ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Autho(rs): Renato Augusto Eidy Kiota Matsumoto1; Juliana Hiraoka Catani1; Mirela Liberato Campoy2; Arthur Magalhães Oliveira1; Nestor de Barros1 |
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Descritores: Mama; Doenças sistêmicas; Colagenoses; Linfoma; Metástases. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
Com a ampliação dos programas de rastreamento do câncer de mama, um maior volume de exames mamográficos está sendo realizado e, como consequência, a detecção de alterações mamárias não relacionadas aos carcinomas epiteliais também é mais frequente. As principais doenças sistêmicas benignas com manifestações radiológicas na mamografia e ultrassonografia das mamas são o diabetes, as cardiopatias, a insuficiência renal crônica, a infecção pelo HIV, as doenças granulomatosas (tuberculose), as parasitoses, e as colagenoses como a dermatomiosite, a esclerodermia e o lúpus eritematoso sistêmico. Pacientes nesse contexto podem se apresentar, clinicamente, com alterações cutâneas, nódulos palpáveis e espessamento cutâneo. Considerando as doenças sistêmicas malignas com manifestações secundárias nas mamas, podem ser incluídos o linfoma, a leucemia e as metástases de tumores primários de outros sítios. O fluxograma diagnóstico inicial envolve a análise da história clínica e de tratamentos prévios realizados. Quando essas ferramentas são utilizadas em conjunto com os achados mamográficos e ultrassonográficos e mesmo assim não definem um diagnóstico acurado, pode-se realizar biópsia percutânea para definição diagnóstica. Este artigo tem como objetivo principal a apresentação das principais doenças sistêmicas e suas manifestações radiológicas mais comumente encontradas nas mamas. DIABETES A mastopatia diabética é uma entidade incomum, ocorre principalmente em mulheres jovens com história de longa data de diabetes tipo I e acomete menos de 15% das pacientes em insulinoterapia(1). A causa não é bem conhecida, mas está relacionada ao aumento na quantidade de colágeno, aumentando a matriz extracelular em um ambiente de hiperglicemia(2). Na mamografia, nota-se assimetria focal ou nódulo sólido, geralmente na região retroareolar, sem calcificações associadas (Figura 1), cujo aspecto ultrassonográfico é de nódulo hipoecogênico com margens indistintas ou espiculadas, importante sombra acústica posterior e sem vascularização no estudo Doppler (Figura 2)(3). Essas apresentações levantam a possibilidade de um diagnóstico de malignidade e, consequentemente, uma biópsia percutânea é recomendada. Durante o procedimento, frequentemente há a percepção de uma lesão endurecida, cuja amostragem é dificultada. Figura 1. Incidência mamográfica em craniocaudal mostrando assimetria focal no quadrante superolateral da mama esquerda (seta), medindo 3,0 cm, em paciente de 46 anos em terapia antidiabética. Figura 2. Ultrassonografia mostrando nódulo irregular, espiculado, hipoecogênico, com formação de sombra acústica posterior, sem fluxo ao estudo Doppler. Foi realizada biópsia percutânea desse nódulo, com diagnóstico de infiltrado linfocítico perilobular, compatível com mastopatia diabética. CARDIOPATIAS Há dois aspectos principais das cardiopatias com manifestação nas mamas: arteriopatia e edema(3). A presença de calcificações arteriais é frequente, não causando dificuldades diagnósticas na mamografia (Figura 3), exceto quando incipientes, podendo simular calcificações lineares. Não está bem estabelecido na literatura se a detecção de calcificações arteriais está relacionada a um maior risco cardiovascular. Presume-se, intuitivamente, que calcificações e artérias periféricas sejam consequência de doença cardiovascular em curso e estejam associadas a fatores de risco para coronariopatia, aspectos estes reforçados por alguns estudos na literatura que associam positivamente a presença de calcificações vasculares e doença cardiovascular(4). O segundo aspecto mostra-se como espessamento cutâneo, ingurgitamento das veias e aumento da densidade do tecido fibroglandular na mamografia e aumento da ecogenicidade dos planos gordurosos superficiais e lâminas líquidas hipoecogênicas de permeio na ultrassonografia(3) (Figura 4). Figura 3. Paciente do sexo feminino, de 58 anos, apresentando múltiplas calcificações vasculares na mamografia. Figura 4. Incidências mamográficas em mediolateral oblíqua de paciente do sexo feminino, de 57 anos, apresentando aumento e acentuação do trabeculado mamário associado a espessamento cutâneo difuso bilateralmente. Esses achados estão relacionados com descompensação de insuficiência cardíaca congestiva. INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA Os achados de imagem mais comumente encontrados na nefropatia crônica são relacionados à sua fisiopatologia. Em razão da retenção de líquidos, há aspectos semelhantes à insuficiência cardíaca congestiva, com aumento da densidade fibroglandular, espessamento do trabeculado e da pele(3). A presença de calcificações na camada média das artérias pode determinar calcificações vasculares salientes. O hiperparatireoidismo secundário pode ocasionar calcificações grosseiras, principalmente cutâneas. A confecção de fístula arteriovenosa para diálise determina colaterais venosas proeminentes na mama ipsilateral (Figura 5). Como consequência de medicamentos utilizados em pacientes submetidos a transplantes renais, podem ser encontrados fibroadenomas em mulheres em uso de ciclosporina(5) e processos infecciosos decorrentes do estado de imunossupressão. Em homens, a queda nos níveis séricos de testosterona pode ocasionar ginecomastia. Figura 5. Antecedente de insuficiência renal crônica em confecção de fístula arteriovenosa à esquerda. Nota-se proeminência vascular na mama esquerda nessas incidências mamográficas. HIV Na infecção pelo HIV podem ser encontrados linfonodomegalias axilares e processos infecciosos. Os linfonodos tendem a se apresentar hiperdensos e com maiores dimensões, embora inespecíficos. Na ultrassonografia, os linfonodos apresentam espessamento cortical difuso e simétrico. A composição mamária também é afetada pela lipodistrofia associada ao HIV, visto que há menor proporção de tecido adiposo, determinando mama com maior densidade na mamografia. Nessas pacientes, pode haver preenchimento da mama por material adiposo autólogo, promovendo áreas de esteatonecrose (Figura 6). Figura 6. Mamografia de paciente do sexo feminino, de 42 anos, com antecedente de infecção pelo vírus HIV, em uso de terapia antirretroviral, apresentando áreas de esteatonecrose bilateralmente. Há história de enxerto de tecido adiposo nas mamas devido a lipodistrofia causada pela infecção pelo vírus HIV. DOENÇAS GRANULOMATOSAS O envolvimento mamário e/ou axilar pela tuberculose é raro, podendo se manifestar de duas formas principais: a linfadenopatia axilar e a mastite tuberculosa. No acometimento linfonodal há aumento das dimensões e hipoecogenicidade da cortical, bem como eventuais calcificações. Já na mastite há formação de abscesso representado por nódulo complexo (sólido-cístico) ou coleções líquidas (Figura 7) na ultrassonografia. Podem ainda ocorrer granulomas vistos como nódulos irregulares associados a edema dos planos adiposos adjacentes(3,6). O diagnóstico acurado é difícil nessas situações, uma vez que a exclusão de uma lesão maligna não é possível apenas com os achados de imagem, sendo muitas vezes necessário realizar biópsia. Figura 7. Ultrassonografia de paciente do sexo feminino, de 35 anos, mostrando coleção hipoecogênica, irregular, com algumas traves hiperecogênicas de permeio na região central da mama esquerda, sem melhora com uso de antibioticoterapia. Baciloscopia do escarro positiva para bacilo álcool-ácido resistente. PARASITOSES A filariose é uma parasitose que pode envolver as mamas, causada pelo helminto Wuchereria bancrofti. As principais manifestações clínicas ocorrem em consequência da obstrução dos vasos linfáticos pela presença dos vermes ativos ou calcificados. Na mama, a larva penetra nos vasos linfáticos e causa linfangite, fibrose e alteração na drenagem linfática, determinando assimetria global ou focal associada a espessamento trabecular e cutâneo. Tardiamente, as larvas podem se apresentar como calcificações lineares ou serpiginosas(7)(Figura 8). Figura 8. Incidência mamográfica em mediolateral oblíqua esquerda de paciente do sexo feminino, de 53 anos, apresentando calcificações serpiginosas no prolongamento axilar. Em tratamento de filariose. COLAGENOSES As colagenoses representam um grupo heterogêneo de doenças caracterizadas pelo processo inflamatório dos tecidos conectivos. Incluem o lúpus eritematoso sistêmico, a esclerodermia, a dermatopolimiosite e a doença mista do tecido conjuntivo. Os achados de imagem mais frequentemente encontrados são a linfonodomegalia axilar bilateral, o espessamento cutâneo e as calcificações. No lúpus eritematoso sistêmico é comum encontrar espessamento cutâneo com múltiplos nódulos subcutâneos, e calcificações lineares incipientes que posteriormente se tornam mais numerosas e grosseiras, representando áreas de esteatonecrose(6,8) (Figura 9). Na esclerodermia são encontrados espessamento cutâneo e do trabeculado fibroglandular, e calcificações grosseiras superficiais (Figura 10). Calcificações cutâneas e distróficas são comumente encontradas na dermatopolimiosite (Figura 11). Figura 9. Paciente do sexo feminino, de 41 anos, com calcificações grosseiras e distróficas na região retroareolar da mama direita. Em acompanhamento reumatológico por lúpus eritematoso sistêmico. Figura 10. Incidências mamográficas em mediolateral oblíqua mostrando diversas calcificações distróficas predominando nos quadrantes superiores das mamas. Paciente com diagnóstico clínico de esclerodermia. Figura 11. Incidências mamográficas identificando calcificações distróficas cutâneas bilateralmente em paciente do sexo feminino, de 69 anos, com diagnóstico clínico de dermatomiosite. LINFOMA/LEUCEMIA O acometimento secundário das mamas pelo linfoma é incomum, principalmente devido à raridade de tecido linfoide. Linfomas secundários são associados a linfoma sistêmico prévio ou concomitante, sendo mais comuns que os primários. O subtipo mais frequente é o não Hodgkin, difuso de grandes células B. Manifestam-se como nódulos, assimetrias focais ou globais. Os nódulos são ovais ou redondos, com margens circunscritas ou microlobuladas, simulando lesões benignas(7) (Figura 12). Figura 12. Ultrassonografia mostrando nódulo sólido, oval, circunscrito, hipoecogênico, com reforço acústico posterior, localizado no quadrante inferomedial da mama esquerda. Realizada biópsia deste nódulo, que demonstrou corresponder a linfoma de células B. A infiltração leucêmica nas mamas é extremamente rara, sendo mais frequente após transplante de medula óssea. Clinicamente, são observados nódulos palpáveis que mamograficamente são redondos, microlobulados e hiperdensos, e hipoecogênicos ou sólido-císticos (complexos) na ultrassonografia(9). METÁSTASES A presença de lesões secundárias na mama é incomum, em razão do seu escasso suprimento arterial. Os principais sítios primários são melanoma, tireoide e ovário. Na mamografia são observados nódulos com características benignas, ou seja, ovais, circunscritos e não calcificados (Figura 13). Na ultrassonografia são encontrados nódulos ovais ou redondos, hipoecogênicos e com reforço acústico posterior, devido à alta celularidade, podendo apresentar calcificações em carcinomas de ovário (Figura 14) ou de tireoide. Os nódulos, geralmente, se localizam nos planos superficiais, frequentemente palpáveis(10). Figura 13. Ultrassonografia mostrando nódulo oval, de margens circunscritas, hipoecogênico, com maior eixo paralelo à pele, localizado no prolongamento axilar esquerdo. Antecedente pessoal de melanoma maligno. Realizada biópsia percutânea desse nódulo, que confirmou o acometimento secundário da mama pelo melanoma. Figura 14. Ultrassonografia demonstrando nódulo redondo, de margens circunscritas, hipoecogênico, com alguns pontos ecogênicos no seu interior (prováveis calcificações), com reforço acústico posterior, localizado no quadrante inferomedial da mama esquerda. Biópsia percutânea desse nódulo mostrou corresponder a uma lesão secundária de um carcinoma de ovário. CONCLUSÃO Embora a mama não seja sítio comum de lesões por afecções sistêmicas, o seu envolvimento pode ocorrer tanto por alterações benignas quanto malignas. O conhecimento das principais alterações encontradas nos exames de imagem da mama pode aumentar o leque de diagnósticos diferenciais de uma alteração iconográfica, e ocasionalmente, evitar um procedimento invasivo desnecessário. REFERÊNCIAS 1. Gouveri E, Papanas N, Maltezos E. The female breast and diabetes. Breast. 2011;20:205–11. 2. Dorokhova O, Fineberg S, Koenigsberg T, et al. Diabetic mastopathy, a clinicopathological correlation of 34 cases. Pathol Int. 2012;62:660–4. 3 Cao MM, Hoyt AC, Bassett LW. Mammographic signs of systemic disease. Radiographics. 2011;31:1085–100. 4. Chadashvili T, Litmanovich D, Hall F, et al. Do breast arterial calcifications on mammography predict elevated risk of coronary artery disease? Eur J Radiol. 2016;85:1121–4. 5. Son EJ, Oh KK, Kim EK, et al. Characteristic imaging features of breast fibroadenomas in women given cyclosporine A after renal transplantation. J Clin Ultrasound. 2004;32:69–77. 6. Dilaveri CA, Mac Bride MB, Sandhu NP, et al. Breast manifestations of systemic diseases. Int J Womens Health. 2012;4:35–43. 7. Bastarrika G, Pina L, Vivas I, et al. Calcified filariasis of the breast: report of four cases. Eur Radiol. 2001;11:1195–7. 8. Masood S, Davis CL, Kubik MJ. The clinical significance of recognizing distinct morphologic features of systemic diseases on breast biopsies. Adv Anat Pathol. 2012;19:217–9. 9. Surov A, Holzhausen HJ, Wienke A, et al. Primary and secondary breast lymphoma: prevalence, clinical signs and radiological features. Br J Radiol. 2012;85:e195–205. 10. Lee SH, Park JM, Kook SH, et al. Metastatic tumors to the breast: mammographic and ultrasonographic findings. J Ultrasound Med. 2000;19:257–62. 1. Departamento de Radiologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil 2. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil Trabalho realizado no Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil Correspondência: Dr. Renato Augusto Eidy Kiota Matsumoto HC-FMUSP – Departamento de Radiologia Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 269, Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil, 05403-010 E-mail: renatoaekm@gmail.com Recebido para publicação em 20/7/2016 Aceito, após revisão, em 6/12/2016 |