ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Matiko Yanaguizawa, Gustavo Sobreira Taberner, André Yui Aihara, Cláudia Kazue Yamaguchi, Maria Carolina Guimarães, André Rosenfeld, João Luiz Fernandes, Artur da Rocha Corrêa Fernandes |
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Descritores: Placa de crescimento, Fratura, Barra fisária, Barra óssea, Imagem por ressonância magnética, Radiografia, Tomografia computadorizada |
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Resumo: VTítulo de Especialista pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), São Paulo, SP, Médico Radiologista do Image Memorial, Salvador, BA
INTRODUÇÃO As estruturas responsáveis pelo crescimento do osso incluem a fise (placa de crescimento) e as epífises. Por meio do mecanismo denominado ossificação endocondral, as estruturas cartilagíneas destas regiões são responsáveis tanto pelo crescimento longitudinal como pela forma do osso(1). Diversas condições patológicas que acometem pacientes com o esqueleto imaturo podem envolver a fise e a epífise, causando complicações como parada do crescimento, encurtamento dos membros, formação de pontes ósseas e deformidades angulares(1). Condições traumáticas agudas que resultam muitas vezes em fraturas na criança são as principais causas de lesões da fise. Outras afecções podem acometer a fise, como lesões por estresse repetitivo, infecções, tumores, doenças metabólicas, lesões térmicas e por irradiação, etc.(1). A avaliação desses pacientes pelos métodos de imagem atualmente disponíveis é indispensável e bem estabelecida. A radiografia, a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são essenciais para esta avaliação, pois permitem o diagnóstico precoce do envolvimento das estruturas responsáveis pelo crescimento ósseo, além de sua extensão e gravidade. Todos esses fatores são essenciais para tratamento e acompanhamento adequados, minimizando ou até evitando o surgimento de complicações(2).
LESÕES TRAUMÁTICAS EPIFISÁRIAS As fraturas epifisárias exercem papel importante no contexto das lesões traumáticas, pois correspondem a aproximadamente 15% de todas as fraturas da criança(3). O sistema mais amplamente utilizado para sua classificação foi proposto por Salter e Harris, em que são descritos cinco tipos clássicos de fraturas, sendo o tipo II o mais comum(4). Os métodos de diagnóstico por imagem são indispensáveis na avaliação desses pacientes, pois são capazes de fornecer informações importantes, como o tipo de fratura, sua localização e o grau de comprometimento da fise, além da presença de barra óssea(5). Embora a radiografia permita boa avaliação das fraturas epifisárias e seja o método de avaliação inicial, estudos por imagem adicionais podem ser solicitados. A TC é útil para avaliar o alinhamento das superfícies articulares e a presença de barras ósseas(2). A RM (Figuras 1, 2 e 3) possui vantagens como a identificação de fraturas ocultas e melhor definição da extensão da fratura, além de conseguir demonstrar alterações associadas, como lesões ligamentares(2).
A participação de crianças e adolescentes em práticas esportivas é cada vez mais comum. Alguns iniciam esta prática muito precocemente, e a maior duração e intensidade dos treinos podem levar a uma sobrecarga do esqueleto ainda imaturo(1). A carga excessiva sobre a fise altera a perfusão metafisária e interfere na mineralização dos condrócitos. Inicialmente ocorre alargamento da fise, e com a persistência do insulto isquêmico observa-se irregularidade das margens epifisária e metáfisária. Estas alterações podem ser localizadas ou envolver toda a fise(1). Entre as lesões por estresse repetitivo, já foram descritas lesões da fise da porção distal do rádio em jovens ginastas(6) (Figura 4), da porção distal do fêmur em corredores, e da porção proximal do úmero em arremessadores de beisebol(1).
LESÕES TRAUMÁTICAS APOFISÁRIAS Existem dois tipos de epífises, as de tração e as de pressão, cada uma delas com suas respectivas fises. As de tração, também chamadas apófises, localizam-se nos locais de inserção tendínea e contribuem para a forma do osso, enquanto as de pressão localizam-se nas extremidades dos ossos longos e são responsáveis pelo seu crescimento longitudinal(1). Lesões agudas (avulsões) ou crônicas afetando as apófises também podem ocorrer e normalmente não se associam a alteração do crescimento longitudinal do osso. Lesões traumáticas agudas em crianças e adolescentes costumam acometer, preferencialmente, as apófises (Figura 5), por serem estas os locais de maior fragilidade; já nos adultos, que têm a fise fechada, o acometimento preferencial é na junção miotendínea(7). Condições relacionadas à sobrecarga, como as doenças de Osgood-Schlatter (Figura 6) e de Sever, são freqüentes em jovens esportistas e podem ser causas de desconforto, além de ocasionar interrupção das atividades físicas(1).
EPIFISIÓLISE DA CABEÇA DO FÊMUR O escorregamento da epífise da cabeça femoral é a anormalidade do quadril mais comum em adolescentes e, se não-tratada adequadamente, pode resultar em dor crônica e osteoartrose precoce. É caracterizada pelo deslocamento posterior e inferior da epífise da cabeça femoral em relação à metáfise(8). O paciente típico é um adolescente geralmente acima do peso, com claudicação, atitude em rotação externa do membro inferior afetado e dor que inicialmente se localiza na região inguinal ou quadril e pode irradiar para a porção ântero-medial da coxa e joelho. A avaliação do lado contralateral é importante, pois o acometimento bilateral é descrito em até cerca de 50% dos casos(9). O diagnóstico clínico requer confirmação por métodos de imagem, que demonstrarão o deslocamento da epífise da cabeça femoral (Figura 7). A radiografia é o método de avaliação inicial. Na incidência ântero-posterior pode ser traçada a linha de Klein através da porção superior do colo femoral, que em quadris normais cruza a epífise. O perfil verdadeiro do quadril pode ser útil em casos discretos e quando há predomínio do deslocamento posterior. A TC pode ser utilizada para graduar o grau do deslocamento; a RM tem pouca utilidade no diagnóstico e tratamento da epifisiólise, porém, é útil na avaliação de condrólise ou osteonecrose da cabeça femoral, ambas possíveis complicações(9).
INFECÇÃO Em crianças com menos de 18 meses de idade, vasos sanguíneos cruzam a placa de crescimento para nutrir a epífise, sendo esta o local mais comum de infecções neste grupo etário. Acima desta idade, a quantidade de vasos que cruzam a fise diminui e a metáfise se torna o local mais comum de infecção. O grau do distúrbio de crescimento está diretamente relacionado com a área e o local de destruição da fise, a quantidade de cartilagem destruída e o grau de lesão do sistema vascular condroepifisário(10). A radiografia pode mostrar alterações ósseas relativas ao quadro de osteomielite (alteração da textura óssea, reação periosteal, aumento das partes moles adjacentes), além de alargamento da fise. A TC pode demonstrar a presença de abscessos e é especialmente útil na detecção de seqüestros ósseos, enquanto a RM apresenta altas sensibilidade e especificidade para a detecção do envolvimento da fise(10) (Figura 8).
TUMORES Muitos tumores benignos podem ocorrer próximo à fise, como o cisto ósseo simples, o encondroma, o condroblastoma(11), o osteoma osteóide, o cisto ósseo aneurismático, o fibroma condromixóide e a displasia fibrosa. A lesão da fise pode ocorrer pela presença da própria lesão ou durante procedimentos cirúrgicos como curetagem ou colocação de enxertos ósseos(12). Embora se acreditasse que a fise pudesse funcionar como uma barreira natural para tumores ósseos malignos primários, como o osteossarcoma e o sarcoma de Ewing, já está estabelecido que seu envolvimento pode ocorrer, causando comprometimento da epífise e da articulação adjacente(13). A detecção do envolvimento tumoral da epífise e da articulação é essencial para o planejamento cirúrgico, pois com o aprimoramento das drogas quimioterápicas neoadjuvantes, a preservação da epífise resulta numa melhor recuperação, com conseqüente melhor função residual do membro(14). A RM pode mostrar envolvimento da fise e da epífise (Figura 9), sendo as imagens ponderadas em T1 nos planos coronal e sagital bastante úteis e mais específicas. As seqüências ponderadas em STIR revelam alterações edematosas peritumorais e eventuais focos de medula vermelha residuais(13).
DOENÇAS METABÓLICAS Das doenças metabólicas que podem envolver a fise, o raquitismo é a mais conhecida. É doença causada pela deficiência ou resistência à vitamina D e seus derivados. A ossificação endocondral, processo que envolve hipertrofia e morte dos condrócitos, mineralização da matriz cartilagínea e invasão da cartilagem por vasos metafisários, depende do metabolismo normal desta vitamina. Quando este metabolismo é afetado, ocorre mineralização anormal da cartilagem da fise, com persistência dessa cartilagem na região metafisária(15). As características radiográficas e da RM refletem a histopatologia da junção entre a cartilagem da fise e o osso metafisário. A falha da ossificação e a persistência da cartilagem na metáfise manifestam-se como um alargamento da fise. Com a progressão da doença, a metáfise se torna irregular (Figura 10), assim como as margens da epífise adjacente. A RM não é necessária para o diagnóstico e acompanhamento do raquitismo, porém, para evitar confusões com outras doenças metaepifisárias, é importante conhecer as principais características do raquitismo evidenciadas por este método: alargamento da fise com alto sinal nas seqüências ponderadas em T2, ausência da zona de calcificação provisória e alterações similares na periferia do centro de ossificação adjacente(15).
COMPLICAÇÕES A lesão da placa de crescimento pode resultar na formação de uma barra (óssea ou fibrosa). Dependendo do tamanho e da sua localização, o crescimento pode se tornar mais lento ou até ser interrompido, resultando em discrepância entre as medidas dos membros e deformidades angulares. O diagnóstico precoce, a localização e o tamanho da barra fisária são fatores importantes no prognóstico e na indicação de tratamento cirúrgico(16). A causa mais comum está relacionada às fraturas epifisárias, mas a barra pode resultar de infecção, lesão iatrogênica, invasão tumoral, lesões térmicas (Figura 11), entre outras causas(3).
A radiografia pode mostrar a barra óssea como focos de osteocondensação com aspecto estrelado ou mesmo estruturas ósseas na interface metaepifisária. Pode também levantar a suspeita mediante achados indiretos como deformidades angulares e indefinição das linhas fisárias (Figura 12), todos achados relativamente tardios(17). A TC também permite avaliar a interface entre a metáfise e a epífise, demonstrando a localização e dimensão das barras ósseas. Reconstruções coronais, sagitais e tridimensionais são bastante úteis no planejamento pré-operatório(17). A RM é, atualmente, o método mais sensível para a sua detecção, sobretudo no caso de barras fibrovascularizadas ainda não-ossificadas (Figura 13)(16).
CONCLUSÕES Entre as diversas afecções que podem acometer a placa de crescimento, as lesões traumáticas que resultam em fraturas epifisárias são as mais freqüentes. A possibilidade de determinada lesão evoluir para complicações, como formação de barras ósseas, encurtamentos ósseos ou deformidades angulares, é dependente de vários fatores, como idade do paciente acometido, localização e extensão da lesão fisária, e da intensidade do trauma. Os diversos métodos de diagnóstico por imagem são indispensáveis na avaliação desses pacientes, dependendo da doença envolvida, pois fornecem dados importantes para um diagnóstico precoce e planejamento terapêutico adequado, diminuindo assim a possibilidade do desenvolvimento de complicações. A radiografia deve ser o método de avaliação inicial na maioria dos casos e pode fornecer informações diagnósticas importantes. A TC é útil na avaliação de fraturas complexas e na detecção de barras ósseas fisárias. A RM tem papel estabelecido bastante importante na avaliação das lesões tumorais e das barras fisárias.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 16/7/2007. Aceito, após revisão, em 14/2/2008.
* Trabalho realizado no Diagnósticos da América, São Paulo, SP, e no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP, Brasil. |