ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Edson Minoru Nakano, David Carlos Shigueoka, Gilberto Szarf, Rogério Zaia Pinetti, José Eduardo Mourão Santos, Denis Szejnfeld, Antônio Barbieri |
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Descritores: Coração, Função ventricular, Imagem por ressonância magnética |
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Resumo: VDoutor, Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil
INTRODUÇÃO A avaliação acurada da função sistólica do ventrículo esquerdo (FSVE) torna-se de importância fundamental para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de várias doenças cardíacas e extracardíacas(1,2). Essa avaliação pode ser obtida por intermédio de técnica invasiva, como a cineventriculografia(3), e por outras menos invasivas, como a ecocardiografia(4), a ventriculografia com radionuclídeos, a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e por emissão de pósitrons (PET)(5), a ressonância magnética (RM)(6) e, mais recentemente, pela tomografia computadorizada (TC)(7). Considera-se a RM, pela avaliação exata dos volumes ventriculares e sua alta reprodutibilidade, o método atual de referência para o estudo da FSVE. No entanto, para que o cálculo da FSVE pela RM seja fidedigno, são necessárias imagens livres de artefatos de movimentos que as degradam e dificultam a delimitação adequada entre o miocárdio e a cavidade ventricular. Entre os artefatos de movimento mais comuns encontram-se os da respiração, que podem ser eliminados pela apneia. Os atuais parâmetros de RM otimizados para a avaliação da FSVE fazem que a duração da sequência exceda, em algumas situações, o tempo de apneia suportado pelo paciente. Nesses casos, uma opção é encurtar a apneia necessária diminuindo-se a resolução espacial e/ou a temporal das imagens. O prejuízo de tal prática reside na definição do final da sístole ventricular com a obtenção de dados funcionais não fidedignos(8,9). Outra possibilidade é a obtenção de imagens com o paciente respirando livremente, utilizando sequências em tempo real(10,11). Porém, são inovações recentes e ainda não amplamente disponíveis. Uma das formas de se reduzir os artefatos de movimentos em um exame por RM é com o aumento do número de excitações ou número de médias de sinal. Imagens com artefatos minimizados em pacientes respirando livremente, sem a utilização de sequências em tempo real, podem ser obtidas pelo aumento do número de excitações, geralmente para três. O fator negativo é a menor qualidade das imagens quando comparado às sequências padrões, em apneia. Este trabalho tem o objetivo de avaliar a eficácia da sequência com maior número de excitações (número de médias de sinal) para o cálculo da FSVE e massa ventricular esquerda, em paciente respirando livremente, sem apneia.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados 32 indivíduos, saudáveis, sem antecedentes pessoais de doença cardíaca ou pulmonar, 17 homens e 15 mulheres, com idades entre 23 e 48 anos (média de 32,4 anos). Os exames foram realizados em aparelhos de RM de alto campo magnético (1,5 tesla), da marca Siemens (Siemens Medical Systems; Erlangen, Alemanha), modelos Magnetom Symphony (n = 22) e Magnetom Avanto (n = 10). A amplitude máxima do gradiente foi de 30 mT/m (Symphony) e 45 mT/m (Avanto), e a velocidade de elevação (slew rate), de 75 T/m/s no Symphony e 200 T/m/s no Avanto. A bobina de corpo (body coil) foi a responsável pela transmissão, e a bobina de coluna na parte posterior, bem como as de superfície do tipo phased-array de dois elementos (Symphony) e seis elementos (Avanto) na parte anterior, as responsáveis pela recepção de sinais. Para o cálculo de volumes e massas ventriculares foram prescritas 9 a 11 fatias (cortes), perpendiculares ao septo interventricular, no plano do eixo curto do ventrículo esquerdo (VE), desde a sua base até o ápice. A sequência utilizada foi a fast imaging with steady-state precession (TRUE-FISP), segmentada e sincronizada com as ondas do eletrocardiograma (ECG), em modo cine. Cada corte foi obtido em apneia expiratória de 6 a 11 segundos e apresentou resolução temporal ao redor de 30 ms e resolução espacial no plano da imagem de 2,1 × 1,4 mm. A espessura de corte foi de 8 mm e o intervalo entre os cortes, de 2 mm (Figura 1).
Após adquirir este conjunto de imagens no eixo curto do VE, considerado padrão de referência para o cálculo da função ventricular, foi lançada uma nova sequência, cópia da programação anterior, exceto pelo maior número de excitações. Esta nova sequência foi adquirida com três excitações (3 NEX) e sem a solicitação de apneia. Não foi utilizado nenhum tipo de cinto ou sincronizador respiratório, assim como o contraste paramagnético. As imagens do eixo curto do VE foram analisadas em uma estação de trabalho dotada de um programa dedicado para cálculo de volumes e massas (Leonardo Argus and Viewer; Siemens Medical Solutions, Erlangen, Alemanha), por três médicos radiologistas, com diferentes níveis de experiência. O observador 1 possuía experiência de quatro anos em RM cardíaca, o observador 2, experiência de dois meses, e o observador 3, experiência de cinco anos. O observador 1 graduou a qualidade das sequências em três categorias: excelente, boa e ruim. Foi considerada excelente a sequência que expunha as imagens com os limites do miocárdio e do sangue da cavidade ventricular bem definidos em todos os cortes; boa, a sequência que mostrava, em até três cortes, imagens com limites do endocárdio distorcidos e mal definidos; e ruins, as sequências com imagens de difícil delimitação em mais de quatro cortes. Para o delineamento ventricular foi utilizado, inicialmente, o algoritmo semiautomático de definição dos contornos do miocárdio. Caso houvesse a necessidade de correção, os limites do endocárdio e epicárdio seriam ajustados e traçados manualmente. Nesse delineamento, os músculos papilares foram considerados como sendo parte da cavidade ventricular. Para a avaliação da concordância entre as duas sequências testadas (padrão e com 3 NEX), a segunda leitura foi realizada pelo mesmo observador, 30 dias após a primeira, em ordem aleatória. A análise estatística foi realizada utilizando-se o coeficiente de correlação intraclasse, o teste t-pareado, o gráfico Bland-Altman e o teste do sinal. Em todas as análises foi adotado nível de significância de 5% (α = 0,05). O projeto de pesquisa foi submetido, analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo.
RESULTADOS Pela utilização da sequência padrão, dos 32 indivíduos avaliados, 29 apresentaram imagens com excelente qualidade e 3, imagens de boa qualidade. Na sequência com 3 NEX, 10 apresentaram imagens de excelente qualidade, 14, de boa qualidade e 8, de qualidade ruim. A avaliação da concordância intraobservador, entre as mensurações realizadas com a sequência padrão e com 3 NEX, mostrou ótima concordância para o observador 1 e para o observador 3. Para todos os parâmetros analisados, o coeficiente de correlação intraclasse (ICC) foi superior a 0,900 e o nível descritivo (p) do teste t-pareado, superior a 0,05 (Tabelas 1 e 2). Além disso, as diferenças entre a sequência tradicional e a com 3 NEX encontraram-se distribuídas, aleatoriamente, em torno do zero, conforme demonstraram os gráficos de Bland-Altman e o teste do sinal, com seu nível descritivo inferior a 0,05 (Figuras 2 e 3). Para o observador 2, embora com correlação intraclasse elevada, só o item massa ventricular revelou a concordância plena (Tabela 3). A fração de ejeção denotou diferença estatisticamente significativa para as suas médias, sendo maior pela sequência com 3 NEX. Os volumes ventriculares manifestaram respostas inferiores na sequência 3 NEX, com níveis descritivos (p) para as suas médias e teste do sinal inferiores a 0,05 (Figura 4).
A variabilidade entre as medidas obtidas pelas duas sequências, ou seja, a porcentagem do valor absoluto da diferença em relação às médias das duas medidas, para os três observadores, está exposta na Tabela 4.
DISCUSSÃO A RM é considerada o método mais aperfeiçoado para a avaliação do desempenho sistólico do VE(12). Permite o cálculo de volumes e massas ventriculares de maneira extremamente eficaz e estudos seriados com alta reprodutibilidade e baixa variabilidade. Isto se deve à obtenção de melhor contraste entre o miocárdio e a cavidade ventricular, à ausência da limitação exercida pela janela acústica, à menor dependência do operador e à utilização do método de Simpson, que não faz uso das fórmulas de suposição geométrica para cálculos de volumes. Assim, leva vantagens em relação aos métodos tradicionalmente usados, como a ecocardiografia e o SPECT. Além disso, é um método praticamente não invasivo e que não utiliza a radiação ionizante para a obtenção das imagens, como é o caso da cineventriculografia. Todavia, para que o cálculo obtido seja realmente fidedigno, são necessários alguns cuidados como a obtenção de imagens livres de artefatos de movimentos, geralmente respiratórios, que degradam as imagens e dificultam a adequada delimitação entre o miocárdio e a cavidade ventricular. Em geral, de acordo com a frequência cardíaca, o equipamento utilizado e os parâmetros otimizados, são necessários cerca de 7 a 13 segundos de pausa respiratória para a supressão desses artefatos. Essa duração, em crianças e em indivíduos com capacidade reduzida pela doença de base, pode ser o fator limitante para a obtenção de imagens de qualidade. Existem alternativas para os indivíduos mencionados, como a redução do tempo da sequência e, consequentemente, da apneia, por meio de manipulação da resolução temporal e espacial. O prejuízo de tal prática consiste na alteração dos parâmetros funcionais obtidos, que é de maior expressão ao manipularmos a resolução temporal(9). Outra possibilidade seria o uso de sequências em tempo real que não requerem pausa respiratória(13). Todavia, são sequências novas e que necessitam de equipamentos e programas mais modernos que ainda não se encontram amplamente disponíveis. Diante do exposto, testamos a eficácia da redução dos artefatos respiratórios na sequência tradicionalmente utilizada (TRUE-FISP, segmentada e sincronizada com as ondas do ECG), em um indivíduo respirando livremente, aumentando o número de excitações (média de sinal). No presente estudo, triplicamos o número de excitações de uma sequência considerada padrão atual (TRUE-FISP) e mantivemos todos os demais parâmetros. Para a avaliação da concordância entre as sequências, os volumes ventriculares (volume diastólico final e volume sistólico final), as suas relações (fração de ejeção e volume ejetado) e a massa miocárdica obtidos por cada um dos observadores pela sequência com 3 NEX foram comparados com aqueles obtidos, por eles mesmos, pela sequência padrão. Encontramos ótima concordância e reprodutibilidade entre a sequência padrão e com 3 NEX, para os dois observadores mais experientes (observadores 1 e 3), para todos os parâmetros avaliados. Para o observador 2 (menos experiente), embora fosse caracterizada uma excelente correlação para todos os parâmetros analisados, foi possível a concordância plena apenas para o cálculo da massa ventricular. A variabilidade observada entre as medições realizadas por meio destas duas sequências, para os observadores 1 e 3, foi semelhante à descrita na literatura, quando repetimos a sequência padrão duas vezes(14,15). A média aritmética dessas variabilidades para os dois observadores citados foi de 3,49% para a fração de ejeção, 5,27% para o volume diastólico final, 7,83% para volume sistólico final, 6,74% para o volume ejetado e 9,87% para massas ventriculares. Para o observador 2, as variabilidades para a obtenção de volumes foram maiores, o que justifica a ausência de concordância para esses parâmetros. A maior variabilidade e a falta de concordância entre as duas sequências, relatadas pelo observador 2, podem ser explicadas pela qualidade inferior das imagens obtidas com 3 NEX e a menor experiência desse observador. A sequência com 3 NEX acrescenta dificuldades para o delineamento dos limites do miocárdio, pela pior qualidade das suas imagens, porém, para os observadores com treinamento adequado e experiência comprovada, fornecem resultados reprodutíveis e concordantes com as sequências padrões correntemente empregadas. Este trabalho não está completo, pois seus resultados foram baseados em uma população de voluntários saudáveis, com variabilidade presumida e limitada. Novos estudos, envolvendo indivíduos com doenças cardíacas, serão necessários para certificar a real eficácia da sequência estudada.
CONCLUSÃO A sequência testada com 3 NEX apresenta ótima reprodutibilidade e concordância em relação à sequência padrão e pode ser aplicada em indivíduos com limitações respiratórias.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 3/3/2009. Aceito, após revisão, em 9/7/2009.
* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM) e no Laboratório Diagnósticos da América (DASA), São Paulo, SP, Brasil. |