Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 44 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2011

RELATO DE CASO
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Page(s) 265 to 267



Lipoma espinhal associado a seio dérmico congênito: relato de caso

Autho(rs): Lívia Teresa Moreira Rios1; Ricardo Villar Barbosa de Oliveira2; Marília da Glória Martins3; Olga Maria Ribeiro Leitão4; Vanda Maria Ferreira Simões5; Janilson Moucherek Soares do Nascimento6

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Texto em Português English Text

Descritores: Disrafismo espinhal oculto; Seio dérmico congênito; Lipoma intradural; Ultrassonografia.

Keywords: Occult spinal dysraphism; Congenital dermal sinus; Intradural lipoma; Ultrasonography.

Resumo:
Os lipomas espinhais são raros, respondendo por 1% de todos os tumores espinhais, estando associados ao disrafismo espinhal oculto em mais de 99% dos casos. Estão divididos em três tipos principais: lipomielomeningocele, lipoma intradural e fibrolipoma do filo terminal. Este relato descreve um caso de lipoma lombossacral congênito associado a estigma cutâneo do tipo seio dérmico lombar congênito.

Abstract:
Spinal lipomas are rare, accounting for 1% of all spinal tumors and being associated with occult spinal dysraphism in more than 99% of cases. Such lesions are divided into three main types, namely, lipomyelomeningoceles, intradural lipomas, and filum terminale fibrolipomas. The present report describes a case of congenital lumbosacral lipoma associated with cutaneous stigmata of the lumbar dermal sinus type.

INTRODUÇÃO

Os disrafismos espinhais ocultos são um grupo de afecções dorsais que existem abaixo de uma cobertura intacta de derme e epiderme. Como a pele e o tecido nervoso se originam do ectoderma, anomalias de ambos podem ocorrer simultaneamente. Dessa forma, frequentemente há um estigma cutâneo associado, do tipo massa coberta de pele, tufo de cabelo, apêndice cutâneo, pele com distúrbio de coloração, ou depressão cutânea(1-3). Dentre as lesões disráficas ocultas estão incluídos lipoma, seio dérmico dorsal, mielocistocele e diastematomielia. O seio dérmico dorsal costuma estar associado a 60% dos casos de lipoma espinhal(4).

Lipomas espinhais são menos encontrados e podem localizar-se no interior do canal espinhal, fora dele ou numa combinação dessas localizações(1-5). Neste artigo relatamos um caso de lipoma no interior do canal espinhal (lipoma intradural), cuja suspeição e detecção foram facilitadas pela presença de estigma cutâneo do tipo seio dérmico dorsal congênito.


RELATO DO CASO

Recém-nascido do sexo masculino, nascido a termo, de cesariana, com ultrassonografias antenatais sem anormalidades. Ao exame físico foi observado estigma cutâneo na forma de depressão cutânea com pequeno óstio paramediano recoberto por fina membrana transparente, com bordas elevadas, imediatamente à esquerda da linha média, acima da prega interglútea, compatível com seio dérmico dorsal. Destacava-se ainda pequena massa sólida recoberta por pele na região lombossacra (Figura 1).


Figura 1. Seio dérmico dorsal. Fotografia do recémnascido com estigma cutâneo (seta) caracterizado por depressão cutânea recoberta por fina membrana, localizada acima da prega interglútea.



Foi solicitada ultrassonografia da coluna lombossacra no terceiro dia de vida, após observação do estigma cutâneo, sinalizador de possível disrafismo espinhal oculto. O exame ultrassonográfico evidenciou massa sólida hiperecoica alongada, no interior do canal espinhal, estendendo-se de T12 a L4, medindo 3,2 × 0,7 cm, localizada posteriormente e aderida à medula espinhal, deslocando-a anterolateralmente para a direita, determinando síndrome da medula presa ou ancorada (Figuras 2 e 3), com cone medular ao nível da terceira e quarta vértebras lombares.


Figura 2. Síndrome da medula presa. Corte sagital mediano de ultrassonografia. A seta aponta para o cone medular, que apresenta localização baixa, ao nível de vértebras sacrais, em função da presença do lipoma intradural (L).


Figura 3. Cortes transversais dorsais de ultrassonografia, realizados em decúbito ventral em diferentes níveis da coluna lombossacra, demonstrando massa (seta) sólida hiperecoica (L), que se amolda ao canal medular, aderida à medula (M), rechaçando-a anterolateralmente para a direita.



A ressonância magnética confirmou os achados ultrassonográficos de massa no interior do canal espinhal, precisou sua topografia e demonstrou o pertuito do seio dérmico dorsal, do canal espinhal à superfície (Figura 4).


Figura 4. Corte sagital mediano de ressonância magnética, ponderada em T2 com saturação de gordura, evidenciando imagem de lipoma intradural (L). A seta aponta para seio dérmico comunicando o fundo de saco dural com a pele, situado no plano de S1–S2.



A criança foi submetida a laminectomia com ressecção subtotal do tumor aos dois meses de vida. Permanece em acompanhamento, cursando com boa evolução clínica, sendo observado discreto déficit motor inferior à direita.


DISCUSSÃO

A espinha bífida oculta é frequentemente assintomática e pode manifestar-se clinicamente em qualquer idade. O defeito ocorre nos primeiros dois meses de vida intrauterina. Embriologicamente, o tubo neural se desenvolve a partir de células ectodérmicas (neuroectoderma), enquanto o mesoderma dará origem aos ossos, às meninges e aos músculos. A pele é separada do tubo neural por uma camada de mesoderma. A separação incompleta entre o ectoderma cutâneo e o tubo neural resulta em ancoramento da coluna, diastematomielia ou em seio dérmico. A separação prematura do ectoderma cutâneo do neuroectoderma subjacente resulta na incorporação de elementos do mesênquima entre o tubo neural e a pele, que pode resultar no desenvolvimento de lipomas(6).

Os lipomas espinhais estão divididos em três tipos principais: lipomielomeningocele, lipoma intradural e fibrolipoma do filo terminal(1). Além da gordura, cerca de 80% deles podem conter tecido neural ou meninges(5).

O seio dérmico dorsal congênito é um pertuito epitelial da pele até tecidos mais profundos, resultante da provável separação incompleta do ectoderma cutâneo do neuroectoderma subjacente. Sua incidência estimada na população geral é de 1 em 2.500 nascidos vivos. Apresenta-se, ao exame físico do neonato, como uma depressão cutânea ou óstio. Costuma estar associado a 60% dos casos de lipoma espinhal. Sua presença deve ser encarada como sinal de alerta para o rastreamento do lipoma espinhal por meio de ultrassonografia(5).

O estudo ultrassonográfico assume relevância como método de triagem em neonatos com suspeita de disrafismo oculto sem massa aparente. A presença de um estigma cutâneo muitas vezes é o único sinalizador da possível existência de espinha bífida oculta. A ultrassonografia tem boa sensibilidade e desempenha papel importante no rastreamento de massas adiposas, na caracterização da topografia do cone medular e no detalhamento da relação da medula espinhal com possível massa existente.

A ultrassonografia do canal espinhal do neonato tem sua importância como exame de rastreamento, porém, como tal, tem suas limitações. Na maioria das vezes, não identifica a comunicação entre o seio dérmico e o saco dural, importante para se descartar risco de infecção meníngea. O exame permite apenas inferir a possibilidade da comunicação. A ressonância magnética é o método de imagem mais específico para a avaliação do canal espinhal do neonato, possibilitando a confirmação diagnóstica e um maior detalhamento do disrafismo(3,7).


REFERÊNCIAS

1. Wilson PE, Oleszek JL, Clayton GH. Pediatric spinal cord tumors and masses. J Spinal Cord Med. 2007;30Suppl1:S15-20.

2. Guggisberg D, Hadj-Rabia S, Viney C, et al. Skin markers of occult spinal dysraphism in children: a review of 54 cases. Arch Dermatol. 2004;140:1109-15.

3. Henriques JGB, Pianetti Filho G, Costa PR, et al. Uso da ultra-sonografia na triagem de disrafismos espinhais ocultos. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62:701-6.

4. Ackerman LL, Menezes AH. Spinal congenital dermal sinuses: a 30-year experience. Pediatrics. 2003;112(3Pt1);641-7.

5. Lowe LH, Johanek AJ, Moore CW. Sonography of the neonatal spine: part 2, spinal disorders. AJR Am J Roentgenol. 2007;188:739-44.

6. Oskouian RJ Jr, Sansur CA, Shaffrey CI. Congenital abnormalities of the thoracic and lumbar spine. Neurosurg Clin N Am. 2007;18:479-98.

7. Robinson AJ, Russell S, Rimmer S. The value of ultrasonic examination of the lumbar spine in infants with specific reference to cutaneous markers of occult spinal dysraphism. Clin Radiol. 2005;60:72-7.










1. Mestre, Coordenadora da Clínica de Imagem do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
2. Mestre, Médico da Clínica de Imagem em Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
3. Doutora, Professora Associada II da Disciplina de Obstetrícia, Chefe do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
4. Especialista em Ultrassonografia Geral, Médica do Serviço de Ultrassonografia em Pediatria do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
5. Doutora, Coordenadora Geral da Residência Medica, Chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
6. Especialista em Ultrassonografia Geral, Médico da Clínica de Imagem em Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dra. Lívia Teresa Moreira Rios
Avenida do Vale, L-10, Q-35, Ed. Costa Rica, ap. 801, Jardim Renascença
São Luís, MA, Brasil, 65075-820
E-mail: ltlrios@terra.com.br

Recebido para publicação em 24/3/2010.
Aceito, após revisão, em 31/3/2011.

Trabalho realizado na Clínica de Imagem do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA), São Luís, MA, Brasil.
 
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