ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Ricardo Flávio de Araújo Bezerra, Dioclécio Campos Júnior, Vera Lúcia Vilar de Araújo Bezerra, Augusto Cesar Bittencourt Pires Júnior, Alexandre Sérgio de Araújo Bezerra |
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Descritores: Tendão do calcâneo, Ultrassonografia, Crianças |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Os músculos sóleo e gastrocnêmio estão localizados na perna, em seu compartimento posterior superficial. Ambos se inserem no osso calcâneo - um dos sete ossos do tarso - por meio do tendão do calcâneo, conhecido também como tendão de Aquiles. Este pode ser facilmente palpado e visualizado por recursos de imagem, já que é uma estrutura superficial(1). Estudo prévio encontrou tendões do calcâneo significativamente mais espessos em crianças com idade superior a 3 anos que apresentavam hipercolesterolemia familiar, do que naquelas pertencentes a um grupo controle(2). Isto decorreu, segundo os autores, do desenvolvimento de depósitos anormais de gordura (xantomas) no respectivo tendão. Outro trabalho, porém em adultos, encontrou tendões do calcâneo mais espessos em indivíduos com hipercolesterolemia familiar e isquemia do miocárdio em relação a outros indivíduos também com hipercolesterolemia familiar, porém isentos de isquemia, independentemente da idade(3). É possível, então, que pessoas com tendões do calcâneo relativamente espessos sejam mais suscetíveis à isquemia cardíaca do que os que o tenham mais finos(4). Daí a importância de dados sobre medidas do tendão do calcâneo em crianças, pois um tratamento precoce poderia evitar futuras complicações desta condição. Não foi encontrado nenhum estudo na literatura que tenha verificado a espessura e largura de tendões do calcâneo em crianças de até 12 meses de idade. Assim sendo, a necessidade de se preencher esta lacuna do conhecimento foi o fator motivador da realização da presente pesquisa. O objetivo deste estudo foi determinar as espessuras e larguras dos tendões do calcâneo em crianças eutróficas de ambos os gêneros, aos 2, 6, 9 e 12 meses de idade, por meio da ultrassonografia, e definir seus intervalos de normalidade.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética da nossa instituição e, após aprovação, os responsáveis legais pelas crianças participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Fizeram parte da amostra deste estudo todas as crianças em acompanhamento no Ambulatório de Crescimento e Desenvolvimento de nossa instituição, nascidas entre os dias 25 de novembro de 2005 e 5 de julho de 2006, que tiveram mensurados o peso e a estatura, e cujos pais ou responsáveis aceitaram participar da pesquisa. As crianças, num total de 88, sendo 44 de cada gênero, foram acompanhadas pelo período de um ano e os dados utilizados foram os coletados aos 2, 6, 9 e 12 meses de idade. Foram medidos, nos quatro meses em questão, o peso e a estatura das crianças. Obtidas essas medidas, o índice de massa corporal (IMC) - peso (kg)/estatura2 (m) - de cada criança foi calculado. Foram excluídas da amostra crianças que, em algum dos retornos, se encontravam desnutridas ou obesas, de acordo com o cálculo do IMC. Seis meninos foram excluídos: três por desnutrição e três por obesidade. Treze meninas foram excluídas, já que seis tinham desnutrição, seis apresentavam obesidade e uma outra criança apresentou desnutrição e obesidade, em momentos distintos do estudo. Restaram, então, 38 meninos (76 tendões) e 31 meninas (62 tendões) no grupo de estudo. Nesses mesmos períodos foram verificadas também, por meio de ultrassonografia e sempre pelo mesmo médico radiologista com experiência em ultrassonografia musculoesquelética, a espessura e a largura dos tendões do calcâneo esquerdo e direito. Para tanto, a criança permanecia deitada em decúbito ventral em uma maca, com os pés suspensos. Estes formavam um ângulo de aproximadamente 90 graus com as pernas, para facilitar o contato entre o tendão e o transdutor do equipamento de ultrassonografia (Figura 1). Foram obtidas imagens em cortes transversais, na altura do maléolo medial, possibilitando mensurar a espessura e a largura dos tendões do calcâneo. Utilizou-se equipamento modelo EnVisor HD (Philips; Eindhoven, Holanda), com transdutor linear de 14 MHz.
Foram obtidos, para cada gênero separadamente, os dados descritivos da amostra, apresentados por média e desvio-padrão. Calcularam-se todas as médias e desvios-padrão das espessuras e larguras dos tendões do calcâneo das crianças, aos 2, 6, 9 e 12 meses de idade. Uma análise de variância foi realizada para verificar possíveis diferenças entre as dimensões dos tendões ao longo dos meses. Os intervalos de normalidade das medidas dos tendões foram delimitados utilizando-se uma amplitude de dois desvios-padrão para mais e para menos, a partir da média.
RESULTADOS Tabela 1 apresenta um comparativo das medidas de peso, estatura e IMC entre meninos e meninas. Para verificar a existência de diferenças estatisticamente significativas utilizou-se o teste t de Student. Foram encontradas diferenças significativas para as variáveis peso e estatura aos 2, 6, 9 e 12 meses, assim como para o IMC aos 2, 9 e 12 meses.
Dos 38 meninos (76 tendões) mantidos na pesquisa, um não teve as medidas dos tendões do calcâneo coletadas aos 9 meses, outro aos 9 e 12 meses, e um terceiro não teve estas medidas concernentes aos 2, 9 e 12 meses. Das 31 meninas (62 tendões) participantes do estudo, três não tiveram as medidas dos tendões coletadas aos 2 meses, uma aos 6 meses, uma aos 9 meses e outras duas não tiveram estas medidas coletadas aos 12 meses. Uma oitava criança não teve as medidas dos tendões coletadas aos 9 e 12 meses. Com o intuito de verificar diferenças estatisticamente significativas entre as espessuras dos tendões do calcâneo direito e esquerdo e também entre as larguras do mesmo tendão de ambos os lados, para os dois gêneros e em todos as idades pesquisadas, recorreu-se ao teste t de Student. Não houve diferenças significativas entre as espessuras de ambos os lados dos tendões para os meninos (p = 0,810; 0,610; 0,841 e 0,461 para 2, 6, 9 e 12 meses de idade, respectivamente) e nem para as meninas (p = 0,282; 0,486; 0,577 e 0,870 para 2, 6, 9 e 12 meses de idade, respectivamente). Também não houve diferenças entre as larguras direita e esquerda nem no gênero masculino (p = 0,071; 0,808; 0,944 e 0,642 para 2, 6, 9 e 12 meses de idade, respectivamente) e nem no gênero feminino (p = 0,818; 0,669, 0,517 e 0,653 para 2, 6, 9 e 12 meses de idade, respectivamente). Estes resultados permitiram agrupar os tendões do calcâneo direito e do esquerdo em uma amostra única de tendões para cada gênero e idade. A Tabela 2 apresenta lado a lado as medidas dos tendões do calcâneo para os gêneros masculino e feminino. O teste t de Student mostrou haver diferença entre os gêneros apenas na largura aos 12 meses. Com o intuito de verificar variações estatisticamente significativas entre as dimensões dos tendões dos meninos e meninas ao longo dos meses, os dados foram submetidos a análise de variância. Para o gênero masculino não foi encontrada nenhuma diferença na variável espessura entre os meses. Quanto à largura, foram encontradas diferenças entre as médias de cada um dos quatro meses pesquisados. Para o gênero feminino também não foi encontrada nenhuma diferença na variável espessura, entre os meses. Quanto à largura, foram encontradas diferenças entre as médias do segundo para o sexto mês e do sexto para o nono mês. Porém, não foi encontrada diferença significativa entre o nono e o décimo segundo meses. Os intervalos de normalidade obtidos para os gêneros masculino e feminino estão representados na Tabela 3.
DISCUSSÃO Ao se medir o tendão de uma criança e ele apresentar valores maiores que os dos intervalos de normalidade, é possível que haja nesse tendão, por exemplo, a presença de xantomas e que a criança tenha hipercolesterolemia familiar(2). Diante disso, um tratamento imediato poderia ter início, para se evitar problemas futuros decorrentes dessa condição. Vários estudos prévios com delineamento transversal mediram o tendão do calcâneo em adultos, mas sem dividir os dados por gênero(5-9). De toda a literatura pesquisada, apenas o estudo de Mello et al. foi realizado no Brasil. Esse estudo, também transversal, foi realizado em indivíduos com idades acima de 20 anos e apresentou medidas de largura e espessura para os dois gêneros(10). Não foram encontrados, na literatura pesquisada, registros de medidas de espessura e largura do tendão do calcâneo em crianças com até 12 meses de vida. O único trabalho em que se mediu o tendão do calcâneo em crianças com até um ano de idade foi o realizado por Bialik et al., também com delineamento transversal(11). No entanto, esses autores mediram apenas o comprimento dos tendões e não a espessura e a largura. Neste sentido, o presente estudo é inovador, podendo contribuir para o conhecimento mais completo do padrão de crescimento normal do tendão. Bialik et al. obtiveram duas medidas para o comprimento do tendão do calcâneo (medida que vai da junção musculotendínea até a inserção no osso calcâneo): uma com o pé em dorsiflexão e outra com o pé em flexão plantar. A média de idade das crianças, que não foram separadas por gênero, era de 4 meses (amplitude de 2 semanas a 12 meses). Em dorsiflexão encontrou-se média de 37 mm e em flexão plantar, média de 30,1 mm. Observou-se também correlação positiva entre idade e comprimento do tendão(11). O estudo de Mello et al., com adultos, mostrou diferença entre as espessuras e larguras dos tendões de ambos os gêneros, com valores mais elevados no grupo masculino(10). No entanto, os dados do presente estudo mostram que durante o primeiro ano de vida não há diferença estatisticamente significativa entre as médias das espessuras dos tendões do calcâneo masculinos e femininos. Quanto à largura, esta aumenta ao longo dos meses, com valores estatisticamente maiores no gênero masculino apenas aos 12 meses. Brushøj et al. verificaram a reprodutibilidade das medidas, obtidas por dois observadores, do tendão do calcâneo e dos tendões dos músculos tibial anterior e flexor longo do hálux, em adultos. Dos três tendões mensurados, o que apresentou a menor variação interobservador foi o tendão do calcâneo(12). Apesar dessa menor variabilidade das medidas no tendão do calcâneo, no presente estudo com crianças houve o cuidado em se obter todas as medidas por um único radiologista. No estudo de Brushøj et al. também se verificou a reprodutibilidade de medidas intraobservador. Novamente, o tendão que apresentou a menor variação foi o do calcâneo. Ainda segundo esses autores, pequenas variações entre as medidas de tendões obtidas por ultrassonografia podem ser decorrentes da pressão aplicada pelo transdutor nas estruturas que circundam o tendão, ou do posicionamento do transdutor em angulações diferentes(12). No presente estudo o transdutor foi sempre posicionado perpendicularmente em relação ao tendão do calcâneo. O estudo de Bialik et al. mensurou diferentes comprimentos para o tendão do calcâneo, de acordo com o posicionamento do pé no plano sagital, ou seja, em dorsiflexão ou em flexão plantar(11). Isto implica que pequenas movimentações do pé provavelmente geram pequenas mudanças na espessura e na largura do tendão. No presente estudo o pé foi mantido perpendicularmente em relação à perna. As medidas do tendão do calcâneo podem variar por outras causas, além da formação de xantomas, como traumas ou inflamações, geralmente causadas por práticas esportivas de alto nível(6,13). Todavia, como o presente estudo foi realizado em crianças com meses de vida, que evidentemente não correm e nem praticam esportes, é muito pouco provável que as dimensões estivessem alteradas por influência de um dos dois fatores. Como perspectiva de trabalhos futuros, vislumbramos a realização de estudos em crianças com até um ano de idade, comparando medidas do tendão do calcâneo entre crianças com colesterol normal e crianças com hipercolesterolemia familiar. Em conclusão, este trabalho demonstra que no primeiro ano de vida a espessura do tendão do calcâneo se mantém estável para ambos os gêneros e que a largura do tendão aumenta progressivamente ao longo do primeiro ano, estando seus padrões de normalidade estabelecidos neste estudo.
REFERÊNCIAS 1. Koivunen-Niemelä T, Parkkola K. Anatomy of the Achilles tendon (tendo calcaneus) with respect to tendon thickness measurements. Surg Radiol Anat. 1995;17:263-8. [ ] 2. Koivunen-Niemelä T, Viikari J, Niinikoski H, et al. Sonography in the detection of achilles tendon xanthomata in children with familial hypercholesterolaemia. Acta Paediatr. 1994;83:1178-81. [ ] 3. Mabuchi H, Tatami R, Haba T, et al. Achilles tendon thickness and ischemic heart disease in familial hypercholesterolemia. Metabolism. 1978; 27:1672-9. [ ] 4. Lehtonen A, Mäkelä P, Viikari J, et al. Achilles tendon thickness in hypercholesterolaemia. Ann Clin Res. 1981;13:39-44. [ ] 5. Ebeling T, Farin P, Pyörälä K. Ultrasonography in the detection of Achilles tendon xanthomata in heterozygous familial hypercholesterolemia. Atherosclerosis. 1992;97:217-28. [ ] 6. Fornage BD. Achilles tendon: US examination. Radiology. 1986;159:759-64. [ ] 7. Mathieson JR, Connell DG, Cooperberg PL, et al. Sonography of the Achilles tendon and adjacent bursae. AJR Am J Roentgenol. 1988;151:127-31. [ ] 8. Pang BS, Ying M. Sonographic measurement of achilles tendons in asymptomatic subjects: variation with age, body height, and dominance of ankle. J Ultrasound Med. 2006;25:1291-6. [ ] 9. Steinmetz A, Schmitt W, Schuler P, et al. Ultrasonography of achilles tendons in primary hypercholesterolemia. Comparison with computed tomography. Atherosclerosis. 1988;74:231-9. [ ] 10. Mello RAF, Marchiori E, Santos AASMD, et al. Avaliação morfométrica do tendão de Aquiles por ultra-sonografia. Radiol Bras. 2006;39:161-5. [ ] 11. Bialik V, Farhoud F, Eidelman M, et al. Achilles tendon length in children evaluated sonographically. J Pediatr Orthop B. 2007;16:281-6. [ ] 12. Brushøj C, Henriksen BM, Albrecht-Beste E, et al. Reproducibility of ultrasound and magnetic resonance imaging measurements of tendon size. Acta Radiol. 2006;47:954-9. [ ] 13. Bordalo-Rodrigues M. Avaliação morfométrica do tendão de Aquiles por ultra-sonografia [editorial]. Radiol Bras. 2006;39(3):iii. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 16/12/2008.
* Trabalho realizado no Hospital Universitário de Brasília (HUB), Brasília, DF, Brasil. |