INTRODUÇÃO
A avaliação do sistema musculoesquelético por métodos de imagem tem sido motivo de uma série de publicações recentes na literatura radiológica nacional(1-10).
A síndrome da interseção do antebraço (SIA) é o processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (extensor radial curto do carpo e extensor radial longo do carpo), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades que exigem a flexão e extensão repetidas do punho(11-13).
Clinicamente caracteriza-se por dor na face dorsal do antebraço e do punho e edema proximal ao tubérculo de Lister. Um exame físico bem realizado e uma história clínica adequada limitam as possibilidades a um número relativamente pequeno de diagnósticos diferenciais, sendo o principal a tenossinovite de De Quervain. A ressonância magnética (RM) é ferramenta fundamental para o diagnóstico desta síndrome frequente e pouco diagnosticada(11-13).
Os autores apresentam, na forma de ensaio iconográfico, os achados de imagem por RM e discutem os diagnósticos diferenciais mais importantes.
PROTOCOLOS DE RM
Os exames foram realizados em aparelhos de 1,5 T (Magnetom Avanto; Siemens Medical Systems, Erlagen, Alemanha) e 3 T (Magnetom Trio; Siemens Medical Systems, Erlagen, Alemanha), com bobinas de superfície.
As sequências de pulso usadas foram axial e coronal T1, bem como axial, coronal e sagital DP com supressão de gordura. Eventualmente foram obtidas sequências em axial T1 com supressão de gordura antes e após injeção intravenosa de contraste paramagnético (gadolínio, 0,1 mmol/kg de peso).
ANATOMIA (Figuras 1, 2 e 3)
Figura 1. Desenho esquemático da anatomia dos músculos do antebraço envolvidos na síndrome de interseção. Ventre muscular em vermelho e origem e inserção dos músculos em rosa. Da esquerda para a direita: extensor radial curto do carpo, extensor radial longo do carpo, extensor curto do polegar e abdutor longo do polegar. Asterisco: extensor longo do polegar.
Figura 2. Sequências pesadas em T1 no plano axial ao nível do terço distal do antebraço no primeiro cruzamento dos tendões extensores. Os músculos abdutor longo do polegar e extensor curto do polegar (seta) cruzam (seta tracejada) os extensores radial longo do carpo (asterisco branco) e radial curto do carpo (asterisco branco duplo). Marcador cutâneo (asterisco preto).
Figura 3. Sequências pesadas em DP com supressão de gordura no plano sagital oblíquo demonstrando o cruzamento (seta) dos tendões do primeiro e segundo compartimentos.
Os músculos extensor radial longo do carpo (ERLC) e extensor radial curto do carpo (ERCC) agem sinergicamente com os flexores dos dedos para a flexão do punho. O primeiro recobre o segundo e origina-se da crista supracondilar do úmero, mas, algumas fibras provêm do tendão extensor comum do antebraço. Termina em um tendão achatado, que segue profundamente aos músculos extensores profundos do antebraço, abdutor longo do polegar (ALP) e extensor curto do polegar (ECP). O ERCC origina-se do epicôndilo lateral do úmero por um tendão comum com o músculo extensor comum dos dedos e termina em um tendão achatado que acompanha o ERLC. Insere-se na superfície dorsal da base do segundo e terceiro metacarpos. Estes dois tendões atravessam o mesmo compartimento do retináculo dos extensores em uma única bainha sinovial e podem apresentar desdobramentos em dois ou três fascículos ou podem ainda se unir ou trocar fascículos musculares(14).
Entre os músculos extensores profundos do antebraço e que são de especial interesse para a SIA estão o ALP e o ECP. O ALP origina-se da superfície posterior da diáfise da ulna, abaixo do ancôneo, da membrana interóssea e do terço médio da superfície posterior do rádio e segue inferolateralmente, tornando-se superficial na parte distal do antebraço, visível como um relevo oblíquo. Termina em um tendão que se torna desprovido de fibras musculares proximalmente ao punho, que corre em um sulco lateral acompanhado pelo tendão do ECP. O tendão se desdobra geralmente em dois componentes, um que se insere no lado radial da base do primeiro metacarpo, e o outro no trapézio. O ECP fica medial e inferiormente ao ALP e origina-se da superfície posterior do rádio. Sua direção é semelhante à do ALP e seu tendão se insere na superfície dorsal da base da falange proximal do polegar. No terço inferior do antebraço o ALP e o ECP tornam-se superficiais, depois cruzam obliquamente os tendões dos extensores radiais do carpo, cobrem a terminação do músculo braquiorradial e atravessando o compartimento mais lateral do retináculo dos extensores em uma bainha sinovial única, cruzam superficialmente o processo estiloide do rádio e a artéria radial(14).
DISCUSSÃO
A SIA, uma causa pouco diagnosticada de dor na face dorsal do punho, é um processo inflamatório não infeccioso da face dorsal do antebraço, cerca de 4 a 8 cm proximal ao processo de Lister(12,13). Também conhecida como peritendinite crepitante, síndrome do cruzamento, perimiosite subcutânea, bursite do abdutor longo do polegar, síndrome do abdutor longo do polegar, punho do esquiador e antebraço do remador, entre outras(11-16), foi descrita por Velpeau em 1841, porém o termo "síndrome da intersecção" foi introduzido por Dobyns et al. em 1978 e definida como processo inflamatório dos tendões do segundo compartimento extensor do antebraço (ERCC e ERLC), geralmente provocado por trauma local direto ou atividades que exigem a flexão e extensão repetitivas do punho. Estas atividades podem ser esportivas, tais como remo, canoagem, esportes com raquetes, levantamento de peso, esqui e hipismo, ou atividades laborativas como agricultores, carpinteiros e secretárias(13). É mais prevalente em adultos jovens (idade média de 39,3 anos), sem predileção por sexo(12). Sua fisiopatogenia é incerta, porém duas teorias foram descritas. A primeira delas, proposta por Howard em 1937, relata que a fricção entre os ventres musculares do ALP e ECP e a bainha sinovial do segundo compartimento seria a responsável pela gênese da doença (Figura 4). A outra teoria, descrita em 1985 por Grundberg et al., sugeriu que a gênese do processo estaria em uma tenossinovite estenosante do segundo compartimento dorsal, com extensão do processo inflamatório para as partes moles adjacentes(13,16).
Figura 4. Desenho esquemático da anatomia do antebraço indicando o ponto de interseção (circulo) dos tendões dos músculos extensor radial longo e extensor radial curto do carpo (em laranja) com os tendões dos músculos abdutor longo do polegar e extensor curto do polegar (em verde), e seus trajetos pelo retináculo dos extensores (asterisco).
O quadro clínico típico inclui sinais flogísticos na face dorsal do punho, tipicamente entre 4-8 cm proximal ao tubérculo de Lister, com limitação funcional, e crepitação aos movimentos do punho presentes nos casos mais severos(11-13).
A ultrassonografia e a RM são métodos extensamente aplicados, em atletas ou não, para avaliação das lesões musculoesqueléticas(17-19). Na SIA a RM é o principal método diagnóstico e os achados incluem edema peritendíneo circundando o primeiro e o segundo compartimentos extensores, ao nível do seu cruzamento, com líquido ao redor dos tendões e em suas bainhas ou entre elas, notadamente ao nível do ponto de intersecção (Figuras 5 e 6). Achados adicionais incluem tendinose e edema muscular e subcutâneo(11). O uso de gadolínio é questionável, visto que as sequências pesadas em T2 facilmente identificam os achados da síndrome da intersecção, no entanto, quando utilizado, o realce peritendíneo é intenso(11-13,20). É importante o uso de marcadores cutâneos e a extensão do campo de estudo (FOV) proximalmente cobrindo a área de interseção(11-13,20). O plano axial é o principal plano de estudo para o diagnóstico(12,13), porém, um plano sagital oblíquo orientado para a interseção tendínea oferece mais detalhes que o plano sagital padrão(12,13).
Figura 5. Síndrome de interseção do antebraço. Paciente masculino, 30 anos de idade, tenista, apresentando aumento focal das partes moles do antebraço distal. Sequência pesadas em DP com supressão de gordura no plano axial mostra edema subcutâneo e peritendíneo no ponto de interseção dos tendões do primeiro e segundo compartimentos extensores (seta).
Figura 6. Síndrome de interseção do antebraço. Paciente masculino, 55 anos de idade, nadador, apresentando dor e edema na superfície dorsal do antebraço. Sequência pesada em DP com supressão de gordura no plano axial mostra marcado edema das partes moles peritendíneas (setas), bem como a presença de coleção líquida (asteriscos) no ponto de interseção dos tendões do primeiro e segundo compartimentos extensores.
O principal diagnóstico diferencial é a tenossinovite de De Quervain (Figura 7), uma tenossinovite estenosante do primeiro compartimento extensor, que geralmente ocorre vários centímetros abaixo do ponto de cruzamento tendíneo. O teste de Finkelstein ao exame físico é patognomônico desta afecção. Os achados à RM descritos por Glajchen et al. incluem o aumento da espessura do tendão dentro do primeiro compartimento extensor ao nível da extremidade distal do rádio e aumento de sinal no interior da bainha sinovial, indicando tenossinovite. Edema subcutâneo é encontrado em alguns pacientes(20).
Figura 7. Desenho esquemático do diagnóstico diferencial topográfico entre a síndrome de interseção (A) e a tenossinovite de De Quervain (B).
Outras situações consideradas no diagnóstico diferencial incluem lesões ligamentares, tendinose, tenossinovites, gânglions císticos, tumores de partes moles, infecção, síndrome de Wartemberg (neuropatia do ramo sensitivo do radial), celulite e estiramentos musculares(11-13).
O tratamento é inicialmente conservador com anti-inflamatórios não esteroides. Cirurgia para descomprimir a área de intersecção só é realizada em pacientes refratários ao tratamento conservador(13,15).
CONCLUSÃO
A RM é o método de imagem de escolha no estudo da SIA e seus diagnósticos diferenciais, uma vez que a avaliação clínica usualmente não é diagnóstica. Os radiologistas devem estar atentos a alguns cuidados durante a realização do exame e aos achados típicos que caracterizam a SIA.
REFERÊNCIAS
1. Chojniak R, Grigio HR, Bitencourt AGV, et al.Biópsia percutânea por agulha grossa de tumores de partes moles guiada por tomografia computadorizada: resultados e correlação com análise da peça cirúrgica. Radiol Bras. 2012;45:259-62.
2. Cotta AC, Melo RT, Castro RCR, et al. Dificuldades diagnósticas no osteoma osteoide do cotovelo: estudo clínico, radiológico e histopatológico. Radiol Bras. 2012;45:13-9.
3. Tavares Júnior WC, Faria FM, Figueiredo R, et al. Fadiga óssea: causa de dor em joelhos na osteoartrite. Radiol Bras. 2012;45:273-8.
4. Moura MVT. Interposição de fragmento periosteal na fratura da placa epifisária femoral distal: estudo por ressonância magnética. Radiol Bras.2012;45:184-6.
5. Ribeiro DS, Araújo Neto C, D'Almeida F, et al.Achados de imagem das alterações musculoesqueléticas associadas ao lúpus eritematoso sistêmico. Radiol Bras. 2011;44:52-8.
6. Nunes RB, Amaral DT, Oliveira VS. Propedêutica radiológica do impacto femoroacetabular em tempos de tomografia computadorizada e ressonância magnética: o que o radiologista precisa saber. Radiol Bras. 2011;44:249-55.
7. Simão MN, Nogueira-Barbosa MH. Ressonância magnética na avaliação das variações anatômicas meniscais e da anatomia ligamentar perimeniscal: potenciais causas de erro de interpretação. Radiol Bras. 2011;44:117-22.
8. Simão MN, Helms CA, Richardson WJ. Magnetic resonance imaging findings of disc-related epidural cysts in nonsurgical and postoperative microdiscectomy patients. Radiol Bras. 2012;45:205-9.
9. Jacob Jr C, Barbosa DM, Batista PR, et al. Fratura toracolombar do tipo explosão: o que o radiologista deve conhecer. Radiol Bras. 2012;45:101-4.
10. Grassi CG, Diniz FV, Garcia MRT, et al. Aspectos de imagem na tendinite calcária pré-vertebral. Radiol Bras. 2011;44:327-30.
11. Costa CR, Morrinson WB, Carrino JA. MRI features of intersection syndrome of the forearm. AJR Am J Roentgenol. 2003;181:1245-9.
12. Lee RP, Hatem SF, Recht MP. Extended MRI findings of intersection syndrome. Skeletal Radiol. 2009;38:157-63.
13. de Lima JE, Kim HJ, Albertotti F, et al. Intersection syndrome: MR imaging with anatomic comparison of the distal forearm. Skeletal Radiol. 2004;33:627-31.
14. Caetano MBF, Albertoni WM, Caetano EB. Estudo anatômico das inserções distais do tendão extensor longo do polegar. Acta Ortop Bras. 2004;12:118-24.
15. Hanlon DP, Luellen JR. Intersection syndrome: a case report and review of the literature. J Emerg Med. 1999;17:969-71.
16. Parellada AJ, Gopez AG, Morrison WB, et al. Distal intersection tenosynovitis of the wrist: a lesserknown extensor tendinopathy with characteristic MR imaging features. Skeletal Radiol. 2007;36:203-8.
17. Barbosa LH, Gil Coury HJC. A atividade do médico ultra-sonografista apresenta riscos para o sistema músculo-esquelético? Radiol Bras. 2004;37:187-91.
18. Silva HR, Simão MN, Elias Jr J, et al. Diagnóstico por imagem nas síndromes do estalido ou do ressalto. Radiol Bras. 2009;42:49-55.
19. Cunha GM, Marchiori E, Ribeiro EJ. Avaliação ultra-sonográfica da articulação do ombro em nadadores de nível competitivo. Radiol Bras. 2007;40:403-8.
20. Timins ME, O'Connell SE, Erickson SJ, et al. MR imaging of the wrist: normal findings that may simulate disease. Radiographics, 1996;16:987-95.
1. Médico Radiologista da Clínica Medimagem, Cachoeiro de Itapemirim, ES, Brasil.
2. Médicos Radiologistas da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI)/MD.X, Rio de Janeiro, RJ, e do Centro de Diagnóstico por Imagem Fátima Digittal, Nova Iguaçu, RJ, Brasil.
3. Médica Radiologista da Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência:
Dr. Claudio Marcio Amaral de Oliveira Lima
CDPI/MD.X Barra Medical Center
Avenida das Américas, 6205, Loja G e subsolo, Barra da Tijuca
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22793-080
E-mail: cmaolima@gmail.com/antoniocoutinhojr@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 6/11/2012.
Aceito, após revisão, em 21/12/2012.
* Trabalho realizado na Clínica de Diagnóstico Por Imagem (CDPI)/MD.X, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.