Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 45 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2012

RELATO DE CASO
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Page(s) 238 to 240



Osteomielite de punho em paciente com paracoccidioidomicose disseminada: uma rara apresentação

Autho(rs): Juliana Santos Bayerl1; André Ribeiro Nogueira de Oliveira2; Paulo Mendes Peçanha3; Aloísio Falqueto4

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Texto em Português English Text

Descritores: Paracoccidioidomicose; Micose endêmica; Osteomielite.

Keywords: Paracoccidioidomycosis; Endemic mycosis; Osteomyelitis.

Resumo:
Paracoccidioidomicose é a micose sistêmica endêmica mais frequente no Brasil. No início, o paciente não desenvolve sintomas. Com a progressão da doença, o indivíduo pode apresentar envolvimento disseminado, sendo que o acometimento ósseo é extremamente raro. O objetivo deste artigo é avaliar as alterações ósseas encontradas em estudos de imagem em um paciente com osteomielite de punho decorrente de paracoccidioidomicose disseminada.

Abstract:
Paraccocidioidomycosis is the most frequently found endemic systemic mycosis in Brazil. No symptoms are observed in the early phases of the disease. As the disease progresses, the patient may present disseminated involvement, but bone involvement is extremely rare. The present report is aimed at evaluating bone changes found on imaging studies in a patient with osteomyelitis of the wrist as a result of disseminated paracoccidioidomycosis.

INTRODUÇÃO

Paracoccidioidomicose é a micose sistêmica endêmica mais frequente na América Latina(1,2). É adquirida pela inalação de partículas infectadas que alcançam os pulmões, desenvolvendo a infecção primária. No início, o paciente não desenvolve sintomas ou estes se apresentam de forma leve e inespecífica. Com a progressão da doença, o indivíduo apresenta envolvimento grave de diversos órgãos, como pele, mucosas, pulmão e ossos. Esta infecção pode evoluir para a forma disseminada, porém ocorre em apenas 3-5% dos casos(3).

O objetivo deste artigo é avaliar as alterações ósseas encontradas em estudos de imagem em um paciente com osteomielite de punho secundária a paracoccidioidomicose disseminada e contribuir para o diagnóstico e tratamento precoces desta doença incapacitante.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, com 59 anos, lavrador, tabagista de longa data, foi atendido em um pronto-socorro da cidade de Vitória, ES, com relato de dispneia progressiva há três meses, lesões ulcerativas de pele e mucosas, associadas a dor e aumento de partes moles no punho direito, com drenagem de secreção serossanguinolenta. Ao exame físico foram encontradas linfonodomegalias cervical e axilar, lesões ulcerativas na mucosa oral e região dorsal, além de importante aumento volumétrico do punho direito.

Foi realizada radiografia de tórax, que evidenciou opacidades difusas e confluentes nos terços médios dos campos pulmonares e opacidades fibrocicatriciais nas bases pulmonares. Uma radiografia de punho direito mostrou discreta redução da densidade óssea na ulna distal (Figura 1A).


Figura 1. Radiografias simples de punho. A: Primeira radiografia do punho direito mostra discreta redução da densidade óssea na ulna distal e espaços articulares preservados. B,C: Radiografias nas incidências anteroposterior e perfil do punho obtidas um mês após identificam evidente área lítica ulnar distal.



Em vista dos achados radiográficos, o paciente foi tratado com antibióticos e encaminhado ao centro de doenças infecto-parasitárias do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes. Um mês após o tratamento, foram realizadas novas radiografias de punho direito, tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax, sorologia para fungos e citologia da secreção do punho. Na citologia foi observado grande número de fungos, compatíveis com Paracoccidioides brasiliensis.

A radiografia de punho mostrou área lítica na ulna distal (Figura 1B,C). Foi realizada ressonância magnética (RM) do punho, que demonstrou importante acometimento da medular óssea na ulna distal, formação de abscesso ósseo e trajeto fistuloso, com acometimento da musculatura e do subcutâneo adjacente e intenso realce após contraste (Figura 2). Na TCAR do tórax observaram-se múltiplas consolidações nos terços médios e inferiores dos pulmões, espessamento septal, nódulos cavitados e espessamento de paredes brônquicas (Figura 3). Cintilografias com tecnécio e gálio foram realizadas, confirmando doença em atividade nos pulmões e punho direito (Figura 4). Não havia captação em outros ossos ou no sistema nervoso central.


Figura 2. RM do punho direito. A,B: Imagens nos planos coronal e axial T1 mostram sinal intermediário na medula óssea da ulna distal, com destruição cortical e trajeto fistuloso. C: Imagem no plano coronal T2 revela importante edema da medula óssea e extensão do processo infeccioso às partes moles. D: Imagem no plano coronal T1 pós-contraste demonstra realce da medular óssea, bem como da musculatura e do subcutâneo adjacentes.


Figura 3. TCAR de tórax mostra opacidades confluentes bilaterais nos campos pulmonares, nódulos cavitados e espessamento de paredes brônquicas.


Figura 4. Cintilografia e citologia do punho direito. A,B: Citologia da secreção do punho direito mostra grande número de fungos, compatíveis com Paracoccidioides brasiliensis. C: Captação significativa do radiofármaco no punho distal, indicando doença em atividade.



O paciente foi internado e tratado inicialmente com anfotericina B. Após melhora dos sintomas respiratórios e redução do componente de partes moles do punho direito, recebeu alta com sulfametoxazoltrimetoprim, mantendo acompanhamento regular no ambulatório.


DISCUSSÃO

A paracoccidioidomicose acomete principalmente adultos na fase mais produtiva da vida, ocasionando grande impacto social e econômico. Mais de 90% ocorre no sexo masculino(1,4) e configura importante problema de saúde pública, por causa do seu alto potencial incapacitante e alta mortalidade nos casos disseminados(4,5). Não há dados epidemiológicos precisos sobre a doença no Brasil, pelo fato de a doença não ser de notificação compulsória(6).

A paracoccidioidomicose pode manifestar-se em diversos órgãos, principalmente pulmões, pele, mucosas e linfonodos. O pulmão é o órgão mais acometido(7), sendo observadas alterações radiográficas em 60% nos casos agudos e em até 80% nos casos crônicos(8). As alterações pulmonares mais comuns são as pequenas opacidades e geralmente há distribuição bilateral e simétrica das lesões(4). O acometimento ósseo é extremamente raro(3,9-11).

Tipicamente, apresenta-se como uma área lítica bem definida, com ou sem halo de esclerose, podendo acometer qualquer osso, com ou sem envolvimento de partes moles. Geralmente é multifocal. O diagnóstico diferencial inclui outras doenças infecciosas, como osteomielite bacteriana crônica e tuberculose, e tumores primários ou metastáticos, como linfoma e osteossarcoma.

A localização da doença é consequência da disseminação hematogênica. Foi descrita inicialmente por Pereira e Vianna em 1911, em um caso com múltiplas lesões ósseas, incluindo esterno, costelas, crânio, tíbia, articulação esternoclavicular e ombro. Há poucos casos de comprometimento ósseo único descritos na literatura.

Em muitos casos, a osteomielite decorrente da paracoccidioidomicose é um diagnóstico tardio, resultando em alta morbidade e mortalidade.

Estudos de imagem são úteis para avaliação da extensão da doença. Áreas suspeitas devem ser investigadas radiologicamente, e cintilografias ósseas podem estudar o corpo inteiro. Cintilografia com gálio pode detectar atividade inflamatória.

Portanto, a identificação de alterações de imagem na osteomielite pela paracoccidioidomicose é de grande importância para o diagnóstico e tratamento precoces, reduzindo a morbidade.


REFERÊNCIAS

1. Shikanai-Yasuda MA, Telles Filho FQ, Mendes RP, et al. Consenso em paracoccidioidomicose. Rev Soc Bras Med Trop. 2006;39:297-310.

2. Souza AS Jr, Gasparetto EL, Davaus T, et al. Highresolution CT findings of the 77 patients with untreated pulmonary paracoccidioidomycosis. AJR Am J Roentgenol. 2006;187:1248-52.

3. Pereira GH, Santos AQ, Park M, et al. Bone marrow involvement in a patient with paracoccidioidomycosis: a rare presentation of juvenile form. Mycopathologia. 2010;170:259-61.

4. Moraes CS, Queiroz-Telles F, Marchiori E, et al. Análise das alterações radiográficas pulmonares durante a terapêutica da paracoccidioidomicose. Radiol Bras. 2011;44:20-8.

5. Coutinho ZF, Silva D, Lazera M, et al. Paracoccidioidomycosis mortality in Brazil (1980-1995). Cad Saúde Pública. 2002;18:1441-54.

6. Martinez R. Paracoccidioidomycosis: the dimension of the problem of a neglected disease. Rev Soc Bras Med Trop. 2010;43:480.

7. Muniz MAS, Marchiori E, Magnago M, et al. Paracoccidioidomicose pulmonar - aspectos na tomografia computadorizada de alta resolução. Radiol Bras. 2002;35:147-54.

8. Tobón AM, Agudelo CA, Osorio ML, et al. Residual pulmonary abnormalities in adult patients with chronic paracoccidioidomycosis: prolonged follow-up after itraconazole therapy. Clin Infect Dis. 2003;37:898-904.

9. Fulciniti F, Troncone G, Fazioli F, et al. Osteomyelitis by Paracoccidioides brasiliensis (South American blastomycosis): cytologic diagnosis on fine-needle aspiration biopsy smears: a case report. Diagn Cytopathol. 1996;15:442-6.

10. Krivoy S, Belfort EA, Mondolfi A, et al. Paracoccidioidomycosis of the skull. Case report. J Neurosurg. 1978;49:429-33.

11. Nogueira SA, Guedes AL, Wanke B, et al. Osteomyelitis caused by Paracoccidioides brasiliensis in a child from the metropolitan area of Rio de Janeiro. J Trop Pediatr. 2001;47:311-5.










1. Médica Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
2. Médico Nuclear do CMEN - Centro de Medicina Nuclear, Preceptor de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
3. Mestrando, Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
4. Doutor, Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.

Endereço para correspondência:
Juliana Santos Bayerl de Oliveira
Rua José Batista, 14, Bairro Recanto
Cachoeiro de Itapemirim, ES, Brasil, 29303-012
E-mail: jubayerl@gmail.com

Recebido para publicação em 4/1/2012.
Aceito, após revisão, em 22/6/2012.

Trabalho realizado no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.
 
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