ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marcos Pontes Muniz, Antonio Soares Souza, Divanei Aparecida Bottaro Criado, José Roberto Lopes Ferraz Filho, Rafael Marinelli Brandão, Luciana Vargas Cardoso, Eny Maria Goloni Bertollo |
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Descritores: Neurofibromatose tipo 1, Radiologia, Radiografia torácica, Anormalidades ósseas, Neoplasias mediastinais |
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Resumo: VAcadêmico de Medicina da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil
INTRODUÇÃO A neurofibromatose (NF) é uma doença autossômica dominante, descrita primeiramente por Friedrich von Recklinghausen em 1882. Vários tipos de NF foram descritos, sendo o tipo 1 (NF1) o mais frequente e também denominado NF periférica ou clássica, ocorrendo em 1:3.000 indivíduos(1). Uma das principais características dessa doença é o envolvimento sistêmico e progressivo, manifestando-se por comprometimento das funções neurológicas(2), e deformidades físicas(3). Em 1987, o National Institutes of Health (NIH) definiram os critérios para o diagnóstico de NF1(4), que foram atualizados três anos depois(5). As principais características clínicas da NF1 compreendem as manchas café-com-leite, neurofibromas dérmicos, efélides ou sardas axilares e/ou inguinais, neurofibromas plexiformes e nódulos de Lisch(1,6,7). As anormalidades ósseas encontradas na NF1 têm recebido crescente atenção e devem ser reconhecidas pelo radiologista, já que algumas são características da doença e outras sugerem fortemente seu diagnóstico(8,9). Dentre as anormalidades esqueléticas, as mais frequentes são observadas na coluna dos pacientes portadores de NF, acometendo diretamente o sistema esquelético por displasia mesodérmica (ectasia dural e displasias ósseas), ou indiretamente por complicações secundárias como compressão tumoral, principalmente de neurofibromas e meningoceles(10). As alterações mais frequentes incluem escoliose, cifoescoliose, anomalias da coluna cervical, erosão na parede posterior dos corpos vertebrais, erosão na parede anterior dos corpos vertebrais, alargamento dos forames intervertebrais, distúrbios do crescimento, pseudoartrose, afilamento da cortical dos ossos longos, lesões ósseas císticas, erosão de arcos costais, afilamento de pedículos, displasia da asa do esfenoide, lesões osteolíticas no crânio, deformidade facial/mandibular, proliferação óssea subperiostal, compressão óssea decorrente de tumores de partes moles (neurofibromas, displasias da dura-máter, meningocele intratorácica), sendo que as deformidades da coluna ocorrem com maior frequência(11). Nas radiografias de tórax dos pacientes com NF1 podem ser detectadas erosões das bordas inferiores e irregularidade de arcos costais, deformidade da caixa torácica (peito escavado e cifoescoliose) e massa mediastinal (meningocele e neurofibromas)(10). As erosões de arcos costais podem ser causadas por compressão extrínseca de neurofibromas que produzem erosão da cortical das bordas inferiores das costelas ou em decorrência de um defeito primário displásico na formação óssea(12). Nas deformidades torácicas, o peito escavado, presente no exame clínico de 31% a 50% dos pacientes com NF1, representa uma depressão da porção inferior do esterno, determinando uma escavação da região anterior do tórax(11). Outra deformidade no tórax é a causada pela cifoescoliose, que pode determinar distorção na sua avaliação(11). A meningocele torácica é uma anomalia da coluna vertebral que consiste de herniação das meninges através do forame intervertebral com curso benigno, sendo assintomática na maioria dos casos(13). Cerca de 70% a 80% dos casos de meningoceles torácicas ocorrem em pacientes com NF(13). Os neurofibromas do tórax são tumores benignos que se originam das raízes nervosas da medula espinhal, podendo ser uni- ou bilateral, e acometer vários segmentos da coluna. Nas radiografias simples de tórax em duas incidências essas massas mediastinais posteriores não são suficientes para a distinção diagnóstica, sendo necessários exames de tomografia computadorizada (TC) ou de ressonância magnética (RM)(14). Vários trabalhos relacionaram diferentes métodos de diagnóstico para NF1(15-18). Visando a aplicação desses conceitos, principalmente quando se trata do diagnóstico precoce da doença, a observação dos achados torácicos, bem como a sua sensibilidade, são válidas. A elaboração do objetivo de tal estudo levou em consideração a facilidade de se realizar radiografias de tórax, bem como o baixo custo de tais procedimentos. Os objetivos deste trabalho foram identificar alterações nas radiografias simples do tórax em póstero-anterior e perfil que sugerem o diagnóstico de NF1, estabelecer a frequência com que essas alterações ocorrem, e avaliar a possibilidade de inclusão de massa no mediastino posterior como critério de diagnóstico de NF1. Com isso, este estudo pode alertar profissionais da área da saúde sobre a importância desse diagnóstico, encaminhando seus pacientes para exames mais específicos.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados 141 pacientes com NF1 atendidos no Centro de Pesquisa e Atendimento em Neurofibromatose (Cepan), um serviço multidisciplinar do Hospital de Base e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), SP, sendo os pacientes posteriormente encaminhados ao Serviço de Radiologia do referido hospital. Os pacientes foram submetidos a radiografias de tórax em póstero-anterior e em perfil, realizadas em aparelho Philips, com técnica padrão: foco Bucky de 1,80 m, com filmes de base verde 35 × 35 (póstero-anterior) e 30 × 40 (perfil), revelados em processadora automática Kodak-90®. A idade dos pacientes variou de 2 a 72 anos (média de 33,1 anos e desvio-padrão de 18,2 anos). O estudo é do tipo duplo cego e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Famerp. As variáveis a serem analisadas são a presença ou não das alterações ósseas torácicas características encontradas em pacientes diagnosticados com NF1. Os dados obtidos foram avaliados qualitativamente e quantitativamente, utilizando-se métodos estatísticos não paramétricos, com nível de significância de 0,05.
RESULTADOS Entre os pacientes portadores de NF1 estudados, 39% (n = 55) apresentaram alterações ao exame radiográfico, sendo que 21 (14,9%) tiveram mais de uma alteração. Observou-se peito escavado em 17 (12%) dos pacientes, alterações em arcos costais (irregularidades e deformidades) em 28 (19,8%) e cifoescoliose em 5 (3,5%). A cifoescoliose determina uma deformidade da caixa torácica, simulando redução volumétrica dos pulmões e falso aumento da área cardíaca. O alargamento do mediastino posterior, determinado por opacidades arredondadas e/ou lobuladas com densidade de partes moles, junto à coluna, foi encontrado em 10 (7,1%) dos pacientes que foram submetidos à TC (Figura 1), comprovando a presença de massa sólida homogênea em 9 e cística em 1. O paciente com a massa cística foi submetido a RM, comprovando-se ser meningocele (Figura 2).
DISCUSSÃO Devido a grande variação na expressividade clínica e heterogeneidade genética nos pacientes com NF1, o seu diagnóstico se torna muito difícil, principalmente na infância(19,20). Nem sempre a apresentação dos sinais físicos são característicos. Assim, a radiologia pode contribuir fornecendo os achados característicos da doença, como displasia da asa do esfenoide, pseudoartrose e afilamento cortical dos ossos longos(11). A radiografia do tórax, um exame complementar, e associado à história clinica e ao exame físico, é a principal ferramenta e de alta sensibilidade para a avaliação das alterações torácica. Na presença de massa no mediastino posterior, associada a outros sinais clínicos, como manchas café-com-leite, a radiografia simples do tórax pode auxiliar no diagnóstico de NF1. Quando a massa do mediastino posterior mostra-se presente na radiografia do tórax, deve-se encaminhar esses pacientes para exames mais complexos (TC e RM), e além da confirmação diagnóstica, para fornecer dados sobre possíveis complicações. Entre as alterações encontradas no estudo das radiografias de tórax, as irregularidades dos arcos costais foram as mais prevalentes (19,1%). A anomalia pode ocorrer por um defeito primário displásico na formação óssea ou pela erosão de um neurofibroma intercostal(8,10,14). O aspecto em "fitas torcidas" é relatado com frequência(8-11). Na literatura pesquisada não foi encontrada a incidência com que as lesões dos arcos costais são observadas. O peito escavado foi observado em 17 pacientes (12,0%) nas radiografias de perfil, e no exame clínico essa alteração foi encontrada em 31 pacientes. A alteração pode causar sintomas clínicos como respiração paradoxal ou dor tipo angina(11,21,22). As massas no mediastino posterior, encontradas em 10/141 (7,1%) pacientes, apresentavam-se com densidade de partes moles arredondadas ou lobuladas, que surgiam do canal vertebral. Seguindo as divisões do mediastino em compartimentos(23) nas radiografias simples de tórax dos 141 pacientes com NF1, exclusivamente o compartimento do mediastino posterior apresentou massas, isto é, massas no mediastino médio e anterior não foram identificadas. As massas do mediastino posterior são associadas com NF1 e podem ser causadas por neurofibromas que se originam das raízes nervosas medulares ou meningoceles intratorácicas(10,11,24). As radiografias simples do tórax não são suficientes para fazer a distinção entre neurofibromas e meningoceles, sendo necessários estudos por meio de técnicas mais avançadas, como a TC ou a RM. Dos 10 pacientes com presença de massas no mediastino posterior confirmada pela TC, 9 apresentavam massas sólidas, com diagnóstico presumível de neurofibroma, pois tinham relação com o neuroforame, e um apresentava massa cística na RM, com diagnóstico de meningocele intratorácica lateral esquerda. Cerca de 80% dos pacientes que apresentam meningocele são portadores de NF1(25,26). Dois ou mais neurofibromas de pele ou um neurofibroma plexiforme são critérios de diagnóstico de NF1 definidos pelo NIH(4). Então podemos considerar a possibilidade de neurofibromas nas regiões paravertebrais serem de igual valor para o diagnóstico de NF1. Não foi encontrada, na literatura, a frequência com que ocorre massa mediastinal posterior nos pacientes com NF1 ou na população geral. Dos critérios de lesões ósseas características definidas pelo NIH, a displasia da asa do esfenoide foi encontrada em 1%. Esta alteração é observada em exame radiográfico ou de TC, é bastante específico, todavia aparece com baixa incidência. A frequência de pseudoartrose é de 1:250.000 nascimentos e aproximadamente 50% a 90% dos casos são associados com NF1, sendo considerada um achado relativamente raro, com incidência em torno de 3,0%. O afilamento cortical dos ossos longos, observado em 8,5% dos pacientes, é de baixa especificidade, sendo necessário radiografar todo o esqueleto apendicular, isto é, dos membros superiores e inferiores(4,11). As radiografias do esqueleto, associadas à do tórax com presença de massa mediastinal posterior, podem tornar esses achados de lesões ósseas características mais valorizados. Assim, sugerimos a inclusão das massas do mediastino posterior como mais um critério para o diagnóstico de NF1. Na radiografia simples do tórax é possível identificar as alterações ósseas nos pacientes com NF1, e a presença de massa no mediastino posterior, junto com as alterações ósseas características definidas pelo NIH(4), indicam serem um achado seguro para se propor como critério diagnóstico da doença.
CONCLUSÃO A presença de massas no mediastino posterior, associada às alterações ósseas características definidas pelo NIH, indicam ser um achado consistente para se considerar como critério diagnóstico da doença.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 25/11/2009.
* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina e Hospital de Base de São José do Rio Preto, Departamento de Imagem, São José do Rio Preto, SP, Brasil. |