Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 42 nº 5 - Set. / Out.  of 2009

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 315 to 319



Avaliação do kerma no ar na superfície de entrada e da qualidade da imagem em radiografias de tórax

Autho(rs): Angelo Bernardo Brasil de Souza, Simone Kodlulovich Dias, Fernando Mecca Augusto, Winston Andrade Marques

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Texto em Português English Text

Descritores: Níveis de referência, Otimização, Qualidade, Técnicas radiográficas

Keywords: Reference levels, Optimization, Quality, Radiographic techniques

Resumo:
OBJETIVO: Avaliar os fatores de técnica utilizados durante exames de tórax póstero-anterior em pacientes-padrão e correlacioná-los aos valores de kerma no ar na superfície de entrada e à qualidade das imagens clínicas. MATERIAIS E MÉTODOS: O estudo foi realizado em três hospitais do Rio de Janeiro, num total de cinco salas de raios X, com dez pacientes por sala. As imagens foram avaliadas pelos radiologistas dos serviços segundo o protocolo europeu. O kerma no ar na superfície de entrada foi estimado a partir da curva de rendimento do equipamento de raios X, que foi obtida utilizando câmara de ionização acoplada a um eletrômetro. Análise de variância foi realizada para verificar se a diferença entre os valores de kerma no ar na superfície de entrada é significativa. RESULTADOS: Os valores de kerma no ar na superfície de entrada variaram entre 0,05 e 0,26 mGy, com média 60% inferior ao nível de referência publicado na Portaria 453. Das imagens avaliadas, 98% atenderam acima de 65% dos critérios de qualidade. CONCLUSÃO: Para um padrão de qualidade da imagem, aceitável para o diagnóstico, verificou-se ampla variação do kerma no ar na superfície de entrada para pacientes-padrão. Isto demonstra a falta de padronização dos fatores de técnica e a existência de um potencial de redução do valor do kerma no ar na superfície de entrada.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate technical factors involved in posteroanterior chest radiography in standard patients, and correlating them with entrance surface air kerma rate and with the clinical images quality. MATERIALS AND METHODS: The present study was developed at three hospitals in Rio de Janeiro, Brazil, involving a total of five x-ray rooms, with ten patients per room. The images were evaluated by the radiologists of the institutions, in accordance with the European protocol. The estimation of surface entrance air kerma rate was based on the x-ray equipment output curve obtained with an ionization chamber coupled with an electrometer. Variance analysis was performed to evaluate the significance of the difference between entrance surface air kerma rates. RESULTS: Entrance surface air kerma rates ranged between 0.05 and 0.26 mGy, with a mean value 60% lower than the reference level established by the Order (Portaria) 453. Among the images evaluated, 98% fulfilled > 65% of the images quality criteria. CONCLUSION: For a standard image quality that is acceptable for diagnosis purposes, a significant variation was observed in the entrance surface air kerma rate for standard patients, demonstrating the lack of technical factors standardization and a potential for decreasing the entrance surface air kerma rate.

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A dose absorvida pelo paciente em radiologia convencional é baixa, comparada com outras práticas médicas que utilizam radiação ionizante, entretanto, sabe-se que de todas as fontes artificiais é a que mais contribui para a dose coletiva(1). Muitos exames radiológicos são realizados sem prévia avaliação de técnicas alternativas de diagnóstico. Nos últimos anos, diversos estudos indicaram diferenças de dose superiores a duas ordens de magnitude para um mesmo tipo de exame radiológico, demonstrando que reduções significativas na dose recebida pelo paciente são possíveis nas exposições médicas sem prejudicar o diagnóstico(2,3). Esses resultados evidenciam a necessidade de reavaliar os procedimentos para que a dose seja reduzida sem comprometer a qualidade da imagem. Tal objetivo pode ser alcançado usando como referência valores de dose de radiação mínimos com os quais imagens de qualidade aceitável são obtidas. Estes valores foram definidos, inicialmente, nos anos 90 pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) com a colaboração da Comunidade Europeia (EC) e foram denominados níveis de referência(4,5).

No Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu, na Portaria 453(6), os níveis de referência baseados nos valores publicados no Basic Safety Standards (BSS)(7). As pesquisas em radiodiagnóstico no País são realizadas por pesquisadores de forma isolada, aplicando-se diferentes métodos(8–11). Para a determinação de níveis de referência nacionais, deve ser realizada uma pesquisa em grande escala no País, de forma coordenada e padronizada.

O objetivo deste trabalho é avaliar as técnicas empregadas nas radiografias de tórax póstero-anterior, o kerma no ar na superfície de entrada (ESAK – entrance skin air kerma) recebido por paciente e a qualidade das imagens resultantes, tendo como base os critérios de qualidade estabelecidos pela EC(5), em uma amostra de dez pacientes-padrão, conforme recomendado pela IAEA(4).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta pesquisa foi dividida nas seguintes etapas: obtenção das curvas de rendimento dos equipamentos de raios X, registro dos fatores de técnica (tensão, distância foco–filme e produto corrente-tempo), avaliação da qualidade das imagens, cálculo do ESAK e análise dos resultados.

O estudo foi realizado em três hospitais do município do Rio de Janeiro: hospital A, com três salas de raios X, todas utilizando equipamento Heliophos (Siemens; São Paulo, Brasil) e os hospitais B e C, com uma sala cada, utilizando os equipamentos de raios X modelo Compacto 500 (VMI; Minas Gerais, Brasil) e modelo RT 500/125 (Ray Tec; São Paulo, Brasil), respectivamente. Todos os equipamentos possuem filtração de 2,5 mmAl e todos os exames foram realizados com grade. Para cada sala, foram selecionados dez pacientes-padrão (1,60–1,80 m, 60–80 kg), de acordo com o recomendado no TECDOC 1423(4) da IAEA. Todos os hospitais envolvidos possuem um programa de garantia de qualidade realizada pelos respectivos físicos médicos, incluindo o controle de qualidade periódico das processadoras.

A curva de rendimento foi obtida utilizando o conjunto dosimétrico fabricado pela Radcal (Radcal Corp.; Monrovia, EUA), composto pela câmara de ionização 10X5-6 conectada ao conversor corrente--frequência 9060 e ao medidor 9015. A câmara de ionização foi posicionada sobre uma base de material não espalhador no centro do campo de radiação e a uma distância de 100 cm do ponto focal do equipamento de raios X. O colimador foi aberto até que o campo de radiação cobrisse totalmente o volume sensível da câmara de ionização, excedendo em no máximo 5 cm. A câmara de ionização foi mantida a uma distância de aproximadamente 15 cm da mesa, para minimizar o efeito da radiação espalhada. Mantendo o produto corrente-tempo fixo em 32 mAs, foram tomadas três leituras para cada valor de tensão entre 60 e 117 kVp. O rendimento foi determinado pela razão entre a média das leituras de kerma no ar obtidas para cada valor de tensão e o produto corrente-tempo utilizado. A incerteza referente ao equipamento utilizado nas medições é de 4% do valor das leituras. A curva de rendimento em função da tensão aplicada foi ajustada pela função exponencial mostrada na equação 1.

sendo: y o rendimento para uma tensão x e A; t e y0 os coeficientes de ajuste da curva exponencial, cujos valores variam para cada equipamento.

Nos hospitais foram utilizados formulários para aquisição das seguintes informações: data e sala onde o exame foi realizado; identificação do paciente para posterior acesso às imagens; peso e altura para verificar se o paciente pode ser considerado paciente-padrão(4); tensão aplicada no tubo; produto corrente-tempo; distância foco–paciente; distância foco–filme e o tipo de projeção. Cada paciente foi notificado do objetivo do trabalho antes de fornecer seus dados. A altura e o peso dos pacientes foram aferidos no momento da realização dos exames. Os fatores de técnica foram comparados aos seguintes valores recomendados pela EC(5): tensão de 125 kVp, distância foco–filme de 180 cm, considerando um intervalo de 140 a 200 cm aceitável, e tempo de exposição de no máximo 20 ms.

No hospital A, as imagens ficam arquivadas e foram avaliadas após o término da etapa de aquisição dos fatores de técnica e dos dados do paciente. Nos hospitais B e C, a qualidade da imagem era avaliada logo após o exame, pois as imagens eram liberadas para os pacientes após a emissão do laudo. Os critérios para avaliação da qualidade da imagem apresentados a seguir foram baseados nos publicados pela EC(5):

1) inspiração completa;

2) simetria torácica;

3) borda medial e escápulas fora do campo pulmonar;

4) visualização precisa do padrão vascular de todo o pulmão;

5) visualização precisa da traqueia;

6) visualização precisa dos brônquios principais;

7) visualização precisa das margens do coração e da aorta;

8) visualização precisa dos ângulos costofrênicos;

9) visualização precisa do diafragma.

Considerou-se de boa qualidade toda imagem que atendeu, no mínimo, 65% dos critérios. O ESAK foi estimado apenas para os exames cujas imagens atenderam a este requisito.

O cálculo do ESAK foi feito ao final de todas as etapas utilizando-se a equação 1 obtida a partir da curva de rendimento, e a equação 2 a seguir:

sendo: Ke o kerma no ar na superfície de entrada; Ki o kerma no ar incidente; B o fator de retroespalhamento; Y o rendimento do tubo definido pela equação 1; Pit o produto corrente-tempo utilizado durante os exames; dref a distância do foco até a câmara de ionização durante a obtenção da curva de rendimento; d a distância do foco até o paciente durante os exames.

Nas salas do hospital A foram obtidas três curvas de rendimento em diferentes datas. A curva referente à data mais próxima da realização do exame foi utilizada na estimativa do ESAK. Após estimados os valores de ESAK para cada paciente, foram calculados a média e os valores máximo e mínimo para cada sala. Foi calculado o terceiro quartil de todos os valores de ESAK, definindo um valor preliminar do nível de referência para exames de tórax póstero-anterior(2,3,12).

Foi feita análise de variância (ANOVA) para verificar se existe diferença significativa entre as curvas de rendimento e os valores de ESAK das salas. Utilizou-se o programa R(13) nas análises estatísticas.

 

RESULTADOS

As curvas de rendimento do hospital A são mostradas nas Figuras 1, 2 e 3. Os níveis de significância estatística (valores-p) obtidos após a realização da ANOVA para as salas A-1, A-2 e A-3, respectivamente, foram de 0,76, 0,82 e 0,9. Estes valores indicam, ao considerar nível de significância de 95% (valor-p de 0,05), que não é possível afirmar que as diferenças entre as curvas são estatisticamente significativas. Tal resultado indica que é possível considerar estáveis os equipamentos deste hospital.

 

 

 

 

 

 

A Figura 4 mostra os valores de tensão utilizados durante os exames realizados em todas as salas. Pode-se observar que todos os valores médios de tensão utilizados foram menores do que o recomendado pela EC(5). Com relação à diferença entre os valores mínimos e máximos, a maior variação de tensão utilizada nos exames foi verificada nas salas do hospital A, em especial a sala A-1, e na sala C. A sala A-3 possui uma variação menor do que as outras salas do hospital. Apesar de apresentar a menor variação nos valores de tensão, a sala B apresentou tensão média muito inferior ao recomendado(5).

 

 

Na Figura 5 pode ser observada a variação da distância foco–filme nas diferentes salas. Na sala A-1, a diferença entre o valor máximo e o mínimo foi de 34 cm. Na sala B utilizaram-se apenas 150 cm e 180 cm, e na sala C foi fixada a distância de 180 cm para todos os exames.

 

 

Os tempos de exposição utilizados em cada sala estão apresentados na Figura 6. A maior variação no tempo de exposição foi verificada na sala C. Nesta sala também foi verificado que os tempos de exposição utilizados nos exames foram mais longos do que nas demais salas e muito acima do valor recomendado. Na sala A-2, os exames foram realizados com tempos de exposição mais próximos aos recomendados(5). A sala B foi a única sala que manteve o tempo de exposição constante de 50 ms. Este valor é superior ao dobro do limite recomendado(5).

 

 

Foram avaliadas 55 imagens em todas as salas, e destas, 22% atenderam a 100% dos critérios, 76% foram consideradas úteis para o diagnóstico e 2% apresentaram percentuais de aceitação menores do que 65%. A Figura 7 mostra os percentuais de aceitação de cada um dos critérios. Os critérios 5 e 7 foram atendidos em todas as imagens. Tais critérios dependem do contraste da imagem, ou seja, dependem dos fatores de técnica usados durante o exame e o critério 5 é considerado crítico para a obtenção do diagnóstico. O critério 3 obteve o menor índice de aceitação, apresentando percentual de 40% na sala C. Este critério depende do posicionamento do paciente e não é considerado crítico para o diagnóstico.

 

 

Observando a Figura 8, verifica-se que em todas as salas os valores médios de ESAK foram menores do que o valor recomendado na Portaria 453 (0,3 mGy) para filmes de velocidade igual a 400(6). O valor do terceiro quartil, de 0,12 mGy, representa um valor piloto para o nível de referência para exames de tórax póstero-anterior nos hospitais onde a pesquisa foi realizada. A média do ESAK nas salas A-1 e C encontrou-se acima deste valor. A diferença entre estas médias e as demais é estatisticamente significativa e os valores-p podem ser vistos na Tabela 1. A maior variação nos valores de ESAK ocorreu na sala A-1 (0,06 a 0,23 mGy), na qual foram verificadas as maiores variações nos fatores de técnica. A sala B apresentou a menor variação nos valores de ESAK (0,05 a 0,09 mGy). O ESAK médio nesta sala foi de 0,06 mGy, sendo o menor constatado.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O longo período de aquisição de dados no hospital A fez com que se tornasse necessário obter curvas de rendimento mais atualizadas para verificar a estabilidade dos equipamentos. No entanto, a partir dos resultados da ANOVA verificou-se que a diferença entre os valores de rendimento não era significativa.

Com relação ao estudo dos fatores de técnica aplicados nos exames, verificou-se que a sala 1 do hospital A não apresenta uma padronização das técnicas radiográficas. Nesta sala foi observada a maior variação na tensão aplicada ao tubo e na distância foco–filme para pacientes com mesmas características físicas. Consequentemente, verificou-se uma variação dos valores de ESAK superior à constatada nas demais salas. Este fato pode ser decorrente da falta de estabelecimento de uma tabela de técnicas radiográficas específica para o equipamento e pelos exames serem realizados por diferentes técnicos.

Apesar de os hospitais B e C apresentarem técnicas mais padronizadas, os valores de tempo de exposição utilizados foram maiores que o valor recomendado pela EC(5). Dessa forma, verificou-se aumento no valor de ESAK, em especial na sala C. Deve-se observar que um tempo longo de exposição em exames de tórax compromete a qualidade da imagem, devido à borrosidade proveniente dos movimentos involuntários dos órgãos envolvidos no exame.

Apesar de as imagens atenderem os critérios de qualidade, foram verificadas variações de até 74% nos valores de ESAK. Este resultado evidencia o grande potencial de redução de dose. Apenas 22% do total de 55 imagens atenderam a 100% dos critérios de qualidade. No entanto, somente 2% das imagens não foram consideradas úteis para o diagnóstico.

 

CONCLUSÃO

A variação dos fatores de técnica resultou em variação no ESAK de até 74%, para imagens consideradas de boa qualidade. Este resultado indica que os pacientes estão sendo expostos desnecessariamente à radiação. Ademais, verificou-se grande potencial de redução de dose, que pode ser alcançado ao se estabelecer um padrão a ser seguido pelos técnicos dos serviços.

A implementação de padrões nos fatores de técnica é dificultada pela inexistência de programas de treinamento periódicos nos serviços. Para otimizar os procedimentos radiológicos, deve ser realizado um trabalho entre os técnicos, os físicos médicos e os radiologistas do serviço.

Agradecimentos

Os autores agradecem às instituições e aos físicos que participaram da pesquisa, aos radiologistas que realizaram as avaliações da qualidade das imagens e aos técnicos dos serviços que colaboraram com a obtenção dos fatores de técnica.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Dr. Angelo Bernardo Brasil de Souza
Rua Barão de Piracinunga, 15, ap. 102, bloco A, Tijuca
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 20521-170
E-mail: angelobrs@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 25/5/2009. Aceito, após revisão, em 14/8/2009.

 

 

* Trabalho realizado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria/Comissão Nacional de Energia Nuclear (IRD/CNEN), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


 
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