Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 47 nº 5 - Set. / Out.  of 2014

EDITORIAL
Print 

Page(s) VII to VIII



O papel da ressonância magnética com o uso do meio de contraste hepatoespecífico na avaliação da lesão hepática focal

Autho(rs): Giuseppe D'Ippolito

PDF Português      

PDF English

Texto em Português English Text

Na última década, a ressonância magnética (RM) com o uso intravenoso do meio de contraste extracelular (por exemplo: Gd-DTPA e Gd-DOTA) tem-se consagrado como a ferramenta de diagnóstico não invasivo de eleição para a avaliação da lesão hepática focal(1-5). Para isto, têm contribuído o fato de dispensar o uso de radiação ionizante, a sua elevada resolução espacial e excelente contraste entre tecidos, a possibilidade de estudar o comportamento vascular da lesão, associada à sua capacidade de detectar a presença de componente adiposo na lesão, além de permitir discernir características teciduais intrínsecas, como o tempo de relaxamento e a distribuição da água na lesão hepática e no parênquima circunstante. Estes aspectos, entre outros, têm feito a RM ser considerada um método de imagem molecular(3).

No entanto, apesar destas indiscutíveis vantagens, a RM apresenta algumas limitações relacionadas à diferenciação de determinadas lesões hepáticas focais que possuem aspectos de imagem semelhantes e condutas distintas, tais como a discriminação entre a hiperplasia nodular focal (HNF) e o adenoma e entre o nódulo displásico e o carcinoma hepatocelular (CHC) em fígado cirrótico(6,7). Os meios de contraste hepatoespecíficos surgiram para contornar estas limitações, e entre eles citamos o ácido gadoxético (Gd-EOB-DTPA)(8,9), recentemente introduzido comercialmente no nosso meio.

O ácido gadoxético (ou gadoxetatodissódico) é um meio de contraste paramagnético, cujo efeito de realce é mediado por um complexo iônico linear formado por gadolínio e o ligante ácido etoxibenzil-dietilenotriamina-pentacético (EOB-DTPA). Em razão da propriedade lipofílica do componente EOB (etoxibenzil) combinada à hidrofílica do DTPA, o ácido gadoxético exibe um modo de ação bifásico ou de distribuição bicompartimental, isto é, após sua injeção intravenosa o composto se distribui no interior dos vasos e no espaço extracelular durante as fases dinâmicas de contrastação hepática (arterial, portal e de equilíbrio) e, posteriormente, sofre captação progressiva pelos hepatócitos normofuncionantes, sendo completamente eliminado pelas vias renal e hepatobiliar, em quantidade equivalente, quando a função destes órgãos se encontra preservada(8-10). Por esta sua característica, o ácido gadoxético é considerado um meio de contraste de ação mista: extracelular e hepatobiliar(9).

Desta maneira, fornece informações não somente relacionadas à contrastação extracelular durante as fases dinâmicas de perfusão hepática, mas também às decorrentes de suas propriedades hepatoespecíficas durante a fase hepatobiliar, o que ocorre entre 10 e 20 minutos após a injeção intravenosa do meio de contraste(11). Assim, o típico realce das lesões hepáticas focais observado na fase dinâmica de perfusão com o uso de meio de contraste extracelular é reproduzido com o uso do ácido gadoxético(11). Além disto, em função da presença do seu componente lipofílico, o meio de contraste é concentrado progressivamente pelo hepatócito, aumentando a intensidade de sinal do parênquima nas imagens ponderadas em T1 em virtude da sua capacidade de encurtamento do tempo de relaxamento T1, ao contrário do que ocorre nas células da maioria dos nódulos hepáticos, por não possuírem hepatócitos (por exemplo: metástases e CHC pouco diferenciado), permitindo, assim, diferenciá-los de nódulos hepatocíticos (por exemplo: a HNF e os nódulos regenerativos e displásicos)(11,12).

Nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado que o uso do ácido gadoxético é seguro(13-15) e permite aumentar a eficácia da RM na detecção ou diferenciação diagnóstica de diversos nódulos hepáticos, entre os quais, metástases, CHC, adenomas e HNF(16-19), com desempenho superior ou complementar ao da tomografia computadorizada e da RM com meio de contraste extracelular(20-22).

Neste sentido, é bem-vinda a publicação do artigo de Francisco et al.(23), neste número da Radiologia Brasileira, que aborda de modo abrangente o papel do ácido gadoxético na avaliação das lesões hepáticas focais. Neste trabalho, os autores introduzem o tema de maneira clara, apontando as principais características, indicações, formas de administração e protocolo de exame otimizado quando o contraste hepatoespecífico (ou hepatobiliar) é adotado, além de descrever sua influência no diagnóstico dos diversos tipos de lesão hepática focal.

Apesar do seu preço ser superior ao dos mais difundidos meios de contraste extracelular, e de ser necessária uma técnica de injeção mais elaborada para obter resultados satisfatórios, acreditamos que, com base nos resultados demonstrados até o presente momento nos numerosos estudos publicados, o uso do ácido gadoxético é seguro e justificado quando é necessário diferenciar o adenoma da HNF e o CHC do nódulo displásico ou quando se procura identificar pequenas lesões malignas (menores que 2,0 cm) primárias ou secundárias. Esperamos que, em breve, as diretrizes elaboradas pelas principais sociedades científicas contemplem o exame de RM com o contraste hepatoespecífico como uma válida alternativa inserida no algoritmo diagnóstico de diversas lesões hepáticas focais(24-26).


REFERÊNCIAS

1. Siegelman ES, Chauhan A. MR characterization of focal liver lesions: pearls and pitfalls. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2014;22:295-313.

2. Heiken JP. Distinguishing benign from malignant liver tumours. Cancer Imaging. 2007;7 Spec No A:S1-14.

3. Bartolozzi C. MR of the liver: from breakthrough to clinical application. Abdom Imaging. 2012;37:154.

4. Galvão BVT, Torres LR, Cardia PP, et al. Prevalence of simple liver cysts and hemangiomas in cirrhotic and non-cirrhotic patients submitted to magnetic resonance imaging. Radiol Bras. 2013;46:203-8.

5. Torres LR, Timbó LS, Ribeiro CMF, et al. Multifocal and metastatic hepatic hemangioendothelioma: case report and literature review. Radiol Bras. 2014;47:194-6.

6. Grazioli L, Bondioni MP, Haradome H, et al. Hepatocellular adenoma and focal nodular hyperplasia: value of gadoxetic acid-enhanced MR imaging in differential diagnosis. Radiology. 2012;262:520-9.

7. Bartolozzi C, Battaglia V, Bargellini I, et al. Contrast-enhanced magnetic resonance imaging of 102 nodules in cirrhosis: correlation with histological findings on explanted livers. Abdom Imaging. 2013;38:290-6.

8. Van Beers BE, Pastor CM, Hussain HK. Primovist, Eovist: what to expect? J Hepatol. 2012;57:421-9.

9. Seale MK, Catalano OA, Saini S, et al. Hepatobiliary-specific MR contrast agents: role in imaging the liver and biliary tree. Radiographics. 2009;29:1725-48.

10. Tanimoto A, Kadoya M, Kawamura Y, et al. Safety and efficacy of a novel hepatobiliary MR contrast agent, Gd-DTPA-DeA: results of phase I and phase II clinical trials. J Magn Reson Imaging. 2006;23:499-508.

11. Ringe KI, Husarik DB, Sirlin CB, et al. Gadoxetate disodium-enhanced MRI of the liver: part 1, protocol optimization and lesion appearance in the noncirrhotic liver. AJR Am J Roentgenol. 2010;195:13-28.

12. Cruite I, Schroeder M, Merkle EM, et al. Gadoxetate disodium-enhanced MRI of the liver: part 2, protocol optimization and lesion appearance in the cirrhotic liver. AJR Am J Roentgenol. 2010;195:29-41.

13. Bluemke DA, Sahani D, Amendola M, et al. Efficacy and safety of MR imaging with liver-specific contrast agent: U.S. multicenter phase III study. Radiology. 2005;237:89-98.

14. Döhr O, Hofmeister R, Treher M, et al. Preclinical safety evaluation of Gd-EOBDTPA (Primovist). Invest Radiol. 2007;42:830-41.

15. Gschwend S, Ebert W, Schultze-Mosgau M, et al. Pharmacokinetics and imaging properties of Gd-EOB-DTPA in patients with hepatic and renal impairment. Invest Radiol. 2011;46:556-66.

16. Bieze M, van den Esschert JW, Nio CY, et al. Diagnostic accuracy of MRI in differentiating hepatocellular adenoma from focal nodular hyperplasia: prospective study of the additional value of gadoxetate disodium. AJR Am J Roentgenol. 2012;199:26-34.

17. Mohajer K, Frydrychowicz A, Robbins JB, et al. Characterization of hepatic adenoma and focal nodular hyperplasia with gadoxetic acid. J Magn Reson Imaging. 2012;36:686-96.

18. Chen L, Zhang J, Zhang L, et al. Meta-analysis of gadoxetic acid disodium (Gd- EOB-DTPA)-enhanced magnetic resonance imaging for the detection of liver metastases. PLoS One. 2012;7:e48681.

19. Liu X, Zou L, Liu F, et al. Gadoxetic acid disodium-enhanced magnetic resonance imaging for the detection of hepatocellular carcinoma: a meta-analysis. PLoS One. 2013;8:e70896.

20. Kim SH, Kim SH, Lee J, et al. Gadoxetic acid-enhanced MRI versus triple-phase MDCT for the preoperative detection of hepatocellular carcinoma. AJR Am J Roentgenol. 2009;192:1675-81.

21. Sofue K, Tsurusaki M, Murakami T, et al. Does gadoxetic acid-enhanced 3.0T MRI in addition to 64-detector-row contrast-enhanced CT provide better diagnostic performance and change the therapeutic strategy for the preoperative evaluation of colorectal liver metastases? Eur Radiol. 2014;28. [Epub ahead of print].

22. Haimerl M, Wächtler M, Platzek I, et al. Added value of Gd-EOB-DTPA-enhanced Hepatobiliary phase MR imaging in evaluation of focal solid hepatic lesions. BMC Med Imaging. 2013;13:41.

23. Francisco FAF, Araujo ALE, Oliveira Neto JA, et al. Hepatobiliary contrast agents: differential diagnosis of focal hepatic lesions, pitfalls and other indications. Radiol Bras. 2014;47:301-9.

24. Ichikawa T, Sano K, Morisaka H. Diagnosis of pathologically early HCC with EOBMRI: experiences and current consensus. Liver Cancer. 2014;3:97-107.

25. Kudo M, Matsui O, Sakamoto M, et al. Role of gadolinium-ethoxybenzyl-diethylene-triaminepentaacetic acid-enhanced magnetic resonance imaging in the management of hepatocellular carcinoma: consensus at the Symposium of the 48th Annual Meeting of the Liver Cancer Study Group of Japan. Oncology. 2013;84 Suppl 1:21-7.

26. Lee JM, Zech CJ, Bolondi L, et al. Consensus report of the 4th International Forum for Gadolinium-Ethoxybenzyl-Diethylenetriamine Pentaacetic Acid Magnetic Resonance Imaging. Korean J Radiol. 2011;12:403-15.










Livre-docente, Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), Médico Radiologista do Laboratório Fleury - Hospital São Luiz, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: giuseppe_dr@uol.com.br
 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554