ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Erika da Gloria Antunes, Heron Werner Junior, Pedro Augusto Daltro, Leise Rodrigues, Bruno Amim, Fernando Guerra, Romeu Côrtes Domingues, Emerson Leandro Gasparetto |
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Descritores: Feto, Linfangioma, Higroma cístico, Ultrassonografia, Imagem por ressonância magnética fetal |
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Resumo: VMestrando do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Médico Estagiário da clínica Multi-Imagem, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
INTRODUÇÃO Os linfangiomas são malformações congênitas dos vasos linfáticos e constituem cerca de 5% a 6% de todas as lesões benignas da infância e adolescência(1,2). Ocorrem mais comumente na cabeça, pescoço ou axila, embora possam ocorrer em qualquer local do sistema linfático em desenvolvimento. Não têm predileção por raça ou sexo e são subdivididos em quatro tipos histológicos, dentre os quais o higroma cístico é o tipo mais comum(1,2). Embora essas lesões tenham tendência a circundar e, por vezes, invadir estruturas vizinhas, não têm potencial maligno(1). Quando achados isolados, apresentam bom prognóstico, devendo ser ressecados cirurgicamente na grande maioria das vezes. Porém, quando detectados intraútero, torna-se importante a realização do cariótipo fetal, pois as displasias linfáticas podem estar associadas a anormalidades cromossômicas(3). Nestes casos, o prognóstico é mais reservado, tornando o diagnóstico intraútero dos linfangiomas extremamente importante, para melhor orientação e tratamento destes pacientes. A ultrassonografia (US) é o primeiro método na avaliação fetal, por ser de baixo custo e pela capacidade de ser um exame em tempo real, de fácil realização e não invasivo(47). A maioria dos diagnósticos de linfangioma é feita no segundo e terceiro trimestres de gestação, sendo identificados como massas císticas, multisseptadas e de paredes finas, próximas à cabeça ou pescoço fetal(8). A ressonância magnética (RM) vem sendo utilizada como um importante complemento à US no diagnóstico de malformações fetais. Os avanços nas técnicas desta modalidade de imagem revolucionaram a avaliação da gestante e do feto, uma vez que as sequências tornaram-se mais rápidas, diminuindo os artefatos de movimentação fetal(9). O exame pode ser realizado sem a necessidade de sedação da mãe e permite uma excelente resolução da anatomia fetal(4). Nos casos de linfangiomas, determina com mais precisão a extensão da lesão e sua relação com as estruturas vizinhas, permitindo um planejamento cirúrgico mais adequado. A RM também é importante no diagnóstico diferencial desta doença, principalmente com encefalocele, mielomeningocele cervical, teratoma e hemangioma(8), que apresentam diferentes tratamentos e prognósticos. O objetivo deste estudo é relatar três casos de linfangiomas cervicais em fetos avaliados pela US e correlacionar os achados destes com as alterações à RM fetal.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram avaliadas três gestantes encaminhadas pelo Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, após o achado de massa cística cervical em exame ultrassonográfico obstétrico. As pacientes tinham 20 (gestante 1), 29 (gestante 2) e 34 anos (gestante 3), com idade média de 27 anos, e foram submetidas a exame de RM na semana seguinte à US, estando neste momento com idade gestacional de 24, 35 e 33 semanas, respectivamente (média de 30,6 semanas). Após a RM, nova US foi realizada com fins comparativos. Todas as pacientes foram informadas do procedimento e assinaram, previamente, termo de consentimento. Os exames de RM foram feitos em aparelho Magnetom Avanto de 1,5 T (Siemens; Erlangen, Alemanha), com as pacientes em decúbito dorsal ou lateral esquerdo, os pés entrando em primeiro no magneto e com bobina de superfície posicionada sobre seus abdomes. O tempo total do exame foi, em média, de 20 minutos, tendo sido realizadas sequências pesadas em T1 (tempo de repetição (TR) = 201 ms; tempo de eco (TE) = 4,72 ms; field of view (FOV) = 250400 mm; matriz = 256 × 90256) e T2 HASTE (half-Fourier acquired single shot turbo spin echo) (TR = 1.000 ms; TE = 8587 ms; FOV = 250380 mm; matriz = 256 × 112256) nos planos axial, coronal e sagital do feto, com cortes de 3,0 a 7,0 mm. Os exames ultrassonográficos foram realizados imediatamente após a RM, usando aparelhos Logic 500 e Voluson 730 (General Electric; Wisconsin, EUA) com transdutores de 3,5 MHz, 5,0 MHz e volumétricos (3D e 4D). Os resultados dos exames de RM foram avaliados de forma independente pelo radiologista que realizou a US de finalidade comparativa, e por um segundo radiologista, ambos com experiência em medicina fetal, com o objetivo de estudar a localização, as dimensões, o conteúdo e a extensão das lesões, procurando, em conjunto, estabelecer uma relação entre os achados dos dois métodos de imagem utilizados. As três pacientes tiveram acompanhamento pós-natal e as gestações chegaram ao fim por cesariana entre a 37ª e 38ª semanas. Os recém-natos (dois do sexo feminino e um masculino) foram submetidos à cirurgia logo após o nascimento, à exceção de um, que foi avaliado com nova RM após uma semana de vida, com a finalidade de se reestudar a extensão da lesão, confirmando os achados pré-natais. Todos os recém-natos foram submetidos com sucesso à cirurgia e tiveram o diagnóstico confirmado por avaliação histopatológica.
RESULTADOS Todas as lesões que foram suspeitas como sendo linfangiomas cervicais na US obstétrica foram confirmadas pela RM, que avaliou de forma semelhante ao exame anterior e à US realizada com fins comparativos a localização, as dimensões e o conteúdo das lesões. Todas se localizavam na região cervical posterior, sendo duas lateralizadas à esquerda no caso dos fetos 1 e 3 e, à direita, no caso do feto 2. As dimensões das lesões (lateral × transversal × ântero-posterior) eram de 6,0 × 2,5 × 4,0 cm, 4,5 × 2,5 × 6,5 cm e 11,0 × 2,0 × 5,0 cm, nos fetos 1, 2 e 3, respectivamente. Em relação ao conteúdo, na avaliação ultrassonográfica duas lesões eram predominantemente císticas com finos septos em seu interior (fetos 2 e 3) e uma era heterogênea (feto 1) (Figura 1). Na RM, duas lesões apresentavam sinal hipointenso em T1 e hiperintenso em T2, com finos septos hipointensos em ambas as sequências nos seus interiores (fetos 2 e 3), e uma mostrava-se heterogênea com predomínio de sinal hiperintenso em T2 (feto 1) (Figura 2).
A RM demonstrou, ainda, o acometimento do pavilhão auditivo no caso do feto 2 e a extensão intratorácica da lesão para o mediastino superior no caso do feto 1, que não haviam sido demonstrados à US. No caso do feto 3, de acordo com a solicitação do médico assistente, foi realizada uma segunda RM após uma semana de vida (Figura 2D). Não foi observado comprometimento de nenhuma outra estrutura pela lesão quando comparada com a RM realizada intraútero e US obstétrica. Nos três casos não foi observado acometimento das vias aéreas dos fetos, bem como nenhuma anomalia cromossômica associada, o que permitiu um planejamento cirúrgico seguro e bom prognóstico. Todas as três lesões foram ressecadas com sucesso, não ocasionando nenhum prejuízo à vida futura dos recém-natos (Figura 3).
DISCUSSÃO Os tumores fetais, embora incomuns, tratam-se de circunstâncias únicas no cuidado da paciente grávida e criam significativos dilemas médicos e éticos(1). O conhecimento dos tipos específicos de tumores e de suas características biológicas é necessário para um apropriado aconselhamento e cuidado dessas pacientes(1). Os linfangiomas são malformações congênitas dos vasos linfáticos que ocorrem devido a uma falha na drenagem do saco linfático primordial(1,3). Esta falha leva a um alargamento do canal linfático, sendo esta a teoria mais comum, a do higroma cístico. Existem outras teorias para a malformação dos linfangiomas, porém atentaremos para a descrita, pois esta corresponde ao higroma cístico, que forma a nossa casuística. São quatro os tipos histológicos conhecidos de linfangioma: higroma cístico, linfangioma cavernoso, linfangioma capilar ou simples e malformação vasculolinfática. Todos os tipos são compostos de canais linfáticos com revestimento endotelial separados por um estroma de tecido conjuntivo(1). A combinação desses quatro tipos histológicos pode ser encontrada com frequência em uma única lesão e a diferença entre eles se baseia meramente no tamanho dos espaços linfáticos e em sua composição(1). O higroma cístico é a forma mais comum e consiste em enormes dilatações císticas do espaço linfático, ocorre no espaço cervical posterior em 70% dos casos, e 63% são do lado esquerdo(13). Somente 5% se localizam abaixo do diafragma(3). Não têm predileção por sexo e ocorrem geralmente em crianças com menos de dois anos de idade(2). Têm natureza infiltrativa, habitualmente invadindo estruturas vizinhas(1,2), estendendo-se do triângulo cervical posterior até o assoalho da boca e língua na maioria dos casos, apresentando, em 10% dos casos, extensão para o mediastino superior(1). A maioria é assintomática e o tamanho das lesões é variável(2). Têm crescimento lento, porém, podem aumentar de tamanho rapidamente se houver hemorragia ou trauma(2). Massas muito grandes podem chegar a comprimir a via aérea e resultar em morte(1). Quando têm tamanho pequeno ou moderado, podem regredir com o decorrer da gestação(10). O correto diagnóstico intraútero é extremamente importante, pois embora os higromas císticos possam ser malformações isoladas (1), estão frequentemente associados a outras anomalias cromossômicas. As anomalias mais frequentes são a síndrome de Turner e a síndrome de Down(1,2,10), que devem ser imediatamente pesquisadas quando o diagnóstico for suspeito(8). O prognóstico é bom quando achado isoladamente e deve ser ressecado cirurgicamente. A US é o método de escolha no rastreio de malformações fetais(11). O higroma cístico apresenta-se, na maioria das vezes, como uma massa predominantemente cística, multilocular, com septos de espessura variada(2), raramente apresentando algum componente sólido(1). A porção mais ecogênica da lesão correlaciona-se com grupos de pequenos e anormais canais linfáticos(2). Nos três casos avaliados na presente série, as lesões tratavam-se de higromas císticos, sendo dois predominantemente císticos com finos septos em seu interior e um heterogêneo. Todas se localizavam na região cervical posterior, sendo duas lateralizadas à esquerda e uma à direita, com tamanho médio de 7,0 × 2,3 × 5,2 cm (lateral × transversal × ântero-posterior). A RM tem sido reconhecida como um método complementar útil à US, principalmente nos casos em que o resultado desta é indeterminado ou duvidoso(5,7,11,12). As vantagens inerentes a este método de imagem incluem a melhor capacidade de avaliação das partes moles, já que apresenta melhor contraste tecidual, além da obtenção de imagens multiplanares(11). Isto, portanto, o torna importante na avaliação da extensão das lesões, sendo, na maioria das vezes, melhor e mais completa a avaliação fetal quando realizada no plano sagital(9). A RM é segura na avaliação fetal após o primeiro trimestre de gestação(6,13) e fornece informações adicionais sobre a extensão dessas lesões, demonstrando se há ou não invasão de estruturas vizinhas(1315), permitindo um planejamento cirúrgico adequado e mais seguro para cada caso. O padrão mais comumente encontrado nos higromas císticos é o de massa com sinal isointenso ou hipointenso em T1, dependendo do conteúdo proteico do fluido linfático e hiperintenso em T2(1,2). Fluidos com alto conteúdo proteico apresentam sinal hiperintenso em T1(1). Pode-se encontrar nível líquido nos casos em que há hemorragia no interior da lesão(13). Em dois dos casos estudados a lesão apresentava sinal hipointenso em T1 e hiperintenso em T2, com finos septos em seu interior. No terceiro caso a lesão era heterogênea com predomínio do sinal hiperintenso em T2. A relação do higroma cístico com os tecidos moles do pescoço é mais bem demonstrada na RM(2). Este fato foi confirmado em nossos casos, em que a RM avaliou de forma mais precisa que a US a extensão das lesões, demonstrando a invasão das estruturas vizinhas, sendo observada extensão para o pavilhão auditivo do feto em um caso e para o mediastino superior em outro.
CONCLUSÃO Na presente série de três casos de linfangiomas cervicais, consideramos que a RM foi complementar à US, avaliando de forma semelhante a localização, as dimensões e o conteúdo das lesões. A RM revelou-se superior ao demonstrar corretamente e com maior precisão a extensão dos linfangiomas, permitindo o planejamento cirúrgico adequado para cada caso. Após a análise dos três casos de higromas císticos por US e RM, concluímos que a RM é uma importante aliada da US na avaliação das lesões fetais, por proporcionar boa caracterização da extensão e invasão das estruturas adjacentes pelo tumor, permitindo um planejamento cirúrgico adequado e, dessa forma, melhorando a qualidade de vida desses pacientes.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 3/11/2008. Aceito, após revisão, em 27/8/2009.
* Trabalho realizado nas clínicas Multi-Imagem e Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |