EDITORIAIS
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Autho(rs): Ulysses S. Torres1,2,a; Giuseppe D’Ippolito1,2,b |
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A doença hepática crônica (DHC) é hoje um importante problema de saúde pública mundial, principalmente em função da crescente epidemia de obesidade, consumo de álcool e hepatite. A detecção e o monitoramento de alterações centrais na patogênese da doença, tais como fibrose, atividade necroinflamatória, sobrecarga férrica e acúmulo de gordura, têm sido tradicionalmente realizados por biópsia, um exame invasivo, caro e limitado, com riscos não desprezíveis de morbimortalidade, o que tem tornado imperativa a substituição da biópsia hepática por opções clinicamente práticas, econômicas e precisas. A ressonância magnética multiparamétrica (RMmp) do fígado é atualmente uma das ferramentas mais promissoras para essa tarefa, e a possibilidade de usar uma ampla gama de sequências avançadas que cubram e analisem o complexo espectro de alterações metabólicas e celulares no parênquima hepático tem levado alguns autores a considerar um futuro de biópsia hepática virtual realizada por RMmp(1). Evidências preliminares sugerem que, comparada à biópsia, a RMmp possui melhor relação custo-benefício(2).
As sequências de RM avançadas para avaliação da DHC incluem, entre outras, espectroscopia de prótons de hidrogênio, fração de gordura por densidade de prótons (proton density fat fraction – PDFF), mapeamento de T2 e T2*, mapeamento T1, elastografia, imagem ponderada por difusão, imagem ponderada em suscetibilidade e séries dinâmicas pós-injeção do meio de contraste paramagnético para cálculo da taxa de captação intracelular dos hepatócitos e da fração de volume extracelular, com a maioria dos estudos empregando tais sequências em diferentes combinações para compor um protocolo multiparamétrico. O mapeamento T1 é, atualmente, um componente-chave dos protocolos multiparamétricos para avaliação hepática, pois o tempo de relaxamento T1 aumenta com o aumento do líquido extracelular, sendo característico de fibrose e inflamação(3). Como a presença de ferro, que pode ser medida com precisão nos mapas T2*, tem efeito oposto em T1, pesquisadores desenvolveram um algoritmo que permite que o viés originado pelo alto teor de ferro seja removido das medidas T1, gerando mapas T1 com correção dos efeitos do ferro (cT1)(3). As evidências sugerem que o mapa cT1 é mais sensível a alterações inflamatórias hepáticas sutis em comparação a biomarcadores de circulação e à elastografia(4). Opcionalmente, entre os vários métodos de mapeamento T1 disponíveis, uma sequência denominada modified look-locker inversion recovery (MOLLI) tem-se tornado crescentemente investigada em função de sua capacidade de fornecer mapas T1 de alta resolução em uma única apneia(5). De fato, uma limitação atual que impede um uso mais amplo do mapeamento cT1 é que este não se encontra disponível junto aos principais fabricantes de equipamentos, estando apenas disponível comercialmente como um software de pós-processamento – com T2* e PDFF (LiverMultiScan, Perspectum, Reino Unido)(4) – e, portanto, com acesso restrito. Em um artigo seminal publicado sobre RMmp em 2014, Banerjee et al. utilizaram um conjunto de sequências composto por mapeamento T1, espectroscopia de prótons e mapeamento T2 para quantificar fibrose hepática, esteatose e hemossiderose, respectivamente, demonstrando excelente desempenho do método, com áreas sob a curva ROC acima de 0,9(6). Em 2017, outro estudo em pacientes com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) avaliou um mapeamento cT1 e T2*, com o desenvolvimento de um escore de imagem para fibrose e inflamação que teve correlação significativa com a biópsia(3). Desde então, a RMmp hepática tem sido crescentemente utilizada em ampla gama de contextos, tais como no monitoramento de pacientes obesos mórbidos com esteato-hepatite não alcoólica (NASH) antes e após cirurgia bariátrica e em ensaios clínicos para NASH(4), monitoramento de DHGNA em pacientes pediátricos com sobrepeso e obesidade(4), monitoramento de resposta de curto prazo pós-terapia com antivirais de ação direta em pacientes com hepatite C crônica(7), monitoramento não invasivo e predição de atividade da doença em crianças e adultos em tratamento para hepatite autoimune(8,9), etc. Outros estudos, alternativamente, têm-se concentrado no desenvolvimento de escores matemáticos baseados na combinação de mapeamento T1 não corrigido, espectroscopia de prótons e elastografia por RM para predição de NASH(10), e mapeamento T1 baseado na sequência MOLLI pré- e pós-administração de ácido gadoxético (Bayer Healthcare, Berlim, Alemanha) como ferramenta quantitativa para estimativa da função hepática e predição da presença de varizes esofágicas ou gástricas(5). Ainda são necessários mais ensaios clínicos multicêntricos no mundo para consolidar parâmetros, valores de referência e promover uma ampla validação de protocolos de RMmp na avaliação da DHC de diferentes causas em adultos e crianças. Além disso, qual combinação de sequências, se alguma, será a mais eficiente clinicamente em predizer o dano estrutural hepático ainda é uma questão que permanece a ser elucidada. Em conclusão, o campo da RMmp tem testemunhado e continuará a testemunhar, nos próximos anos, crescentes e animadores novos desenvolvimentos, com refinamentos técnicos de sequências das quais se espera precisão cada vez maior na detecção da gama de alterações parenquimatosas na doença hepática difusa, evitando-se a necessidade de avaliação histológica em muitas situações. O desenvolvimento e amadurecimento de novas oportunidades de tratamento, as progressivas demandas clínicas por um monitoramento mais estreito e não invasivo dos pacientes e a baixa especificidade dos biomarcadores séricos significam que a RMmp possui um enorme potencial para preencher uma demanda diagnóstica não atendida e promover uma transformação da prática clínica. Para o futuro, o desenho metodológico e a validação clínica de novos estudos de imagem devem levar em consideração o desafio de que a biópsia hepática percutânea não se constitui um padrão de referência ideal para fibrose, esteatose ou hemossiderose(6) e que a correlação com desfechos alternativos de importância clínica pode ser desejável. REFERÊNCIAS 1. Gomes NBN, Torres US, Ferraz MLCG, et al. Autoimmune hepatitis in practice, from diagnosis to complications: What is the role of imaging? A clinicoradiological review. Clin Imaging. 2021;74:31–40. 2. Eddowes PJ, McDonald N, Davies N, et al. Utility and cost evaluation of multiparametric magnetic resonance imaging for the assessment of non-alcoholic fatty liver disease. Aliment Pharmacol Ther. 2018;47:631–44. 3. Pavlides M, Banerjee R, Tunnicliffe EM, et al. Multiparametric magnetic resonance imaging for the assessment of non-alcoholic fatty liver disease severity. Liver Int. 2017;37:1065–73. 4. Thomaides-Brears HB, Lepe R, Banerjee R, et al. Multiparametric MR mapping in clinical decision-making for diffuse liver disease. Abdom Radiol (NY). 2020;45:3507–22. 5. Yoon JH, Lee JM, Paek M, et al. Quantitative assessment of hepatic function: modified look-locker inversion recovery (MOLLI) sequence for T1 mapping on Gd-EOB-DTPA-enhanced liver MR imaging. Eur Radiol. 2016;26:1775–82. 6. Banerjee R, Pavlides M, Tunnicliffe EM, et al. Multiparametric magnetic resonance for the non-invasive diagnosis of liver disease. J Hepatol. 2014;60:69–77. 7. Bradley C, Scott RA, Cox E, et al. Short-term changes observed in multiparametric liver MRI following therapy with direct-acting antivirals in chronic hepatitis C virus patients. Eur Radiol. 2019;29:3100–7. 8. Janowski K, Shumbayawonda E, Dennis A, et al. Multiparametric MRI as a noninvasive monitoring tool for children with autoimmune hepatitis. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2021;72:108–14. 9. Arndtz K, Shumbayawonda E, Hodson J, et al. Multiparametric magnetic resonance imaging, autoimmune hepatitis, and prediction of disease activity. Hepatol Commun. 2021;5:1009–20. 10. Kim JW, Lee YS, Park YS, et al. Multiparametric MR index for the diagnosis of non-alcoholic steatohepatitis in patients with non-alcoholic fatty liver disease. Sci Rep. 2020;10:2671. 1. Grupo Fleury, São Paulo, SP, Brasil 2. Departamento de Diagnóstico por Imagem, Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br a. https://orcid.org/0000-0002-1911-9090 b. https://orcid.org/0000-0002- 2701-1928 |