RELATO DE CASO
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Autho(rs): Cyrillo Rodrigues de Araújo Júnior, Tarcísio Nunes Carvalho, Sérgio Roberto Fraguas Filho, Marlos Augusto Bitencourt Costa, Beatriz Mahmud Jacob, Márcio Martins Machado, Kim-Ir-Sen Santos Teixeira, Carlos Alberto Ximenes |
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Descritores: Persistência da veia cava superior esquerda, Ausência da veia cava superior direita, Radiografia do tórax, Tomografia computadorizada |
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Resumo: IIMédicos Cooperados do Serviço de Diagnóstico por Imagem do HC-FMUFG
INTRODUÇÃO A persistência congênita da veia cava superior esquerda é a variante mais comum de retorno venoso sistêmico ao coração(1,2), ocorrendo pela persistência anormal da veia cardinal anterior esquerda(3). Sua incidência varia de 0,3% em pacientes sem alterações cardíacas congênitas a 4,3% naqueles com cardiopatias. Na maioria dos pacientes a veia cava superior direita está presente(46), sendo raro o achado isolado de persistência da veia cava superior esquerda com ausência da direita. Esta anomalia tem sido identificada muito raramente, sendo diagnosticada de forma incidental durante investigação torácica por tomografia computadorizada, cateterismo cardíaco ou mesmo achado de necropsia(7). Nosso objetivo, neste trabalho, é mostrar os achados de imagem de um paciente com persistência da veia cava superior esquerda e ausência da direita diagnosticadas durante um exame tomográfico do tórax para investigação de doença pulmonar obstrutiva crônica.
RELATO DO CASO Paciente com 70 anos de idade, pardo, sexo masculino, atendido em 21/5/2002 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, referindo cansaço e tosse seca há 12 meses, tendo piorado nos últimos quatro meses. Tabagista por 20 anos, negava alterações cardiovasculares. Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, cianótico (1+/4+), dispnéico (2+/4+) e desidratado (1+/4+). Bulhas cardíacas normofonéticas em dois tempos e sem sopros. Murmúrio vesicular e expansibilidade pulmonar globalmente diminuídos, com estertores bolhosos nas bases. A radiografia do tórax revelou assimetria do volume pulmonar e hiperinsuflação difusa com densificação parenquimatosa apical bilateral de aspecto fibro-retrátil, notadamente à esquerda. A ausência da linha da veia cava superior direita e a identificação desta à esquerda foram evidentes. A aorta encontrava-se alongada e com placas de ateroma em sua croça. Notava-se proeminência do tronco da aorta ascendente na borda mediastinal direita (Figuras 1 e 2).
Como exame complementar, foi realizada uma tomografia computadorizada convencional de tórax com contraste endovenoso, que revelou alterações enfisematosas pulmonares (Figura 3), ausência da veia cava superior direita e a persistência da veia cava superior esquerda, que se estendia na direção caudal ao lado do segmento ascendente da aorta torácica, localizando-se anteriormente ao hilo esquerdo e desaparecendo, finalmente, na silhueta cardíaca (Figura 4).
DISCUSSÃO Na maioria dos casos de persistência da veia cava superior esquerda, a veia cava superior direita também está presente. Numa revisão de 275 angiografias cardíacas relatadas por Cha e Khoury(3), havia 12 exemplos de persistência da veia cava superior esquerda, dentre os quais apenas dois pacientes não apresentavam a veia cava superior direita. Winter(8) relatou um total de 170 pacientes com persistência da veia cava superior esquerda, sendo que 31 deles não apresentavam a veia cava superior direita. A drenagem cardíaca da veia cava superior esquerda geralmente se faz através do seio coronariano para o átrio direito, porém pode ocorrer a drenagem diretamente para o átrio esquerdo, produzindo uma comunicação direita-esquerda com dessaturação do sangue arterial e conseqüente cianose. No nosso paciente não havia queixas cardiovasculares prévias, sendo a anomalia venosa diagnosticada através dos achados da radiografia e da tomografia computadorizada do tórax. Considerando a ausência de sintomas cardiovasculares, inferimos que a drenagem venosa fosse conduzida ao átrio direito pelo seio coronariano patente (Figura 5).
A ausência da veia cava superior direita foi descrita pela primeira vez em 1862(9). Karnegis et al. relataram um caso e coletaram outros 29 entre 1862 e 1964(9). Muitos dos pacientes apresentavam anomalias cardíacas congênitas associadas ou arritmias, sendo rara a descrição isolada da anomalia venosa(3,8,10,11). Desenvolvimento embriológico(12) Normalmente, as veias cardinais constituem o principal sistema de drenagem do embrião (Figura 5). As veias cardinais anteriores e posteriores drenam as partes cranial e caudal do embrião, respectivamente. Na oitava semana de gestação a veia braquiocefálica esquerda se desenvolve e passa a unir as porções anteriores das duas veias cardinais anteriores. A porção caudal da veia cardinal anterior direita torna-se a veia cava superior direita normal, e a veia cardinal anterior esquerda caudal à veia braquiocefálica esquerda se degenera. Se esta veia não se degenerar, ocorrerá o desenvolvimento da veia cava superior esquerda persistente, que drenará para o átrio direito através do seio coronariano e com a presença da veia cava superior direita. Assim, o paciente fica com duas veias cavas superiores. Raramente, em pacientes com persistência da veia cava superior esquerda, a veia cardinal anterior direita se degenera, resultando na ausência da veia cava superior direita normal, sendo o sangue do lado direito drenado através da veia braquiocefálica para a veia cava superior esquerda persistente. A real incidência da persistência da veia cava superior esquerda com ausência da veia cava superior direita pode ser subestimada, devido à não identificação desta anomalia em pacientes assintomáticos e sem alterações cardíacas associadas. Dessa forma, é necessária a sua ampla divulgação para alertarmos os radiologistas quanto à possibilidade de encontrar uma radiografia ou tomografia computadorizada de tórax com os sinais característicos e não interpretá-los como alterações patológicas, assim como da orientação na passagem de cateteres vasculares. Achados de imagem A radiografia simples do tórax pode ser normal ou apresentar os seguintes achados (Figura 1): a) um contorno anormal do mediastino superior à esquerda, decorrente do alargamento da sombra da aorta(3); A tomografia computadorizada tem sido de grande utilidade no diagnóstico desta anomalia(1416). Com o uso do meio de contraste, podem ser facilmente identificadas as seguintes alterações: a veia cava superior esquerda é identificada no mediastino superior esquerdo adjacente à artéria carótida e anterior à artéria subclávia, prossegue na direção caudal, mantendo-se lateralmente ao arco da aorta e ao tronco da artéria pulmonar. Passa anteriormente ao hilo esquerdo e finalmente desaparece na silhueta cardíaca. A veia cava superior direita pode estar ausente, como neste relato (Figuras 6, 7 e 8), porém na maioria dos casos ela está presente em sua topografia habitual.
REFERÊNCIAS 1.DeLeval MR, Ritter DG, McGoon DC, Danielson GK. Anomalous systemic venous connection. Surgical considerations. Mayo Clin Proc 1975;50:599610. [ ] 2.Hairston P. Left superior vena cava to left atrial drainage associated with double outlet right ventricle. Arch Surg 1969;98:3446. [ ] 3.Cha EM, Khoury GH. Persistent left superior vena cava. Radiologic and clinical significance. Radiology 1972;103:37581. [ ] 4.Campbell M, Deuchar DC. The left-sided superior vena cava. Br Heart J 1954;16:4239. [ ] 5.Webb WR, Gamsu G, Speckman JM, Kaiser JA, Federle MP, Lipton MJ. Computed tomographic demonstration of mediastinal venous anomalies. AJR 1982;139:15761. [ ] 6.Baron RL, Gutierrez FR, Sagel SS, Levitt RG, McKnight RC. CT of anomalies of the mediastinal vessels. AJR 1981;137:5716. [ ] 7.Weisbrod GL, Todd TR. Congenital left superior vena cava with absent right superior vena cava: a cause of progressive mediastinal widening. J Can Assoc Radiol 1985;36:1557. [ ] 8.Winter FS. Persistent left superior vena cava: survey of world literature and report of 30 additional cases. Angiology 1954;5:90132. [ ] 9.Karnegis JN, Wang Y, Winchell P, Edwards JE. Persistent left superior vena cava, fibrous remnant of the right superior vena cava and ventricular septal defect. Am J Cardiol 1964;14:5737. [ ] 10.Lenox CC, Zuberbuhler JR, Park SC, et al. Absent right superior vena cava with persistent left superior vena cava: implications and management. Am J Cardiol 1980;45:11722. [ ] 11.Fraser RS, Dvorkin J, Ossal RE, Eidem R. Left superior vena cava: a review of associated congenital heart lesions, catheterization data and roentgenologic findings. Am J Med 1961;31:7116. [ ] 12.Sarodia BD, Stoller JK. Persistent left superior vena cava: case report and literature review. Respir Care 2000;45:4116. [ ] 13.Ödman P. A persistent left superior vena cava communicating with the left atrium and pulmonary vein. Acta Radiol 1953;40:55460. [ ] 14.Stevens JS, Mishkin FS. Persistent left superior vena cava demonstrated by radionuclide angiocardiography: case report. J Nucl Med 1975;16:469. [ ] 15.Bell MJ, Gutierrez JR, DuBois JJ. Aneurysm of the superior vena cava. Radiology 1970;95:3178. [ ] 16.Huggins TJ, Lesar ML, Friedman AC, Pyatt RS, Thane TT. CT appearance of persistent left superior vena cava. J Comput Assist Tomogr 1982;6:2947. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 20/3/2003
* Trabalho realizado no Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (HC-FMUFG), Goiânia, GO. |