ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Bruno Beraldo Oliveira1; Arnaldo Prata Mourão2; Teógenes Augusto da Silva3 |
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Descritores: Perfis de kerma; Tomografia computadorizada; Filmes radiocrômicos; MSAD. |
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Resumo: INTRODUÇÃO
O principal objetivo da dosimetria de paciente em tomografia computadorizada (TC) é determinar as grandezas dosimétricas para o estabelecimento e utilização dos níveis de referência de diagnóstico (NRD), além da avaliação de risco. Em muitas situações, é de interesse fazer medições dretamente, no entanto, é preferível fazer medições usando um objeto simulador de paciente(1). Na prática clínica, as doses dos pacientes são especificadas usando as medições realizadas nos objetos simuladores padrão para dosimetria em TC. O índice de kerma (Ca,100) e o índice de kerma ponderado (CW) são as grandezas dosimétricas básicas utilizadas em TC. O Ca,100, medido livre no ar para uma única rotação do tubo de raios X do tomógrafo, é o quociente da integral do kerma no ar ao longo de uma linha paralela ao eixo de rotação para um comprimento de 100 mm e a espessura nominal do corte. A notação CPMMA,100 é utilizada quando as medições forem feitas dentro de simuladores de polimetilmetacrilato (PMMA). O CW combina o valor de CPMMA,100 medido no centro com o valor médio das quatro posições periféricas do simulador. O CW é utilizado em combinação com os parâmetros da varredura para calcular o índice de kerma volumétrico (CVOL), que fornece uma melhor média de volume. O produto kerma no ar comprimento (PKL,CT) é determinado para um exame completo de TC, sendo análogo ao produto dose comprimento introduzido pela Comissão Europeia(2). A dose média em cortes múltiplos (MSAD - multiple scan average dose) também tem sido utilizada para dosimetria em equipamentos de TC brasileiros(3) e está intimamente relacionada com o CVOL(1). Por recomendações internacionais(4), o Brasil introduziu na sua legislação NRD em termos de MSAD. Estes valores adotados são 50 mGy para a cabeça, 35 mGy para coluna lombar e 25 mGy para o abdome em um adulto típico(3). Os NRDs devem ser usados para o controle de qualidade de tomógrafos para otimizar os procedimentos quando as doses excederem os valores especificados(3). A importância de aprimorar os métodos de dosimetria e de proteção radiológica tem sido o objetivo de uma série de estudos recentes publicados por autores nacionais em variadas áreas(5-11). Em TC, as medições de grandezas dosimétricas são realizadas com uma câmara de ionização tipo lápis calibrada; estudos anteriores também sugeriram o uso de dosímetros termoluminescentes (TL)(12,13) e filmes radiocrômicos(12,14-16) para obter os perfis de kerma e calcular os valores de MSAD a partir desses materiais alternativos para dosimetria em TC. Vários outros estudos(17-20) estabeleceram a resposta à dose e à dependência energética dos filmes radiocrômicos, modelo XR-CT, designados para medições em TC. A proposta deste estudo foi estimar a MSAD de três protocolos de imagem padrão para exames de abdome de TC com diferentes valores de passo (pitch), a fim de verificar a viabilidade de filmes radiocrômicos como material alternativo à câmara de ionização e dosímetros TL. Os resultados de MSAD calculados a partir dos perfis de kerma obtidos foram comparados com o valor estabelecido pela legislação brasileira, a fim de realizar uma análise crítica deste NRD. MATERIAIS E MÉTODOS As medições foram realizadas utilizando tiras de filme radiocrômico Gafchromic XR-CT de 100 mm x 9 mm em um tomógrafo GE Bright Speed de quatro canais em um hospital de Belo Horizonte, MG. A confiabilidade metrológica dos filmes radiocrômicos foi demonstrada por meio de testes de homogeneidade e repetibilidade e pela sua calibração em uma radiação de referência específica para TC (RQT9), que foi reproduzida no Laboratório de Calibração do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN). As calibrações dos filmes e as medições foram obtidas em um objeto simulador de abdome de PMMA com 320 mm de diâmetro e 150 mm de comprimento, que possui cinco furos paralelos em profundidade (um no centro e os outros na periferia, correspondendo às posições de 3h00, 6h00, 9h00 e 12h00). Para a calibração, tiras dos filmes radiocrômicos foram inseridas dentro da capa da câmara(16) e posicionadas dentro dos furos do objeto simulador, reproduzindo exatamente a posição da câmara de ionização 10X5-3CT tipo lápis de 100 mm da Radcal Corporation, calibrada conforme procedimentos estabelecidos(21). Os resultados obtidos foram comparados a fim de obter os respectivos coeficientes de calibração. O objeto simulador com filmes radiocrômicos inseridos foi posicionado no isocentro do tomógrafo (Figura 1). Figura 1. Posicionamento do objeto simulador no isocentro do tomógrafo. Um topograma (scout) foi realizado para verificar o posicionamento dos materiais e delimitar a área de irradiação ao comprimento do simulador. Uma única rotação do tomógrafo foi selecionada e a irradiação foi realizada com o protocolo de imagem padrão para o abdome de um adulto no centro da capa da câmara, ou seja, onde estaria a região sensível da câmara de ionização. Os parâmetros utilizados foram: 120 kV, 4 cortes de 2,5 mm e 242,4 mA.s. Para as medições, a capa da câmara foi substituída por novas tiras de filmes radiocrômicos posicionadas ao longo dos cilindros de PMMA (Figura 2) e distribuídas no centro e nos quatro orifícios periféricos do simulador. Os parâmetros utilizados foram: I) 120 kV, 4 cortes de 2,5 mm, 242,4 mA.s e pitch de 0,75; II) 120 kV, 4 cortes de 2,5 mm, 240,0 mA.s e pitch de 1,50; III) 120 kV, 2 cortes de 0,625 mm, 80,0 mA.s e pitch de 1,00. Estes parâmetros foram adquiridos com base em um estudo no próprio hospital para alteração de protocolos de imagem, objetivando a redução de dose e utilização de pitch igual a 1,00. Figura 2. Posicionamento da tira de filmes radiocrômicos no cilindro de PMMA. Os filmes expostos foram digitalizados com o scanner Microtek ScanMaker 9800XL no modo de reflexão. Os parâmetros de digitalização utilizados foram: modo RGB (48 bits por cor) e 300 dpi. O canal vermelho foi selecionado para a calibração porque estes filmes radiocrômicos têm um pico de absorção principal na região do vermelho do espectro visível (636 nm). As MSADs foram calculadas a partir dos valores das integrais definidas obtidas no centro do objeto simulador para os três protocolos com diferentes valores de pitch. Os limites de integração utilizados foram correspondentes ao comprimento dos filmes radiocrômicos (100 mm). RESULTADOS Todas as medições foram convertidas para valores de kerma no PMMA, usando a razão entre os coeficientes de atenuação do ar e do PMMA, sendo esta razão aproximadamente igual a 1,07(22). Os filmes radiocrômicos apresentaram homogeneidade de 6,9% e repetibilidade de 4,3%. Os seus coeficientes de calibração em termos de kerma no ar para RQT9 (120 kV) são mostrados na Tabela 1. Os perfis de kerma ao longo do eixo longitudinal, nas cinco regiões onde os cilindros foram inseridos nos orifícios do objeto simulador utilizando três diferentes parâmetros de varredura, são mostrados nas Figuras 3 a 7. A incerteza expandida relativa calculada (k = 2,03) para as medições utilizando os filmes radiocrômicos é aproximadamente 5,2%. Os valores de MSAD calculados foram 13,6 ± 0,7, 13,5 ± 0,7 e 18,7 ± 1,0 mGy para os três protocolos de imagem com valores de pitch de 0,75, 1,00 e 1,50, respectivamente. Figura 3. Perfis de kerma da região 12h00 para três diferentes parâmetros. Figura 4. Perfis de kerma da região 3h00 para três diferentes parâmetros. Figura 5. Perfis de kerma da região 6h00 para três diferentes parâmetros. Figura 6. Perfis de kerma da região 9h00 para três diferentes parâmetros. Figura 7. Perfis de kerma da região central para três diferentes parâmetros. DISCUSSÃO Os filmes radiocrômicos Gafchromic XR-CT são uma boa alternativa para avaliações de dose. Estes filmes são insensíveis à luz visual e escurecem por exposição à radiação ionizante, sendo a mudança do tom de cor relacionada com as doses de radiação(15,20). Esta característica facilita a visualização de regiões de irradiação, em virtude dos diferentes valores de pitch utilizados nos protocolos de imagem padrão. As curvas oscilatórias, com alturas de pulso de até 10 mGy, foram observadas nas medições periféricas do objeto simulador, dependendo do valor de pitch utilizado nos protocolos. As regiões periféricas do objeto simulador apresentaram valores de kerma mais elevados do que a região central, em razão da elevada atenuação dos raios x através do simulador. A região 6h00 teve a menor dose, em comparação com outras regiões periféricas, devido à atenuação do feixe provocada pela mesa do tomógrafo. Os valores de MSAD estão relacionados com as características dos equipamentos, além de seus respectivos desempenhos nos testes de controle de qualidade e dos protocolos adotados em cada serviço(23). As MSADs obtidas evidenciam que há uma redução de dose quando se adota o protocolo I em vez do II, devido, principalmente, ao valor de pitch utilizado (pitch = 0,75). Ao adotar o protocolo III, o valor de dose reduz um pouco mais, em função novo valor de pitch (pitch = 1,00) e principalmente da redução do valor de carga, que acarreta em um aumento na vida útil do tubo de raios X, reduzindo os custos da instituição(24). Fica evidente que os protocolos de exames de TC deveriam utilizar valores reduzidos de tensão e carga, desde que haja manutenção da qualidade de imagem propiciando um diagnóstico médico seguro utilizando valores de doses tão baixos quanto razoavelmente exequíveis(3,25). Apesar de os valores de MSAD calculados mostrarem valores menores que o NRD de 25 mGy estabelecido pela legislação brasileira para exames de abdome(3), eles sugerem que há espaço para otimização dos procedimentos, considerando também a necessidade de uma adequada avaliação na qualidade de imagem para cada protocolo. CONCLUSÕES As vantagens dos filmes radiocrômicos para as medições de perfil kerma são: a leitura contínua, que facilita a observação das curvas oscilatórias em razão dos diferentes valores de pitch utilizados; o fácil manuseio, que impede uma grande interrupção nos exames das práticas clínicas; e a incerteza aceitável (~ 5,2%). Portanto, estes materiais parecem ser adequados para as medições de controle de qualidade em TC, embora possuam custo elevado e não são reutilizáveis. Os resultados de MSAD obtidos sugerem a necessidade da revisão do NRD para abdome, pois seu valor está muito elevado e pode não estar representando a realidade dos exames brasileiros. Os valores de MSAD sugerem ainda que seria melhor adotar um protocolo de imagem padrão usando um valor de pitch igual ou próximo de 1 e valores reduzidos de carga a fim de reduzir as doses, evitar regiões diferentemente irradiadas e aumentar a vida útil do tubo de raios X. Seria mais adequado adotar, juntamente com os valores estabelecidos de MSAD, os NRDs em termos das demais grandezas dosimétricas para TC. O conhecimento destes valores seria importante para a otimização dos procedimentos clínicos, além de facilitar a comparação com os valores recomendados internacionalmente. Considerando a importância da otimização, além do cálculo das grandezas dosimétricas deveria ser feita uma avaliação na qualidade da imagem para cada protocolo. Visto que estes materiais ainda não foram utilizados para dosimetria em radiologia no Brasil, este trabalho contribui para disseminar a hospitais e radiologistas o procedimento para o cálculo das MSAD a partir dos perfis de kerma medidos com filmes radiocrômicos. Agradecimentos Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa de mestrado do Bruno Beraldo Oliveira. Este trabalho foi apoiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Metrologia das Radiações em Medicina. REFERÊNCIAS 1. International Atomic Energy Agency. Dosimetry in diagnostic radiology: an international code of practice. Technical Reports Series no. 457. Vienna: IAEA; 2007. 2. European Commission. European guidelines for quality criteria for computed tomography. EUR 16262 EN. Luxembourg: European Commission; 2000. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº 453, de 01 de junho de 1998. Diretrizes de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico. Brasília, DF: Diário Oficial da União; 02 de junho de 1998. 4. International Atomic Energy Agency. International basic safety standards on protection against ionizing radiation and for safety of radiation sources. Safety Series No. 115. Vienna: International Atomic Energy Agency; 1996. 5. Silva MSR, Khoury HJ, Borrás C, et al. Dosimetria de pacientes e médicos em intervenções coronárias percutâneas em Recife, Pernambuco, Brasil. Radiol Bras. 2011;44:90-6. 6. Soares FAP, Pereira AG, Flôr RC. Utilização de vestimentas de proteção radiológica para redução de dose absorvida: uma revisão integrativa da literatura. Radiol Bras. 2011;44:97-103. 7. Sabino T, Rodrigues LN, Furnari L, et al. Caracterização dosimétrica de feixes de fótons com detector de diamante. 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Radiol Bras. 2010;43:241-8. 1. Mestre, Estudante de Doutorado do Curso de Ciência e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), Belo Horizonte, MG, Brasil. 2. Doutor, Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Belo Horizonte, MG, Brasil. 3. Doutor, Professor Pesquisador Titular da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Belo Horizonte, MG, Brasil. Endereço para correspondência: Bruno Beraldo Oliveira Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN/CNEN) Avenida Presidente Antônio Carlos, 6627, Campus UFMG, Pampulha Belo Horizonte, MG, Brasil, 31270-901 E-mail: bbo@cdtn.br Recebido para publicação em 2/10/2012. Aceito, após revisão, em 10/1/2013. * Trabalho realizado na Pós-graduação em Ciências e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (CDTN/CNEN), Belo Horizonte, MG, Brasil. |