ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Ana Carolina Moreira de Bessa, Alessandro Martins da Costa, Linda V. E. Caldas |
|
Descritores: Medicina nuclear, Calibradores de dose, Calibração, Controle de qualidade |
|
Resumo:
INTRODUÇÃO O calibrador de dose é um equipamento fundamental em um serviço de medicina nuclear, utilizado para a determinação da atividade de fármacos marcados com radionuclídeos emissores de raios gama e beta (radiofármacos) que serão administrados aos pacientes, tanto para diagnóstico como para terapia. Consiste, basicamente, de uma câmara de ionização do tipo poço acoplada a um circuito eletrônico especial que permite que a resposta do instrumento seja mostrada diretamente em unidades de atividade. Se o instrumento indicar um valor de atividade menor que o valor real, isto acarretará administração de radiofármaco com atividade maior que a prescrita para o paciente, sem que haja benefício dessa dose extra; sendo assim, o paciente fica exposto desnecessariamente. Por outro lado, se o instrumento indicar um valor de atividade maior que o valor real, a atividade administrada será insuficiente para a finalidade a que se destina, acarretando repetição do procedimento, o que, mais uma vez, implicará aumento desnecessário da dose para o paciente e para os indivíduos ocupacionalmente expostos envolvidos no processo. Para assegurar desempenho satisfatório dos calibradores de dose utilizados em um serviço de medicina nuclear, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) estabelece que esses instrumentos sejam submetidos a testes de exatidão, precisão e linearidade, semestralmente, e de reprodutibilidade, diariamente(1). Embora nãoexigido pela CNEN, recomendase também a realização do teste de geometria na instalação dos calibradores de dose(25). Em medições de atividade, a exatidão descreve o grau de concordância entre o resultado de uma medição e um valor verdadeiro da atividade; a precisão descreve o grau de concordância entre os resultados de medições sucessivas de atividade, efetuadas sob as mesmas condições, e repetidas em curto período de tempo. A reprodutibilidade testa a estabilidade em longo prazo do calibrador de dose. Se a mesma medição puder ser reproduzida durante várias meiasvidas de uma fonte radioativa, o instrumento será considerado de resposta linear, indicando, para um particular radionuclídeo, a faixa em que a atividade do radionuclídeo pode ser corretamente estimada (linearidade). Quando estabelecem a calibração original de um calibrador de dose, os fabricantes geralmente utilizam soluções de radionuclídeos em um determinado recipiente. Outros recipientes utilizados nos serviços de medicina nuclear, como seringas de plástico ou de vidro, podem ter volumes e propriedades de absorção diferentes, e para estes devem ser determinados outros fatores de correção, consistindo no teste de geometria dos instrumentos. Os calibradores de dose comerciais são normalmente calibrados pelo fabricante utilizando soluções padrões dos radionuclídeos (calibração direta) de um laboratório nacional de padrões (ou rastreável a ele), ou, alternativamente, por comparação com um instrumento de referência (calibração indireta). Neste tipo de calibração (indireta), a leitura do instrumento a ser calibrado e a do instrumento de referência diretamente calibrado são comparadas pela introdução de uma fonte de referência sob condições idênticas de medida no poço de cada uma das câmaras de ionização. As condições operacionais da fonte a ser medida são aplicadas e a leitura do primeiro instrumento é ajustada ou é obtido um fator de correção. A calibração ou recalibração de um calibrador de dose pode ser feita a partir da realização do teste de exatidão com fontes de radionuclídeos importantes clinicamente. Atualmente, a norma CNENNN3.05(1) exige somente a realização do teste de exatidão com fontes de referência de 57Co, 133Ba ou 137Cs e não com fontes de radionuclídeos importantes clinicamente. Estas três fontes cobrem a faixa de utilização de um calibrador de dose e são designadas para simular a geometria de um radionuclídeo de meiavida curta em solução num frasco similar. A fonte de 57Co simula uma fonte de 99mTc, a fonte de 133Ba simula uma fonte de 131I, e a fonte de 137Cs simula uma fonte de 99Mo. Quando a exatidão de um calibrador de dose é verificada utilizandose uma fonte de 57Co, por exemplo, é selecionada a condição operacional apropriada para o 57Co e não para o 99mTc. Resulta que o instrumento não é testado para aquela porção do seu circuito eletrônico exclusiva para a medição da atividade do 99mTc. Esta omissão geralmente ocorre para todas as fontes de radionuclídeos importantes clinicamente. Portanto, é possível que erros significativos possam surgir nas medições de atividade utilizando as condições operacionais dos calibradores de dose que não são diretamente testadas para exatidão. Esta calibração ou recalibração dos instrumentos também pode ser feita por meio de intercomparações. Trabalhos publicados entre 2003 e 2005(610) indicam que é cada vez maior a necessidade da implementação de um programa de controle de qualidade dos calibradores de dose nos serviços de medicina nuclear. Assim, foi realizado um levantamento sobre quais testes de controle de qualidade são realizados nos serviços de medicina nuclear da cidade de São Paulo e com que freqüência. Um levantamento preliminar da exatidão das medições de atividade realizadas com calibradores de dose também foi feito com sete instrumentos, utilizando fontes de radionuclídeos importantes clinicamente, no Laboratório de Calibração de Instrumentos (LCI) do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN).
MATERIAIS E MÉTODOS Inicialmente, foi feito levantamento dos calibradores de dose existentes na cidade de São Paulo. Para isso, foram enviados questionários com um formulário a 87 serviços de medicina nuclear. Aos serviços de medicina nuclear que preencheram e devolveram este primeiro formulário, foi enviado, tempos depois, um segundo questionário com um formulário com questões relacionadas ao controle de qualidade dos calibradores de dose. Um levantamento da exatidão das medições de atividade realizadas com calibradores de dose foi feito com sete instrumentos, denominados A, B, C, D, E, F e G, no LCIIPEN. Estes calibradores de dose são apresentados no Quadro 1.
A exatidão desses calibradores de dose foi verificada utilizandose fontes de 67Ga, 99mTc e 201Tl. Estas fontes de radionuclídeos utilizados clinicamente foram fornecidas pelo Centro de Radiofarmácia do IPEN em frascos de vidro incolor, forma cilíndrica, fundo plano, altura de 47,0 mm, diâmetro externo de 23,5 mm e espessura da parede de 1,1 mm. Estes são os frascos de fornecimento de radiofármacos que o IPEN utiliza. O volume das amostras utilizadas foi de 4 ml. A exatidão dos calibradores de dose foi verificada indiretamente, utilizandose um instrumento de referência. As leituras do instrumento sob teste e do instrumento de referência foram comparadas pela introdução de uma mesma fonte sob condições idênticas de medição no poço de cada uma das câmaras. O desvio percentual entre a média das atividades medidas no instrumento sob teste e a média das atividades medidas no instrumento de referência foi utilizado para expressar a exatidão do instrumento sob teste. O limite de aceitação para o teste de exatidão recomendado pela norma CNENNN3.05(1) é ±10%. Um calibrador de dose modelo NPLCRC da Southern Scientific Ltd., pertencente ao LCIIPEN, foi utilizado como sistema de referência. Este calibrador de dose foi calibrado no laboratório padrão primário da Inglaterra National Physical Laboratory , sendo, portanto, um sistema padrão secundário.
RESULTADOS No levantamento dos calibradores de dose existentes na cidade de São Paulo, entre 87 serviços de medicina nuclear, apenas 22 preencheram e enviaram de volta o formulário sobre 26 calibradores de dose. Dos outros 65 não se obteve nenhum tipo de resposta. Os resultados deste levantamento são apresentados no Quadro 2.
Entre os 22 serviços de medicina nuclear que preencheram e devolveram o primeiro formulário, apenas oito preencheram e enviaram de volta o segundo formulário, com questões relacionadas ao controle de qualidade dos calibradores de dose. Dos outros 14 serviços não se obteve nenhum tipo de resposta. Entre os oito serviços que enviaram de volta o formulário, três responderam que não possuíam as fontes padrões de referência para realização dos testes de controle de qualidade, sendo que um realizava os testes emprestando as fontes de outro serviço, um efetuava somente o teste de linearidade semestralmente e um não realizava nenhum teste. As freqüências em que são realizados os testes de controle de qualidade nos serviços que responderam que realizam tais testes são mostradas nas Tabelas 1 a 4.
Os resultados do levantamento da exatidão das medições de atividade realizadas com sete calibradores de dose no LCIIPEN, utilizando 67Ga, 99mTc e 201Tl como fontes de referência, são mostrados na Tabela 5. Em todas as medições o desvio percentual entre a média das atividades medidas no instrumento sob teste e a média das atividades medidas no instrumento de referência foi menor que 5%.
Como já foi dito, a calibração de um calibrador de dose pode ser feita a partir da realização do teste de exatidão. A Tabela 6 apresenta as razões entre os valores das atividades medidas no instrumento de referência e os valores das atividades medidas no instrumento sob teste. Não foram atribuídas incertezas a esses valores, uma vez que as incertezas tipo B(11) nas medições com o calibrador de dose de referência não foram estimadas. Esses valores determinam fatores de correção, isto é, fatores numéricos pelos quais os resultados nãocorrigidos de uma medição devem ser multiplicados para compensar erros sistemáticos, estabelecendo uma calibração (ou recalibração) dos calibradores de dose testados para os radionuclídeos utilizados.
DISCUSSÃO Há 26 calibradores de dose nos 22 serviços de medicina nuclear que preencheram e retornaram o formulário sobre o levantamento dos calibradores de dose existentes na cidade de São Paulo (Quadro 2). Cerca de 58% dos calibradores de dose são modelos fabricados pela Capintec. Na Tabela 1 observase que dos oito serviços de medicina nuclear que preencheram e enviaram de volta o segundo formulário com as questões relacionadas ao controle de qualidade dos calibradores de dose, apenas um realizou o teste de geometria na instalação do instrumento e três nunca realizaram. Apenas um serviço realiza o teste de exatidão semestralmente e quatro realizam numa freqüência maior (Tabela 2). O teste de reprodutibilidade é o menos realizado dos estabelecidos pela norma CNENNN3.05(1), como mostra a Tabela 3. O teste de reprodutibilidade é particularmente importante, pois testa a constância do funcionamento de um equipamento ao longo do tempo, para diferentes condições de medição. Três serviços realizam o teste de linearidade semestralmente e três realizam trimestralmente (Tabela 4). Os resultados das Tabelas 1 a 4 mostram algumas impropriedades, por exemplo, a realização diária do teste de geometria por um serviço (Tabela 1) e a falta da realização diária do teste de reprodutibilidade por todos os serviços (Tabela 3). Isto se deve, talvez, à falta de suporte técnico e bibliográfico aos usuários de calibradores de dose em serviços de medicina nuclear no Brasil. A falta de suporte técnico decorre da distância dos fabricantes, uma vez que no País não se fabrica este tipo instrumento. Com relação à falta de suporte bibliográfico, poderia ser elaborada, com a colaboração de especialistas de várias instituições do País, uma publicação que ordenasse de forma legível os detalhes dos testes de controle de qualidade, o formato mais apropriado para o registro e a apresentação dos resultados, e também a freqüência mais adequada para a realização dos testes, seguindo o exemplo de países como a Espanha, com o trabalho de Aguado et al.(4), e a Inglaterra, com o trabalho de Gadd et al.(5). Os resultados da Tabela 5 mostram que todos os calibradores de dose testados satisfazem ao limite de aceitação (±10%) da norma CNENNN3.05 para o teste de exatidão. Os valores médios das razões entre os valores das atividades medidas no instrumento de referência e os das atividades medidas no instrumento sob teste, calculados a partir da Tabela 6, são 1,035 ± 0,06, 1,037 ± 0,06 e 1,039 ± 0,08, para as fontes de 67Ga, 99mTc e 201Tl, respectivamente. Observase, por estes valores, que nos instrumentos testados há tendência de se subestimar os valores das atividades medidas para as fontes de 67Ga, 99mTc e 201Tl, tendência esta também verificada em outros levantamentos realizados no Brasil(7).
CONCLUSÕES Cerca de 75% dos serviços de medicina nuclear da cidade de São Paulo não responderam ao primeiro questionário sobre os tipos de equipamentos existentes. Dos serviços que responderam ao primeiro questionário, 64% não responderam ao segundo, com questões referentes ao controle de qualidade dos calibradores de dose. Uma vez que não houve nenhuma ação no sentido de minimizar a ausência de respostas, a pequena amostragem limitou maiores conclusões. Entretanto, mesmo com esta pequena amostragem, podese concluir que a situação com relação ao controle de qualidade de calibradores de dose é insatisfatória. Foi realizado o teste de exatidão em sete calibradores de dose com soluções de radionuclídeos utilizados clinicamente. Este levantamento da exatidão não indicou falhas de desempenho e estabeleceu uma calibração desses instrumentos para as fontes utilizadas. Embora nãoexigida pela norma CNENNN3.05(1), a calibração dos calibradores de dose deve ser realizada com fontes de radionuclídeos utilizados clinicamente. Este procedimento pode ser realizado no LCIIPEN.
Agradecimentos Os autores agradecem o apoio financeiro parcial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
REFERÊNCIAS 1. Comissão Nacional de Energia Nuclear. CNENNN3.05: Requisitos de radioproteção e segurança para serviços de medicina nuclear. Resolução CNEN10/96. Diário Oficial da União, 19/4/1996. [ ] 2. Dansereau RN, Methe BM. Dose variance associated with calibration and administration of radiopharmaceuticals. Am J Health Syst Pharm. 2001;58:5804. [ ] 3. Costa AM, Caldas LVE. Intercomparação e calibração de medidores de atividade utilizados em serviços de medicina nuclear. Radiol Bras. 2003; 36:2937. [ ] 4. Aguado MM, García AD, Navarro AR, et al. Control de calidad de activímetros. Rev Esp Med Nucl. 2004;23:43443. [ ] 5. Gadd R, Baker M, Nijran KS, et al. Measurement good practice guide no. 93: protocol for establishing and maintaining the calibration of medical radionuclide calibrators and their quality control. Teddington: National Physical Laboratory; 2006. [ ] 6. Joseph L, Anuradha R, Nathuram R, et al. National intercomparisons of 131I radioactivity measurements in nuclear medicine centres in India. Appl Radiat Isot. 2003;59:35962. [ ] 7. Santos JA, Iwahara A, Oliveira AE, et al. National intercomparison program for radiopharmaceutical activity measurements. Appl Radiat Isot. 2004;60:5237. [ ] 8. Kim GY, Lee HK, Jeong HK, et al. Comparison of radioactivity measurements with radionuclide calibrators in the Republic of Korea. Appl Radiat Isot. 2005;63:2015. [ ] 9. Oropesa P, Hernández AT, Serra R, et al. Comparisons of activity measurements with radionuclide calibrators a tool for quality assessment and improvement in nuclear medicine. Appl Radiat Isot. 2005;63:493503. [ ] 10. van Wyngaardt WM, Simpson BRS. Preparation and use of standards for a comparison exercise among users of 131I capsules in South Africa. Phys Medica. 2005;21:1015. [ ] 11. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial. Guia para a expressão da incerteza de medição. 3ª ed. Rio de Janeiro: ABNT, Inmetro; 2003. [ ]
Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 17/4/2007. Aceito, após revisão, em 10/9/2007.
* Trabalho realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPENCNEN), São Paulo, SP, Brasil. |