão relacionados com o aumento do risco, principalmente as complicações periparto, como parto prolongado, uso de fórceps e peso fetal(8). No presente estudo não foi possível o isolamento de um fator propriamente dito, como o descrito por outros autores(1,3,7,8), identificando-se fatores como tocotraumatismo, hipoxemia, hipoglicemia, doença da membrana hialina e prematuridade, entre outros. Moura-Ribeiro et al.(9) relatam que a maioria das doenças cerebrovasculares, neste grupo etário, se apresenta com crises convulsivas, às vezes severas, em torno de 24 a 48 horas após o nascimento, inclusive com índice de Apgar geralmente normal, podendo evoluir em dias para hemiparesia, hipotonia, assimetria do tônus, sonolência ou irritabilidade e, ainda, dificuldade de sucção(1), diferentemente do que foi observado em nosso estudo, em que um recém-nascido (caso 2) apresentou inicialmente abalos, provavelmente decorrentes da hipoglicemia. Campos-Castelló et al.(3) referem, também, a presença de hidrocefalia, que pode variar de acordo com a extensão e a velocidade de instalação do sangramento. No presente caso de apresentação no cerebelo (caso 1), identificamos a associação com hidrocefalia transitória, com resolução espontânea confirmada por RM. Quanto ao diagnóstico por imagem, vários autores(2,6,9,10) concordam que a USTF deve ser o método inicial de avaliação do cérebro do recém-nascido. No que tange à localização no cerebelo, a maioria dos achados foi unilateral (71%), com predominância para o hemisfério direito (64% à direita versus 36% à esquerda), em acordo aos nossos resultados. Outros autores(4,10) relatam, ainda, a persistência, em média, das lesões à US por quatro a seis semanas. É consenso que a RM é o método padrão ouro para o diagnóstico de lesão cerebral(6,8), inclusive, com a assertiva da possibilidade do estudo por RM funcional para estratificar os recém-nascidos com maior risco de dano neurológico, principalmente se há a associação com fatores de risco, tais como US com presença de hemorragia intraventricular ao nascimento, entre outros(10). A evolução das hemorragias cerebelares, em geral, cursa com hidrocefalia ou síndromes atáxicas, ou ainda, atraso no desenvolvimento cognitivo, com atrofia cerebelar na maioria dos pacientes que sobrevivem(3). No presente estudo, os pacientes ainda apresentam baixa idade, o que ainda não possibilita a avaliação neurológica definitiva.
CONCLUSÃO A USTF foi diagnóstica para a hemorragia cerebral do recém-nascido de apresentação atípica, quando comparada à RM. A apresentação clínica foi silenciosa e a evolução neurológica, até o presente momento, satisfatória, entretanto, esta avaliação é limitada em razão da baixa idade das crianças.
REFERÊNCIAS 1. Moura-Ribeiro MVL, Pessoto MA, Marba STM. Cerebrovascular disease in neonates: evaluation of four cases. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57:84-7. [ ] 2. Kaske TI, Rumack CM, Harlow CL. Imagens do cérebro de neonatos e crianças. In: Rumack CM, Wilson SR, Charboneau JW, editores. Tratado de ultra-sonografia diagnóstica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. p. 1250-7. [ ] 3. Campos-Castelló J, Canelón de López MS, Santiago-Gómez R. Accidentes vasculares isquémicos y hemorrágicos cerebrales del recién nacido a término. Protocolo de estudio y orientaciones terapeuticas. Rev Neurol. 2000;31:632-44. [ ] 4. Ghazi-Birry HS, Brown WR, Moody DM, et al. Human germinal matrix: venous origin of hemorrhage and vascular characteristics. AJNR Am J Neuroradiol. 1997;18:219-29. [ ] 5. Antoniuk S, Silva RVC. Hemorragia periventricular e intraventricular de recién nacidos prematuros. Rev Neurol. 2000;31:238-43. [ ] 6. Miller SP, Cozzio CC, Goldstein RB, et al. Comparing the diagnosis of white matter injury in premature newborns with serial MR imaging and transfontanel ultrasonography findings. AJNR Am J Neuroradiol. 2003;24:1661-9. [ ] 7. Farage L, Assis MC. Achados ultra-sonográficos da hemorragia intracraniana em recém-nascidos prematuros. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63:814-6. [ ] 8. Looney CB, Smith JK, Merck LH, et al. Intracranial hemorrhage in asymptomatic neonates: prevalence on MR images and relationship to obstetric and neonatal risk factors. Radiology. 2007;242:535-41. [ ] 9. Moura-Ribeiro MVL, Ciasca SM, Vale-Cavalcanti M, et al. Cerebrovascular disease in newborn infants: report of three cases with clinical follow-up and brain SPECT imaging. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57:1005-10. [ ] 10. Monteiro AMV, Marchiori E, Lopes JMA. O Doppler colorido na avaliação do fluxo arterial cerebral em recém-natos normais. Influência da sucção ao seio materno. Radiol Bras. 1999;32:11-9. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 7/5/2008.
* Trabalho realizado na Casa de Saúde São José (CSSJ-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |