ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Carlos Eduardo Ferreira Novaes, Hilton Augusto Koch, Carlos Antônio Barbosa Montenegro, Jorge Fonte de Rezende Filho |
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Descritores: Ultrassonografia transvaginal, Parto pré-termo, Comprimento do colo uterino, Diagnóstico do parto pré-termo |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O parto pré-termo é a maior causa de mortalidade perinatal em todo o mundo, tornando-se grave problema de saúde pública, inclusive nos Estados Unidos, onde sua incidência ainda está em torno de 10%(1). Além disso, o parto pré-termo pode ser encarado como grande problema social, pois pode destruir o sonho de muitas famílias em constituir prole saudável. Também grande é o peso econômico sobre a assistência médica, tanto pública como privada, fruto de internações muitas vezes longas e, consequentemente, caras, que ainda podem terminar em grande frustração, se culminadas com a morte do recém-nascido. É também importante salientar que, em muitos casos, apesar do grande gasto financeiro, e das dedicações pessoal e médica, o parto pré-termo pode influenciar negativamente sobre a qualidade de vida e o desenvolvimento psicossocial das crianças(2). Diante da magnitude do tema, fica clara a necessidade de se tentar diminuir todos esses impactos negativos que envolvem o parto pré-termo. Várias são suas causas, como infecção intrauterina, gravidez gemelar, poli-hidramnia, insuficiência placentária, malformações uterinas, síndromes hemorrágicas, tabagismo, infecção urinária, dentre outras. Porém, apesar da longa lista causal, a prevenção tem-se mostrado ineficaz, pois já é comprovado que a tocólise oral não acarreta nenhuma influência terapêutica, e que a via venosa, quando eficaz, deve apenas ser utilizada com o objetivo de conseguir a correta e precisa administração de corticoides para promover a maturidade pulmonar fetal(3). Dessa forma, os estudos mais modernos têm-se concentrado nesse ponto, ou seja, tentar saber o momento certo para a administração de corticoides. A preocupação reside no fato de que são necessárias 48 horas para se obter o benefício esperado sobre o feto, quando de sua administração, e que esse benefício cessa em no máximo sete dias. Sabe-se que nenhum efeito é conseguido com administração posterior e/ou repetida de corticoides, como se pensava. Esse argumento torna a administração materna de corticoides arma muito poderosa, mas que só pode ser utilizada uma única vez(1). Diante do exposto, torna-se urgente obter fator preditivo do parto pré-termo. Para tanto, alguns estudos tentam encontrar o correto valor do comprimento do colo uterino capaz de prever o acidente. Entretanto, ainda não há consenso dentro da literatura médica mundial(36) que, na realidade, mostra discordância entre os valores observados em vários estudos. O mais importante entre eles é o de Kagan et al.(7), que demonstram a grande incidência de nascimentos pré-termo em pacientes nas quais foi observado, durante o exame ultrassonográfico, importante encurtamento do colo uterino. Kagan et al. mostram, ainda, que em pacientes com gravidez única, com sintomas correspondentes à ameaça de parto pré-termo, e comprimento do colo uterino igual ou menor que 15 mm, o parto acontece em até sete dias, e que em pacientes com colo uterino igual ou maior que 15 mm o parto ocorre após esse prazo(7). Esses dados tentam prever o momento ideal para a aceleração da maturidade pulmonar fetal(1,2) e a correta administração da tocólise venosa para esse fim. Este trabalho observa uma série encorpada de ameaça de parto pré-termo, com o objetivo de colaborar com a formação de casuística brasileira que possa contribuir para criar fator preditivo do acidente, eficaz dentro da nossa população, utilizando exame complementar de fácil manejo, barato e difundido na prática obstétrica diária: a ultrassonografia transvaginal(812).
MATERIAIS E MÉTODOS Com aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição, foi realizado estudo prospectivo longitudinal, observando, por meio da ultrassonografia transvaginal, o comprimento do colo uterino de todas as pacientes com quadro clínico compatível com ameaça de parto pré-termo que nos procuraram entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009. Os comprimentos dos colos uterinos de 72 pacientes com ameaça de parto pré-termo foram analisados com o objetivo de buscar referência direta entre os partos que ocorreram dentro de sete dias. Foram caracterizados como ameaça de parto pré-termo os quadros clínicos que se apresentaram entre 22 e 37 semanas de gestação, em que ao exame o colo uterino estava apagado em 80% ou mais, dilatado no mínimo em 2 cm e observavam-se contrações uterinas presentes duas vezes a cada 10 minutos, com duração mínima de 40 segundos(1). Foram excluídas as pacientes com indução terapêutica do parto pré-termo, feto morto, amniorrexe prematura, corioamnionite, malformações uterinas, doenças cervicais, malformações fetais, gestação gemelar, antecedentes de parto pré-termo e síndromes hemorrágicas(68). Cada exame foi realizado após assinatura do termo de consentimento informado pela paciente, com bexiga vazia (após micção espontânea exatamente antes do exame), utilizando-se equipamento Hitachi EUB 525 (Hitachi; Tóquio, Japão), com transdutor de 6,0 MHz. Após a introdução do transdutor por via vaginal e identificação dos orifícios interno e externo, sem exercer compressão sobre o colo, o canal endocervical foi definido como a linha hiperecogênica estendendo-se entre esses orifícios(6). A aferição do comprimento cervical foi efetuada no corte sagital após ampliação da imagem, em média 50% da tela do monitor, traçando-se uma reta entre o orifício externo e o interno(6,1315) (Figuras 1 e 2). O tempo médio do exame foi de sete minutos. Foram efetuadas três medições, e a medida selecionada foi a menor observada ao longo do exame(4,5). Todos os exames foram realizados pelo mesmo sonografista, com dez anos de experiência prática. Os dados foram anotados em ficha própria e individual para cada paciente, e depois aplicados os testes de validade estatística, para obter os valores preditivos positivos e negativos, a sensibilidade e a especificidade do exame. Não foi utilizada a curva ROC para certificação de novo valor mínimo de comprimento do colo uterino relacionado com o nascimento espontâneo em sete dias, já que a proposta do trabalho é confrontar os dados encontrados com o valor de corte relacionado por Kagan et al.(7) nesses nascimentos acidentais. Estamos elaborando casuística maior que será submetida à curva ROC para encontrar o nosso ponto de corte.
O desenho deste estudo está esquematizado na Figura 3.
RESULTADOS Setenta e duas pacientes foram enquadradas no protocolo do trabalho e estudadas (Tabela 1). Dessas, a faixa etária encontrada variou entre 14 e 41 anos, com idade média de 27,5 anos. Eram da raça branca 70% das pacientes, da raça negra, 25%, e de outras raças, 5%. Em relação à paridade, 47,2% eram primigestas, 25% eram secundigestas e 27,7% tinham engravidado mais de duas vezes. A idade gestacional média, quando da manifestação clínica das ameaças de parto pré-termo e da realização dos exames, foi de 28,9 semanas. O maior comprimento do colo uterino encontrado foi de 45 mm e o menor, de 0,8 mm.
Nos casos estudados, 20 pacientes (27,7%) apresentavam colo menor que 15 mm e 52 (72,2%) tinham colo maior ou igual a 15 mm. Das 20 pacientes que apresentaram colo menor que 15 mm, 19 (95%) evoluíram para o parto em até sete dias. Dentro do grupo das pacientes com colo maior ou igual a 15 mm, 98,07%, a maioria evoluiu para o parto após sete dias. Nos casos observados, apenas três desviaram-se do esperado (4,1%): em dois casos (2,7%) com colo uterino maior que 15 mm (40 e 27 mm), os partos aconteceram em até sete dias. No outro caso, em que o colo foi menor que 15 mm (13 mm), o parto não ocorreu em sete dias, contudo, ainda no pré-termo, com 35 semanas. Após aplicação do teste de validade estatística, foi observado que a sensibilidade do exame foi de 90,5% e a especificidade, de 98%. O valor preditivo positivo foi de 95% e o valor preditivo negativo, de 96%. A medida do comprimento do colo uterino pela ultrassonografia transvaginal foi realizada sem nenhuma intercorrência em todas as pacientes. O exame foi extremamente bem aceito por todas as gestantes, mesmo em vigência do quadro clínico compatível com ameaça de parto pré-termo. Não houve nenhum prejuízo na terapêutica, já que todas as pacientes foram acompanhadas em regime de internação hospitalar e submetidas à administração de uterolíticos e corticoides para acelerar a maturidade pulmonar fetal, como é ainda rotina na maioria dos serviços de obstetrícia.
DISCUSSÃO A maior investigação sobre o tema foi a de Tsoi et al.(16), que avaliaram com o ultrassom o comprimento do colo uterino em 510 mulheres com ameaça de parto pré-termo. O parto dentro de 48 horas ocorreu em 4,1% dos casos e antes de 35 semanas, em 14,9%. A análise de regressão logística demonstrou como único fator preditivo independente, de parto dentro de 48 horas, o comprimento do colo uterino. Dentro de sete dias os fatores preditivos independentes foram o comprimento do colo e o sangramento vaginal. Nas mulheres que não pariram em sete dias, a incidência de parto antes de 35 semanas foi de 7,1%. Os autores concluíram que em mulheres com ameaça de parto pré-termo a medida sonográfica do comprimento do colo foi capaz de distinguir o verdadeiro trabalho de parto do falso. Do mesmo passo, Tsoi et al. referem que, em três trabalhos sobre o tema mencionado reunindo 532 mulheres com ameaça de parto pré-termo entre 2436 semanas, o parto ocorreu dentro de sete dias em 49% dos casos com o colo menor que 15 mm e em apenas 1,2% daqueles com o colo maior ou igual a 15 mm(16). A observação criteriosa da casuística do presente trabalho faz claramente perceber que no caso em que não ocorreu o parto em sete dias, mesmo com colo uterino menor que 15 mm, este se fez ainda em período pré-termo, correspondente a 35 semanas de gestação. Na situação em que o comprimento do colo uterino foi maior que 15 mm e o parto ocorreu em sete dias, fica a reflexão de que, na continuação ou no agravamento dos sintomas, o exame deverá ser repetido diariamente, a fim de observar o encurtamento do colo uterino e a correta administração de corticoides. A medida do comprimento do colo uterino pela ultrassonografia transvaginal foi realizada sem nenhuma intercorrência em todas as pacientes observadas. O exame foi extremamente bem aceito pelas gestantes, mesmo em vigência do quadro clínico compatível com ameaça de parto pré-termo. Não houve nenhum prejuízo na terapêutica, já que todas as pacientes foram acompanhadas em regime de internação hospitalar e submetidas à administração de uterolíticos e corticoides para acelerar a maturidade pulmonar fetal, como é ainda rotina na maioria dos serviços de obstetrícia.
CONCLUSÃO O trabalho mostra que, na grande maioria dos casos observados, o parto pré-termo pode ser previsto e, assim, a maturação pulmonar fetal ser melhor indicada.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 1/4/2009. Aceito, após revisão, em 29/6/2009.
* Trabalho realizado na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro 33ª Enfermaria (Maternidade), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. |